A arte é provavelmente uma das mais antigas formas de ocupação humana. Uma atividade exclusiva de nossa espécie que tem mostrado, ao longo da história, uma forma importante de registro histórico, desde as pinturas rupestres nas cavernas, alcançando status de produto comercial.
Para a psicologia, a arte tem se mostrado uma de grande importância em seu aspecto simbólico (JUNG, 2008). O símbolo, trazido pela imagem de uma produção artística, por exemplo, implica em algo além de seu significado manifesto e imediato e alcança aspectos inconscientes que tem relação tanto com o insciente pessoal objetivo, quanto com imagens arquetípicas, que corresponde às imagens “de caráter arquetípico, isto é imagens primordiais, simbólicas, sobre as quais a mente humana se diferenciou e se edificou” (JUNG, 1981).
O símbolo, como toda a linguagem, transmite experiências, vive em uma tensão entre significante e significado. Além disso, sua riqueza se revela nas amplas possibilidades de interpretação, por ser um portador de significados (LEXICON, 1991).
É evidente que o símbolo é a base de toda arte. Não é a representação do que já conhecemos em uma pintura, poema ou abóboda de uma catedral gótica que faz o coração cantar em louvor ou o cérebro desmaiar de fascínio. É a natureza evocativa do símbolo, embutida na forma de arte que leva o observador para além de si mesmo (SINGER, 2004).
Neste sentindo, a utilidade da arte, para a psicologia, pode ser estendida a uma possibilidade apreensão do símbolo para uma possível conscientização e transformação psíquica, por meio dessa transmissão da experiência do autor para o leitor ou o expectador, uma vez que facilita o acesso para a análise do material inconsciente. Uma das condições necessárias para o desenvolvimento psíquico é a abertura para o confronto entre o ego e o inconsciente (SINGER, 2004).
Diferentemente o saber científico, que pretende alcançar a consciência de um objeto e compreendê-lo respondendo ao máximo o número de questões levantadas, a arte pode nos oferecer o aprendizado da experiência, a oportunidade de olhar para um sintoma, doença, situação, por exemplo, de maneira mais próxima como ela é sentida pelo ser humano, explorando, enquanto símbolo, que conduz a ideias que estão fora do alcance da razão (JUNG, 2008).
A arte, enquanto ficção, também se reveste da autoridade de abordar, de forma livre, questões incomodas, ou que a consciência acredita ser desagradável, circundados de tabus ou preconceitos, sem a necessidade de levantar provas de sua existência, tocando na emoção.
Ademais, para a psicologia analítica a anima mundi, que significa a alma do mundo, pode ser interpretada similarmente ao inconsciente coletivo, como memória coletiva das imagens primordiais. O inconsciente coletivo relaciona-se com as imagens símbolos e arquétipos passados de forma inconsciente pelas gerações e que ainda influenciam o cotidiano das pessoas. Os arquétipos são imagens que se agrupam por significado e provem da percepção e da memória. Integra-se a um complexo de ideias e sentimentos ao self (o eu mesmo) nas relações afetivas, internas e sociais (RAFFAELLI, 2002).
Carl G. Jung, criador da Psicologia Analítica afirma um conceito chamado sincronicidade que une o mundo e apoia-se na a noção de correspondência acausal com uma possibilidade de conhecimento que ultrapassa os limites espaciotemporais (JUNG, 2011a). Esse conceito embasa-se nas palavras de Plotino, antigo filósofo que alega que as almas individuais se acham ligadas mutualmente de simpatia ou não, em que a distância não tem influência (RAFFAELLI, 2002).
Deste modo, a psicologia analítica nos direciona para adotar um olhar simbólico seja nos acontecimentos externos que tenham relação com o estado psíquico (sincronicidade) nos sonhos fantasias e também nas produções. O símbolo é a expressão de conteúdos dos conteúdos inconscientes para a consciência (JUNG, 1981). É por meio desta troca de um mecanismo similar ao conceito da homeostase, na biologia, energia psíquica que passa do inconsciente para a porção consciente do ser em forma de símbolos favorece o autoconhecimento (JUNG, 2008).
Assim, é observado que o reconhecimento destes símbolos podem influenciar nas escolhas de uma pessoa e o modo que está olhará para seu passado e aos seus caminhos escolhidos futuramente. Não somente pela conscientização ou da análise simbólica se dá a influência do inconsciente no processo psíquico e, por conseguinte nas escolhas. A manifestação deste, ativa o processo de autorregulação da psique que afeta também nossas escolhas (SINGER, 2004).
Outra questão interessante a ser vista na Arte é a Sombra que se constitui num problema de ordem moral que desafia o ego e, portanto, seu reconhecimento se defronta com considerável resistência por parte do eu consciente (JUNG, 2011b). Nela se encontra todos os aspectos da personalidade que foram negligenciados, reprimidos ou considerados inadequados. Assim, uma das formas pelas quais o arquétipo da sombra é experimentado pela pessoa é na imagem de seu inimigo ou o outro, “já que temos a ilusão de compreender a nós mesmos e já ter lidado adequadamente com nossos problemas” (WHITMONT, 1994).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
JUNG, Carl Gustav. Estudos de Psicologia Analítica. Petrópolis: Vozes, 1981.
JUNG, Carl Gustav. Sincronicidade. Petrópolis: Vozes 2011
JUNG, Carl Gustav. Aion – Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
JUNG, Carl Gustav. A Prática da Psicoterapia: Vozes 2011
LEXICON, Herder. Dicionário de Símbolos. São Paulo: Círculo do Livro, 1991.
RAFFAELLI, Rafael. Imagem e self em Plotino e Jung: confluências. Estud. psicol. (Campinas), Campinas, v. 19, n. 1, Abr. 2002.
SINGER, June. Blake, Jung e o inconsciente coletivo – O conflito entre a razão e a imaginação. São Paulo: Madras Editora Ltda, 2004.
WHITMONT, Edward C. A Busca do Símbolo. 10. ed. São Paulo : Cultrix, 1994-1995.