Os benefícios do grupo terapêutico para mulheres privadas de liberdade

O grupo terapêutico pode ajudar mulheres privadas de liberdade e beneficiá-las na redução do sofrimento e dos danos psicológicos causados pelo encarceramento, fortalecendo o vínculo consigo mesmas e com as integrantes do grupo e, de forma natural, recompor as bases da autoestima e autoconfiança, muitas vezes perdidas ao longo da privação de liberdade.

A dinâmica de grupos tem comprovado efeito terapêutico para pessoas que passam por crises ou ameaças em seu curso de vida, proporcionam benefícios para a saúde coletiva, aprendizagem, bem-estar, desenvolvimento de equipes e desenvolvimento pessoal. Além disso, a intervenção em grupo auxilia pessoas que passam por crises no desenvolvimento do ciclo vital ou crises decorrentes de situações que possam ameaçar sua existência, tem um comprovado efeito terapêutico, conforme retrata a literatura especializada. Mas, independentemente do efeito terapêutico já mencionado, o trabalho com grupos também propicia outros benefícios, como a prevenção primária, aprendizagem no meio escolar, ações de formação para adultos, promoção de coesão em equipes de empresas ou equipes esportivas (GUERRA; LIMA; TORRES, 2014, p.16).

O termo ‘dinâmica de grupos’ foi trazido ao vocabulário científico por Kurt Lewin, que pesquisou não só as influências poderosas nos indivíduos em situação de grupo, como os processos desenvolvidos. Para Kurt Lewin, no campo da dinâmica de grupo, a teoria e a prática estão conectadas metodologicamente de uma forma que, se propriamente conduzidas, podem fornecer respostas para problemas sociais práticos (GUERRA; LIMA; TORRES, 2014, p.18).

Na teoria desenvolvida por Kurt Lewin, estamos diante de um grupo quando há interdependência entre seus membros, mesmo que não existam similitudes entre eles. Podemos acrescentar a essa definição de grupos, que a interdependência entre os membros busca a realização de objetivos comuns e visa um relacionamento interpessoal satisfatório (GUERRA; LIMA; TORRES, 2014, p.21).

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Mindfulness

O termo Mindfulness faz referência a um conjunto de ferramentas terapêuticas baseadas em meditação, utilizadas na psicologia e na medicina. Podemos relacionar três significados para Mindfulness: uma teoria, uma prática para desenvolver as habilidades de atenção plena e um processo psicológico (que envolve a atenção consciente e a atitude de presença). O interesse em Mindfulness e suas aplicações está presente nas neurociências, medicina, psicologia, assistência social e psicoterapia (MORETTI, 2018).

Mindfulness é a tradução para o inglês do termo sati, em páli, que faz referência ao mesmo tempo aos termos consciência, atenção e memória. Segundo Moretti (2018), as ferramentas clínicas utilizadas são adaptações ocidentais de práticas ancestrais já documentadas no budismo teravada, incluindo as práticas meditativas. Além disso, as práticas meditativas remontam à uma época ainda mais antiga, tendo suas origens no Vale do Indo, há cerca de 5000 anos.

Essas práticas incluem a focalização da atenção e a auto-observação das próprias vivências, incluindo a percepção das sensações proprioceptivas, de pensamentos e de estados emocionais. A psicologia ocidental adaptou essas práticas meditativas excluindo seus elementos religiosos e místicos, podendo assim, incorporá-las em programas e terapias baseadas em Mindfulness (MORETTI, 2018).

 A partir do surgimento desses programas de mindfulness ocidentais, o movimento ganhou destaque no contexto clínico da psicologia e na promoção da saúde mental, sendo associados a diversas escolas psicoterápicas. Kabat- Zinn foi pioneiro na estruturação de um programa em 1979, que utilizava adaptações de práticas budistas e yoguicas em pacientes com dores crônicas, visando a diminuição do estresse gerado pelo quadro de saúde (PEREIRA; DALGOLBO; SILVA, 2021).

O programa denominado Mindfulness Based Stress Reduction (MBSR) foi implantado na Universidade de Massachusetts. O MBSR foi aplicado como o principal programa de treinamento para pesquisas psicológicas e a sua inovação consistia em ensinar que sensações e emoções negativas não deveriam ser combatidas, e sim acolhidas e aceitas, a partir de uma nova perspectiva. Estudos desenvolvidos com diversas pesquisas sugerem a eficácia do MBSR em pessoas com depressão, ansiedade e dor crônica (PEREIRA; DALGOLBO; SILVA, 2021).

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Terapia Focada na Compaixão

A Terapia Focada na Compaixão (TFC) foi desenvolvida por Paul Gilbert, professor de psicologia clínica da Universidade de Derby, com o objetivo de criar autocompaixão e reduzir o sentimento de vergonha, através do desenvolvimento de um sistema de suporte interno que antecede o envolvimento com o conteúdo interno doloroso. A TFC surge como uma abordagem de tratamento transdiagnóstico fundamentada na psicoeducação da perspectiva neurocientífica e evolutiva da mente (ALMEIDA; REBESSI; SKYPSZNSKI; NEUFELD, 2021).

Entre os benefícios do desenvolvimento da autocompaixão para o bem-estar do indivíduo estão maior felicidade, satisfação com a vida e motivação, melhores relacionamento e saúde física e menos ansiedade e depressão. Pessoas autocompassivas também têm mais resiliência para enfrentar momentos de estresse na vida, como por exemplo crises de saúde e traumas de combate (NEFF; GERMER, 2019, p.1).

A autocompaixão compreende tratar a si mesmo da forma como você trataria um amigo que está com dificuldades, uma vez que mesmo que o amigo tenha cometido erros ou esteja se sentindo inadequado, a cultura ocidental enfatiza a gentileza com amigos, familiares e vizinhos. O indivíduo autocompassivo mobiliza três elementos quando está em sofrimento: autobondade, humanidade compartilhada e Mindfulness (NEFF; GERMER, 2019, p.7).

A autobondade consiste em sermos apoiadores e encorajadores quando notamos falhas pessoais. Já a humanidade compartilhada traz um senso de interconectividade, fazendo com que reconheçamos que a vida envolve sofrimento para todos, ou seja, a dor faz parte da experiência humana compartilhada. O terceiro elemento é o Mindfulness que implica em estar consciente das experiências momento a momento, sem resistência ou esquiva (NEFF; GERMER, 2019, p.8-9)

Portanto, a autocompaixão surge no cerne do Mindfulness quando o indivíduo passa por sofrimento na vida. A atenção plena incentiva que a pessoa se “abra” ao sofrimento com ampla consciência amorosa. Já a autocompaixão traz a necessidade de ser gentil consigo mesmo em meio ao sofrimento. Assim, Mindfulness e autocompaixão formam juntos um estado de presença calorosa e conectada para atravessar momentos difíceis (NEFF; GERMER, 2019, p.1).

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Dialética

A Dialética tem origem nas palavras dialectica do latim e dialektike do grego, que podem ser traduzidas como discussão. O prefixo “dia” indica reciprocidade, e “lêgein” ou “logos” indicam o verbo e o substantivo do discurso da razão. Dessa forma, a Dialética surgiu com o intuito de incorporar as razões do outro, através do diálogo. O termo foi empregado na Grécia antiga no sentido de arte do diálogo, que seria a capacidade de demonstrar uma tese por meio da argumentação (PEREIRA, 2013).

Atualmente, a Dialética pode ser compreendida como o modo de pensar as contradições da realidade, ou seja, compreender o real como permanentemente em transformação e, em essência, contraditório. O conhecimento é sempre a busca da totalização. Qualquer objeto que se possa perceber ou criar é sempre parte de um todo e interligado a outros objetos, fatos ou problemas (PEREIRA, 2013).

Portanto, para que possamos nos apropriar da realidade, através do uso da Dialética, é necessário buscar uma visão de conjunto, colocando a compreensão da realidade numa constante que gera teses e antíteses, que por sua vez geram sínteses que geram outras teses e assim por diante. A técnica busca uma totalização que nunca é alcançada ou definitiva (PEREIRA, 2013).

Sistema Prisional Brasileiro

O sistema prisional do Brasil, em termos de população carcerária, é um dos maiores do mundo. Isso faz com que se evidencie um antigo problema enfrentado por ele, a superlotação. Além das vagas não corresponderem a volumosa demanda de atendimento, existem ainda outras complicações enfrentadas pelo sistema prisional brasileiro. Desses, podemos citar três que julgamos serem os mais relevantes: a falta de infraestrutura predial somada à sua escassa manutenção, acesso precário aos serviços de saúde e número de funcionários e agentes prisionais insuficientes para suprir todas as demandas de serviço.

No que diz respeito ao Sistema Prisional Feminino a situação tende a ser pior. As condições físicas estruturais dos presídios apresentam maior precariedade, alguns, inclusive, não possuem uma infraestrutura mínima que garanta a dignidade da pessoa humana. Em 2019, por exemplo, a Unidade Prisional Feminina de Palmas-TO recebeu inúmeros apontamentos do Ministério Público do Tocantins (MPTO), por apresentar uma série de irregularidades de “infraestrutura, abastecimento de materiais e insumos”. Além dessas, “falta de uniformes, ausência de kits de higiene pessoal em quantidade suficiente, instalações elétricas precárias, caixa d’água com tampa sem vedação, falta de salas específicas para atendimento de advogados, ausência de berçário e creche” (PORTAL DO MPTO, 2019), na época também foram assinaladas pelo promotor, resultando em uma ação civil pública.

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Assistência à saúde nos sistemas prisionais

É preciso enxergar o indivíduo antes de ver seu crime, como afirma Foucault (1987). Apesar das Pessoas Privadas de Liberdade (PPL) terem por pena a privação do seu direito de ir e vir temporariamente, se conserva constitucionalmente os demais direitos inclusive o direito ao acesso à saúde, conforme a portaria 1.777/2003 que institui o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP). Este plano prevê no âmbito prisional a presença dos profissionais da atenção básica de saúde composta ao menos por médico, enfermeiros, assistente social, psicólogo, auxiliar de enfermagem e dentista.

Dez anos depois da publicação desta portaria, que visou aproximar as PPL ao direito de acesso aos serviços do SUS, verificou-se que de 2003 a 2013 houve um aumento de 120% da população encarcerada, dificultando a execução do PNSSP pelas superlotações e poucos profissionais disponíveis para essa assistência. Avaliando e reformulando o modo de atuação nesse sentido foi elaborada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), contendo o direito ao acesso aos mesmos profissionais contidos no PNSSP, porém com equipes subdivididas pelo: “Número de pessoas privadas de liberdade por unidade prisional, vinculação dos serviços de saúde a uma unidade básica de saúde no território e existência de demandas referentes à saúde mental.” (BRASIL, 2014, p.21)

A cartilha reforça como objetivos específicos da atuação das equipes:

  1. Promover o acesso das pessoas privadas de liberdade à Rede de Atenção à Saúde, visando ao cuidado integral;
  2. Garantir a autonomia dos profissionais de saúde para a realização do cuidado integral das pessoas privadas de liberdade;
  3. Qualificar e humanizar a atenção à saúde no sistema prisional por meio de ações conjuntas das áreas da saúde e da justiça;
  4. Promover relações intersetoriais com as políticas de direitos humanos, afirmativas e sociais básicas, bem como com as da Justiça Criminal;
  5. Fomentar e fortalecer a participação e o controle social. (BRASIL, 2014, p. 11)

Dessa forma, com equipes estruturadas o psicólogo tem oportunidade de atuar para além das avaliações psicológicas e confecção de laudos.

O cárcere, como dito anteriormente, desperta nas reeducandas a sensação de solidão. Assim, ao formar um grupo terapêutico para e com esse público podemos, de certo modo, amenizar esse sentimento. Dessa forma, compreender melhor a dinâmica cotidiana das mulheres em privação de liberdade e, através da Terapia Focada na Compaixão, do Mindfulness e da Dialética, mostrando o benefício da prática autoconhecimento, da compassividade e do foco no momento presente. Inspirar um ambiente de confiança no grupo, sigiloso e seguro, respeitoso e acolhedor. Por fim, entendendo os benefícios do foco da atenção no momento presente, aprendam a lidar melhor com seus sentimentos, com mais controle emocional e a ter atitude compassiva e de autocompaixão enquanto estiverem privadas de liberdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, N.; REBESSI, I. P.; SZYPSZNSKI, K. P. D. R.; NEUFELD C. B. Uma intervenção de Terapia Focada na Compaixão em grupos online no contexto da pandemia por COVID-19. Psico, v. 52, n. 3, p. e41526, 2021. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistapsico/article/view/41526. Acesso em 06/06/2022;

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. 288p. https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/centrocultural/foucault_vigiar_punir.pdf. Acesso em 06/06/2022;

GUERRA, M. P.; LIMA, L.; TORRES, S. Intervir em Grupos na Saúde. 2. ed. Lisboa: Climepsi Editores, 2014.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres (Vol. 2). Brasília, DF: 2018. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf. Acesso em 06/06/2022.

Ministério da Saúde. Ministério da Justiça. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional. Brasília (DF): Brasil; 2014. Disponivel em: http://www.as.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/Cartilha-PNAISP.pdf. Acesso em 06/06/2022;

Ministério da Saúde. Ministério da Justiça. Portaria Interministerial nº 1777 de 9 de setembro de 2003. Aprova o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. Brasília (DF): Brasil; 2003. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2003/pri1777_09_09_2003.html. Acesso em 06/06/2022;

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TOCANTINS (MPTO). Péssimas condições da unidade prisional feminina de Palmas resultam em Ação Civil Pública. Portal do MPTO – Notícias. 07 de abr. de 2019. Disponível em: https://mpto.mp.br/portal/2019/04/17/164117-pessimas-condicoes-da-unidade-prisional-feminina-de-palmas-resultam-em-acao-civil-publica. Acesso em 06/06/2022.

MORETTI, L. Mindfulness na construção terapêutica do espaço comunicativo baseado na atenção conjunta ao corpo. São Paulo: Nova perspect. sist., v. 27, n. 60, p. 87-99, abr.  2018.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-78412018000100007&lng=pt&nrm=iso>. acesso em  06  jun.  2022.

NEFF, K.; GERMER, C. Manual de mindfulness e autocompaixão: um guia para construir forças internas e prosperar na arte de ser seu melhor amigo. Porto Alegre: Artmed, 2019.

NONNENMACHER, C. A. D.; PUREZA, J. da R. As relações entre a autocompaixão, a ansiedade social e a segurança social. Contextos Clínic,  São Leopoldo ,  v. 12, n. 3, p. 1000-1027,   2019. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S 1983-34822019000300015 &lng=pt&nrm=iso. Acesso em 01/06/2022.

PEREIRA, F. N.; DALGOLBO, C. G.; SILVA, M. O. Revolução budista ou apocalipse zumbi? Discussões sobre mindfulness a partir de uma perspectiva gestáltica.  Psicologia USP:  2021, volume 32, e200146. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pusp/a/x9JLCdgmWdXwrStgpBvCZPk/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 06/06/2022.

PEREIRA, T. T. S. O. Pichon-Rivière, a dialética e os grupos operativos: implicações para pesquisa e intervenção. Rev. SPAGESP, Ribeirão Preto, v. 14, n. 1, p. 21-29, 2013.   Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702013000100004&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 13/06/2022.