Nossa comunicação é referencial, pois fundada na fala, na palavra. As palavras são símbolos aos quais existem referências, os objetos em si (sem entrar no mérito dessa polêmica expressão). Por exemplo: quando escrevo, aqui, “MAÇÔ, você, leitor, imagina essa determinada fruta, logicamente no caso de partilhar da comunidade verbal que ligou a palavra “MAÇÔ à fruta em si. A maçã que agora imaginou não é a mesma que eu imagino; cada pessoa imagina a sua determinada maçã, mesmo que, com o mesmo estímulo, imaginemos coisas iguais, pois maçãs todas, mas diferentes em suas particularidades. Essa discussão nos trás os conceitos de sentido e representação. O sentido é formado por idéias que partilhamos e que nos permite concluir que estamos falando de uma mesma coisa, a maçã, possibilitando a continuidade da comunicação (não é a única coisa que permite essa continuidade); a representação é a forma como cada um de nós imagina a fruta, cada um, como já dito, com suas particularidades a qual pode fomentar a comunicação, mas não é imprescindível a ela.
Um exemplo interessante é o de uma antiga e querida professora minha, de português. Ela encaixava pequenas tiras de papel, em branco, em seus anéis, às vezes mais de um de uma só vez, e cada uma daquelas tiras representava uma determinada tarefa que deveria fazer durante o dia, como, por exemplo, corrigir provas de duas turmas, comprar o livro A, comprar pão e buscar o filho na escola. Um simples papel em branco encaixado no anel, a fazia lembrar-se da referência “EXECUTAR UMA AÇÃO” que é virtual, pois futura. Nesse exemplo, podemos, por analogia, dizer que o papel fez a mesma função que a palavra “MAÇÔ nessa nota: são todos nomes que possuem referências, os objetos em si, no caso de minha professora, virtual.
Podemos dizer, portanto, tendo em vista a relação entre o nome, a referência, o sentido e a representação, que nossa comunicação e nossa comunidade verbal é extremamente plástica a ponto de tornar um pedaço de papel num lembrete, como se transformasse um objeto numa palavra, ou pelo menos, transformando-o na mesma função da palavra (e da mesma forma arbitrária) que é a comunicação. A recíproca é também verdadeira, ou seja, é possível transformar uma palavra num objeto, por exemplo: no relato de uma colega, sobre sua prática em uma instituição de saúde mental, ela usa o nome “doente mental” para as referências que são as pessoas em relação cotidiana, no caso, entre elas e com os barbantes para confecção de tapetes. Nesse exemplo, vê-se que a expressão “doente mental” (que é também um conceito) transformou a referência “pessoas” na referência “doentes”; todavia, na situação vivida e relatada, nada, nas pessoas e nas relações (exceto em minha colega), remetia ao nome doente, como uma maçã se remete à macieira. A relação direta entre a palavra “doente” e a referência “pessoa” fez a relação da profissional com as pessoas se transformar numa relação dela com “doentes”, transformando, portanto, a palavra “doente” num objeto referencial encarnado nas pessoas.
Essa nota é apenas pra dar enredo a uma questão que, por estes dias, saltou, em palavras, na minha cabeça: é possível uma comunicação não referencial, aliás, existem comunidades cuja comunicação é essa? Que tipo de relações se faria por meio dessa direta e imediata comunicação?