Para falar de Animus e Anima é importante demonstrar que o conceito denominado hoje de masculino e feminino é algo relacionado ao longo dos milênios. Sua relação nos primórdios são com associações às Deusas e Deuses, bem como tantas figuras, masculinas e femininas, formando assim modelos, nos quais Jung denominou “arquétipos”, que podem se manifestar de diversas formas (SANFORD, 1987).
O conceito de “archetypus” só se aplica indiretamente às représentations collectives, na medida em que designar apenas aqueles conteúdos psíquicos que ainda não foram submetidos a qualquer elaboração consciente […] o arquétipo representa essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta (JUNG, 2002, p.17).
O Animus e a Anima podem então ser manifestados através de diversas imagens arquetípicas. Jung, E. (2006, p.15) nos traz que:
Estas duas figuras uma é masculina, a outra feminina – foram denominadas de Animus e Anima por [Carl Gustav] Jung. Ele entende aí um complexo funcional que se comporta de forma compensatória em relação à personalidade externa, de certo modo uma personalidade interna que apresenta aquelas propriedades que faltam à personalidade externa, consciente e manifesta.
Há uma grande complexidade no entendimento dos conceitos de Animus e Anima, é preciso entender a forma que Jung nos mostra, porém, este tema não foi um conceito final, visto que muitas questões foram pontuadas desde os primórdios da Psicologia Analítica até aqui.
Embora este assunto possa ter parecido calmo e resolvido ao tempo de Jung, ele provoca hoje mais agitação do que em ninho de maribondo. A alguns contemporâneos parece que Jung foi um homem adiante do seu tempo, que previu e, com efeito, advogou um tipo de protofeminismo. Para outros, ele apresenta-se como um porta-vos de pontos de vista tradicionais estereotipados sobre as diferenças entre homens e mulheres. De fato, penso que ele foi um pouco de ambas as coisas (STEIN, 2006, p.116).
Mesmo Jung tendo descrito muito sobre esse assunto da Anima e do Animus, não há uma afirmação definitiva, sendo que de tempos em tempos ele apresentava sempre novas definições que complementavam aspectos diferentes dessas realidades, porém reafirma que a Anima é a personificação do elemento feminino na psique masculina enquanto que o Animus é a personificação do elemento masculino na psique feminina. Como todos os arquétipos, a Anima e o Animus tem formas de se manifestar, sendo positivas e negativas, podendo ser atraentes ou destruidores sendo comparados aos deuses e deusas que poderiam agir em prol da humanidade ou voltar-se contra ela (SANFORD, 1987).
A usual definição sintética diz que a anima é o feminino interno para um homem e o animus o masculino interno para uma mulher. Mas também se pode falar simplesmente delas como estruturas funcionais que servem um propósito específico na relação com o ego. Como estrutura psíquica, anima/us é o instrumento pelo qual homens e mulheres penetram nas partes mais profundas de suas naturezas psicológicas e se adaptam a elas. Assim como a persona está voltada para o mundo social e colabora com as necessárias adaptações externas, também a anima/us está voltada para o mundo interior da psique e ajuda uma pessoa a adaptar-se às exigências e necessidades dos pensamentos intuitivos, sentimentos, imagens e emoções com que o ego se defronta (STEIN, 2006, p. 120).
Entende-se então que quando há um domínio da anima no homem, este tende a se refugiar em sentimentos de mágoa e resignação, pois quando não está bem desenvolvida o afunda em um humor opressivo, enquanto que as mulheres sob domínio do animus tendem a trazer uma grande carga emocional nos seus pensamentos e opiniões que a controlam (SANFORD, 1987).
A Psicologia Analítica de Jung, muito aprofunda-se também nos conceitos da alquimia, pois, os processo alquímicos podem ser interpretados sob o prisma psicológico, e muito dizem sobre os conteúdos e mecanismos inconscientes.
Considerava-se a opus alquímica como um processo iniciado pela natureza, mas que exigia a arte e o esforço conscientes de um ser humano para ser completada […] A opus é, num certo sentido, contrária à Natureza, mas, em outro o alquimista auxilia esta última a fazer aquilo que ela não pode fazer por si mesma. (EDINGER, 2006, p. 28)
Sendo assim a relação Animus e Anima é muito abordado através do conceito alquímico da coniunctio (conjunção) como união dos opostos, sendo este o ponto máximo da opus. Portanto, a união dos opostos que foram separados de forma imperfeita, ou seja, não foram completamente separadas, caracterizando então a coniunctio inferior, essa fase é seguida pela morte, através do conceito de mortificatio.
Enquanto que a coniunctio superior está voltada para o conceito de “pedra filosofal” alquímica, que é o alvo da opus, a suprema realização, resultante da união final dos opostos mas aqui, são opostos purificados e que combinados mitigam (suavizam) e retificam (harmonizam) a unilateralidade. Quando o ego se identifica com conteúdos inconscientes ele pode ficar exposto a identificações sucetivas com a Sombra, o Animus e Anima e o Si-mesmo. (EDINGER, 2006).
O casamento e/ou intercurso sexual entre Sol e a Luna ou outras personificações dos opostos. Essa imagem, nos sonhos, refere-se à coniunctio, superior ou inferior, dependendo do contexto (EDINGER, 2006). Sendo assim vemos o sol e a lua como arquétipos que se referenciam ao Animus (Sol) e Anima (Lua), sendo relacionados também ao simbolo do Yin Yang descrito no I. Ching, identificando que a figura possui dois lados, porém ambos os lados carregam com si uma parte do outro, pois ambos se complementam.
Jung (1931) fala sobre essa dinâmica em um de seus seminários, intitulado “Seminário sobre visões”, posteriormente dividido em doze partes (livros). Na parte cinco, Jung demonstra uma imagem alquímica na qual há uma mulher com uma árvore que cresce em sua cabeça, enquanto que há uma águia em cima da cabeça dessa mulher e pássaros ao seu redor, nessa figura há também o Sol do lado esquerdo e a Lua em seu lado direito.
No lado esquerdo da imagem da mulher está o símbolo do sol, no lado direito a lua referindo-se à união de masculino e feminino (na realidade, àquele processo alquímico) e o texto correspondente diz que à esquerda os pássaros do sol estão morrendo a morte branca e à direita os pássaros da lua estão morrendo a morte preta (JUNG, 1931/1964, p. 25).
A coniunctio alquímica pode apresentar duas diferentes naturezas, como por exemplo, se (a) o sonhador(a) encontra em seu sonho uma atração ou inimizade entre duas figuras, se trata de pelo menos um eco da coniunctio e quando há uma familiarização com essa imagética há uma maior facilidade em perceber um material inconsciente que até então era completamente invisível (EDINGER, 1995).
Com isso entende-se que o estudo dos processos alquímicos se mostra muito relevante para o psicoterapeuta junguiano, ao passo que a compreensão dos movimentos que ocorrem na psique presentes na alquimia, carregam consigo saberes e símbolos antigos, que se mostram em sua maioria, universais, portanto, fazem parte do inconsciente coletivo. A manifestação de Animus e Anima, será diferente em cada indivíduo, mas o entendimento dos arquétipos e dos processos de mudança, presentes na alquimia, nos facilitam essa observação, de forma a nos familiarizar com os mesmos.
Referências:
EDINGER, Edward F. Anatomia da psique. Editora Cultrix, 2006.
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo (Coleção Obras completas de CG Jung, Vol. 9, ML Appy & DMRF Silva, trads.). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1976), 2002.
JUNG, Emma. Animus e Anima/5º reimpressão da 1º edição de 1991–São Paulo. 2006.
The Mysterium Lectures. A Journey through C.G. Jung’s Mysterium Coniunctionis, Toronto: Inner City Books, 1995.
SANFORD, John A.. Os Parceiros Invisíveis. São Paulo: Paulus, 1987. 171 p. Tradução I.F. Leal Ferreira.
“SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES” “The Visions Seminars”. Carl Gustav Jung Parte V. Seminários entre 11 de novembro e 16 de dezembro de 1931. SPRING 1964.
STEIN, Murray. O mapa da alma. 2006.