Não existe uma escala para dimensionar a dor do outro. Cada pessoa é cada pessoa, cada dor é cada dor. Não há sofrimento pior ou melhor.
“E eu que já passei por coisa pior que isto” é uma frase comum entre pessoas que competem sofrimento. Em um mundo cheio de tanta tragédia, será que competir sofrimento virou motivo de orgulho? Mas o que será que impulsiona a competitividade? A competição seria inata ao ser humano? É comum dizer que só o fato de nascermos já somos vencedores, afinal somos fruto do esperma que venceu a corrida entre milhares.
Existem pessoas bem-intencionadas que ao ouvir uma história trágica de alguém, resolve contar sua história triste a fim de mostrar que passou por situação pior e sobreviveu. Apesar de muitas vezes a intenção ser boa, não existe uma escala para dimensionar a dor do outro. Cada pessoa é cada pessoa, cada dor é cada dor. Não há sofrimento pior ou melhor. Uma pessoa pode ter perdido o pai e outra pessoa pode ter perdido um rato, mas o sofrimento é para quem nele está, não há comparação nestas circunstâncias.
Muitas vezes a pessoa sabe que existem muitas outras pessoas em sofrimento, mas o intuito é ser consolada e não metralhada com os sofrimentos de outrem. Seria este comportamento um sintoma da pessoa que sempre se coloca no lugar de vítima? Ninguém gosta de estar sempre por baixo, mas ser vítima sempre tem suas vantagens.
Cada ser humano tem sua dificuldade, mas a vítima sempre é o “coitado”, é o merecedor dos holofotes. Pode acontecer de pessoas construírem um emaranhado de sofrimento e não conseguir sair, visto que seu ciclo de amizade seja apenas de pessoas que vivem em constante sofrimento e em constante competição.
Certa vez conheci uma pessoa que alegou estar sofrendo muito e não ter mais vontade de viver. Ao perguntar sobre seu círculo de amizade, a pessoa disse que tinha poucos, mas os que tinha eram todos muito sofridos. Disse ainda que eles tinham costume de se sentar e relatar sobre seus sofrimentos, e cada um contava uma história mais sofrida que outra. A pessoa assumiu que muitas vezes ficava ensaiando o sofrimento que iria contar.
Em um poema, Bráulio Bessa fala sobre o sofrer, o amparar e ser amparado:
Se por acaso você não conseguir caminhar
Se os seus pés enfraquecerem se a estrada se alongar
Sempre haverá um alguém capaz de lhe carregar
Se por acaso você sentir a alma sangrar
E se a alma ferida fizer o seu corpo chorar
Sempre haverá um alguém capaz de lhe consolar
Se por acaso você sentir o mundo escapar
Se tudo for solidão, se a solidão maltratar
Sempre haverá um alguém capaz de lhe abraçar
[…]Sempre haverá, meu povo
Sempre haverá amor
Sempre haverá o bem
Numa via de mão dupla, com a força de um trem
Alguém ajuda você
E você ajuda alguém
Repare. Já que sempre haverá alguém para…
Lhe entender
Lhe carregar
Lhe acalmar
Abraçar quando doer
Alguém para lhe confortar quando o mundo lhe bater
Já que sempre haverá alguém para lhe socorrer
Só é preciso ser justo e grato para perceber
que sempre haverá alguém precisando de você.
O que você prefere ser? o que consola ou o que compete dor? Pare de comparar a sua dor com a dor do outro. Respeite e valide a história do outro. Hoje você pode ser o alicerce de alguém, amanhã esse alguém pode ser seu alicerce. O sofrimento deve ser consolado e não comparado.
Referências:
GSHOW. Bráulio Bessa emociona com poesia sobre dor. Disponível em https://gshow.globo.com/programas/encontro-com-fatima-bernardes/noticia/braulio-bessa-emociona-com-poesia-sobre-dor.ghtml