Entre os conceitos apresentados por Viktor Frankl em A Vontade de Sentido (2016), a neurose dominical conceitua os efeitos do vazio existencial no cotidiano. Trata-se de uma angústia que emerge nos momentos de pausa, esta, que é comum especialmente aos domingos, quando cessam-se as obrigações externas e o sujeito se vê diante de si mesmo.
Durante os dias úteis, o trabalho, o estudo e as tarefas cotidianas criam uma rotina que ocupa o tempo e evita o confronto com perguntas fundamentais, além de munir o cotidiano de significados. O “domingo” rompe esse fluxo, pois, sem compromissos imediatos, surge um desconforto difícil de nomear. Essa sensação, observada por Frankl, é um reflexo do desinvestimento no âmbito noético da existência, onde a pessoa se relaciona com questões como liberdade, responsabilidade, autotranscedência e sentido.
A neurose dominical não é um diagnóstico formal, e sim uma resposta silenciosa que aparece quando o sujeito experimenta a ausência de sentido, em que a suspensão das demandas externas evidencia um esvaziamento interno, e assim não há o que fazer, e tampouco se sabe “por que” fazer o que quer que seja. Esse estado é muitas vezes encoberto por distrações digitais, consumo, ou compromissos sociais vazios de significado.
Entre jovens adultos, esse fenômeno trata-se de uma fase da vida em que há múltiplas exigências de escolha e posicionamento, um fase que se espera que decidam a carreira, que construam uma identidade, que formem vínculos, que sejam produtivos e independentes. Ao mesmo tempo, muitos não encontram espaços seguros para refletir sobre o que desejam de fato, sobre o que faz sentido, sobre o que os move.
A cobrança por desempenho, a comparação constante nas redes sociais, a angústia no lidar com as expectativas dos responsáveis e o medo de “fracassar cedo” geram um sentimento de inadequação que se amplia nos momentos de pausa. O “domingo”, então, não se torna apenas um dia sem atividades, mas sim um lembrete de que algo falta. A ausência de movimento externo deixa visível o movimento interno estagnado. Muitos jovens sentem-se cansados, mas não sabem do quê; sobrecarregados, mas sem direção.

O discurso contemporâneo estimula a ideia de liberdade como ausência de limites, mas Frankl propõe a liberdade como responsabilidade diante da própria existência. A neurose dominical aponta justamente para essa distância entre a liberdade vivida como mera escolha e a liberdade vivida como compromisso com um sentido. Sem esse compromisso, o tempo livre deixa de ser descanso e vira angústia.
A neurose dominical é um sintoma coletivo, especialmente entre jovens que transitam entre escolhas que não sentem como suas. O desconforto que emerge nesse dia pode ser um ponto de partida para a escuta mais honesta da própria existência, para o reconhecimento de que algo está faltando
A dimensão noética da vida não é ocupada automaticamente. Ela exige decisão, abertura, atitude. Quando negligenciada, o resultado se manifesta como apatia, tédio e estranhamento da própria vida. O “domingo” escancara isso porque retira as camadas de ocupação que servem de proteção. É no silêncio, na falta de tarefas, que o vazio emerge.
Frankl insiste que a busca por sentido é uma necessidade estrutural da existência humana, principalmente quando se há abertura para de perceber as possibilidades concretas de sentido no cotidiano. Essa percepção exige um outro tipo de atenção, para o que se deve fazer e para o que se está disposto a responder, com autenticidade, às situações da vida.
Referência:
FRANKL, Viktor Emil. A vontade de sentido: fundamentos e aplicações da logoterapia. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
Ficha Técnica
Título: A vontade de sentido: fundamentos e aplicações da logoterapia
Autor: Viktor Emil Frankl
Tradução: Dora Ferreira da Silva
Edição: 6ª edição
Ano de publicação: 2016
Local de publicação: Petrópolis, RJ
Editora: Vozes
Número de páginas: 152 p.