Os papéis que se formam no grupo à luz de Pichon-Rivière

Pichon-Rivière era um psicanalista francês, teve suas primeiras experiências com grupo em Rosário na Argentina, onde por volta de 1958, dirigiu grupos heterogêneos através de uma didática interdisciplinar. Onde seguia os conceitos da psicologia social, afirmava que o homem desde seu nascimento encontrava-se inserido em grupos, o primeiro deles a família, podendo ampliar esse raciocínio a amigos, escola, trabalho e sociedade. Pensava ser impossível conceber uma interpretação de ser humano sem levar em conta seu contexto, ou a influência do mesmo na constituição de diferentes papéis que se assume nos diferentes grupos pelos qual os indivíduos passam (CASTANHO, 2012).

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Pichon estabeleceu inicialmente que, ao se pensar o que ocorre em um grupo, deverá se ter em mente duas perspectivas nomeadas e definidas da seguinte forma: a) vertical: assinala tudo aquilo que diz respeito a cada elemento do grupo, distinto e diferenciado do conjunto, como, por exemplo, sua história de vida e seus processos psíquicos internos; b) horizontal: refere-se ao grupo pensado em sua totalidade.

Ao apresentar os dois eixos propostos por Pichon, Castanho (2012) enfatiza que em sua experiência didática, o eixo horizontal descrito acima, cria estranheza e muitas dúvidas aos profissionais ou alunos que se iniciam no campo dos estudos grupais pela primeira vez.

O autor entende que não é fácil introduzir esse paradigma fora da dimensão individual, e que o grupo é diferente da soma das partes dos indivíduos que o compõem. Continua explicando que os pesquisadores do campo, sem dúvida alguma, encontraram um “achado” (grifo do autor) com essa noção de horizontalidade; a concepção de que o grupo é diferente da soma dos seus membros, é tão contundente que teorias psicanalíticas de grupo incorporaram em seus estudos esse conceito.

Adentrando ao contexto dos estudos de Pichon, foi desenvolvida a técnica do “grupo operativo” (grifo nosso), concebendo grupo operativo como aquele centrado em uma tarefa de forma explícita, como: aprendizado, cura, diagnóstico etc.; além de outra tarefa implícita à primeira, ou seja, inconsciente, conforme Castanho (2012).

Dentro desta concepção, acima descrita, esse conceito foi se desenvolvendo de forma a possibilitar a compreensão do campo grupal como estrutura em movimento, o que deixa claro o caráter dinâmico do grupo, que pode ser vertical, horizontal, homogêneo, heterogêneo, primário ou secundário, segundo Baremblitt (1986).

O objetivo da técnica é abordar, através da tarefa, da aprendizagem, os problemas pessoais relacionados com a tarefa, levando o indivíduo a pensar; o indivíduo “aprende a pensar” (grifo do autor), passando de um pensar vulgar para um pensar científico. Sendo assim, a execução da tarefa implica em enfrentar alguns obstáculos que se referem a uma desconstrução de conceitos estabelecidos, desconstrução de certezas privadas adquiridas (zona de conforto), conforme Baremblitt (1982).

O autor enfatiza que o grupo implica em trabalhar sobre o objeto-objetivo (tarefa explícita) e sobre si (tarefa implícita), buscando romper com estereótipos e integrar pensamentos e conhecimentos. Assim, entrar em tarefa significa o grupo assumir o desafio de conquistar o desejo na produção e a produção no desejo.

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Antes de entrar em tarefa o grupo passa por um período de “resistência”, chamado por Pichon (1988) de Pré-tarefa, onde o verdadeiro objetivo, da conclusão da tarefa, não é alcançado. Essa postura paralisa o prosseguimento do grupo, realizam-se tarefas apenas para passar o tempo, o que acaba por gerar uma insatisfação entre os integrantes.

Geralmente ocorrem neste período tarefas sem sentido, onde fica faltando a revelação de si mesmo. Para o autor, somente passado este período, o grupo, com o auxílio do coordenador, entra em tarefa, onde serão trabalhadas as ansiedades e questões do grupo.

A partir dessa primeira etapa, elabora-se o que Pichon (1988) chamou de “projeto”, onde aplicam-se estratégias e táticas para produzir mudanças. A intersecção entre a verticalidade e a horizontalidade, elencada em parágrafo anterior, permite aparecer os primeiros diferentes papéis que os indivíduos assumem no grupo.

Os papéis se formam de acordo com a representação que cada um tem de si mesmo que responde as expectativas que os outros têm para com o indivíduo. Constata-se a manifestação de vários papéis no campo grupal, destacando-se: porta-voz, bode expiatório, líder e sabotador, conforme enunciado pelo autor (PICHON, 1988).

Porta-voz: é aquele que expressa as ansiedades do grupo, a qual está impedindo a tarefa; Bode expiatório: é aquele que expressa a ansiedade do grupo, mas diferente do porta-voz, sua opinião não é aceita pela grupo, pode-se entender que esse papel  assume caráter depositário de todas as dificuldades do grupo, sendo culpado de cada um de seus fracassos; Líder: A estrutura e função do grupo se configuram de acordo com os tipos de liderança assumidos pelo coordenador, apesar de a concepção de líder ser muito singular e flutuante. O grupo corre o risco de ficar dependente e agir somente de acordo com o líder e não como grupo; Sabotador: é aquele que conspira para a evolução e conclusão da tarefa podendo levar a segregação do grupo (PICHON, 1988).

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Portanto a observação e análise dos papéis e a forma em que se configuram, constitui uma das operações básicas, tendentes à constituição de um “ecro grupal”, conforme Pichon (1998). Cada um dos participantes de um grupo constrói seu papel em relação aos outros; assim, de uma articulação entre o papel prescrito e o papel assumido, surge a atuação característica de cada membro do grupo.

O que tem que ser observado é que este papel se constrói baseado no grupo interno, representação que cada um tem dos outros membros, onde se vai constituindo o outro generalizado do grupo. O autor enfatiza que na relação do sujeito com este “outro generalizado” ocorre a constituição do rol operativo diferenciado, que permitirá a construção de uma estratégia, tática, técnica e/ou logística para a realização da tarefa (PICHON, 1988).

No início do grupo, os papéis tendem a ser fixos, até que se configure a situação de lideranças funcionais. Na maior parte das vezes, todo grupo denuncia, mesmo na mais simples tarefa, um “emergente grupal”, isso é aquilo que numa situação ou outra se enche de sentido para aquele que observa, para quem escuta (PICHON, 1988).

O observador observa o existente segundo a equação elaborada por Pichon: EXISTENTE >> INTERPRETAÇÃO >> EMERGENTE >> EXISTENTE.

O existente só ocorre se fizer sentido para o observador, a partir de uma interpretação, se tornando o emergente do grupo. Assim este novo emergente leva à um novo existente, o qual por sua vez, requer uma nova interpretação, que levará à outro emergente, conforme Bastos (2010).

O coordenador toma um papel muito importante, à medida que é dele que faz a mediação das interpretações, dando sentido ao grupo, orientando para a comunicação intergrupal para evitar se possível a discussão frontal. É esse sentido todo que mobilizará uma aprendizagem, uma transformação grupal segundo Bastos (2010).

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Adentrando a teoria do vínculo, ela é concebida em forma de espiral contínua, no contexto clínico, o que se diz ao paciente, determina uma certa reação desse paciente, que é assimilada pelo terapeuta, que por sua vez a reintroduz em uma nova interpretação. Para Pichon (1998), isto constitui um aprendizado, tanto do ponto de vista teórico, como do ponto de vista objetivo, pois à medida que conhece se conhece, ou à medida que se ensina, se aprende.

Esta série de pares dialéticos deve ser considerada para qualquer operação. Neste sentido, todo vínculo é bicorporal e tripessoal, ou seja, em todo vínculo há uma presença sensorial corpórea dos dois, mas há um personagem que está interferindo sempre em toda relação humana, que é o terceiro (PICHON, 1998).

Seguindo adiante com os conceitos de Pichon (1998), é necessário compreender teoricamente o “cone invertido” (grifo nosso), constituindo-se em um esquema formado pôr vários vetores na base dos quais se fundamenta a operação no interior do grupo. A partir da análise inter-relacionada destes vetores se chega a uma avaliação da tarefa que o grupo realiza. A explicitação do desenho do cone invertido (figura 01), diz respeito em sua parte superior, aos conteúdos manifestos e, em sua parte inferior, as fantasias latentes grupais.

Pichon (1998) propõe que o movimento de espiral que vai fazer explícito o que é implícito, atua ante os medos básicos, permitindo enfrentar o temor à mudança. Para tanto os vetores envolvidos no processo, são:

  1. Filiação e Pertenência – a filiação se pode considerar como um passo anterior à pertenência, é uma aproximação não fixa com a tarefa. Seriam aqueles que estão interessados pelo trabalho grupal, sendo exemplificado da seguinte forma: “os torcedores e não os jogadores”. Pertenência é quando os participantes entram no grupo, na cancha (em campo). Na dinâmica grupal, tradicionalmente é medida em relação à presença no grupo, à pontualidade do seu início, às intervenções, etc.
  2. Aprendizagem – se faz existir através da tarefa, permite novas abordagens ao objeto e o esclarecimento dos fantasmas que impedem sua penetração, permitindo a operação grupal. Para Pichon (1998), o indivíduo nos momentos de intensa resistência à mudança, voltaria regressivamente mais que a comportamentos próprios da etapa libidinal onde está predominantemente fixado (os chamados pontos de fixação da psicanálise), a repetir atitudes mal aprendidas, ou infantilizadas, que dificultaram sua passagem a uma etapa posterior.
  3.  Pertinência – é um terceiro vetor que surge da realização dos dois anteriores. Se mede pela quantidade de suor que tem a camiseta ao final da partida, é a realização da tarefa estratégica. O autor utiliza a metáfora do gol contra, seria o cúmulo da falta de pertinência. Cabe explicar que o alcance da pertinência grupal não é proposta como um ato de vontade, mas sim, como a expressão do desejo grupal, revelado na análise dos medos básicos.
  4. Comunicação – o lugar privilegiado pelo qual se expressam os transtornos e dificuldades do grupo para enfrentar a tarefa. Na medida em que cada transtorno da comunicação remete-se a um transtorno da aprendizagem, veremos os sujeitos grupais tratarem de desenvolver velhas atitudes, em geral mal aprendidas (infantilizadas), com a intenção de abordar os objetos novos de conhecimento. Este objeto pode ser nos grupos operativos, indistintamente, desde a compreensão de um conceito ao desenvolvimento de um processo terapêutico. Entendendo a aprendizagem, então, como a ruptura de certos estereótipos de comunicação e a obtenção de novos estilos, o que implica sempre reestruturações e redistribuirão dos papéis desempenhados pelos integrantes do grupo.
  5. Cooperação – é dada pela possibilidade do grupo fazer consciente a estratégia geral do mesmo. No movimento grupal, se manifesta pela capacidade de se colocar no lugar do outro.
  6. Tele – este vetor se refere ao clima afetivo que prepondera no grupo em diferentes momentos. É um conceito tomado da sociometria de Moreno, para assinalar o grau de empatia positiva ou negativa que se dá entre os membros do grupo. A fundamentação deste conceito parte da base de que todo encontro é na realidade um reencontro, ou como gostava de dizer o próprio Pichon (1998): “Todo amor é um amor à primeira vista” (grifo nosso). Isto quer dizer que o afastamento e a aproximação entre as pessoas de um grupo, não tem que ver com essa pessoa real presente, más, com a recordação de outras pessoas e outras situações que ela evoca.

CONE INVERTIDO E SEUS VETORES

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REFERÊNCIAS

BAREMBLITT, G. Grupos: Teoria e Técnica. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1986.

BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A técnica de grupos-operativos à luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. Psicol inf., São Paulo,  v. 14, n. 14, p. 160-169, out.  2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-88092010000100010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso: 12.09.2018.

CASTANHO, Pablo. Uma Introdução aos Grupos Operativos: Teoria e Técnica. Vínculo, São Paulo,  v. 9, n. 1, p. 47-60, jun. 2012. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902012000100007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso: 12.09.2018.

PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

__________________. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1998.