Já pensou ter um filho que não chora e que você só precisa limpar a fralda quando bem quer? Ter um namorado/namorada que não discute a relação com você, mas pode realizar todas as suas fantasias sexuais? Graças à fabricação de bonecas hiperrealistas, isso tem se tornado um desejo possível, mas muito além de uma mera satisfação, existem fenômenos relacionais que permeiam o tema.
Bonecas hiper-realistas são objetos customizados por artistas ou empresas, que se parecem o máximo possível com pessoas reais; entre a febre do mercado temos os bebês reborns que costumam ser feito artesanalmente de forma minuciosa, onde se adicionam atributos físicos como cabelos, cor dos olhos, cílios e unhas, de acordo com gostos e critérios do cliente. O público majoritário que adquire esses produtos costuma serem crianças. Quanto a isso Barry Kaufman, PhD em psicologia cognitiva pela Universidade de Yale, acredita que: brincadeiras de “faz de conta” melhoram a comunicação, criatividade e empatia, além de serem fundamentais para o desenvolvimento do senso de responsabilidade das crianças. Podendo essas bonecas ser um importante instrumento no desenvolvimento infantil.
Era apenas brincadeira de criança até os adultos começarem a optar por reborns em vez de bebês reais. No documentário MOV.doc “Pais de bebê reborn: a rotina de quem formou uma família com bonecas realistas“, podemos ver detalhadamente o dia a dia de quem faz essa escolha, formando famílias com as bonecas inanimadas.
Outra realidade que vemos crescer, no ramo de bonecas hiper-realistas, são as bonecas sexuais, usadas para satisfazer desejos e fantasias, por muitas vezes suprindo a solidão de quem não tem uma companheira. Colocando em destaque uma situação problemática sobre a distorção da realidade e o ideal da mulher perfeita, sendo responsável pelo fortalecimento de padrões inalcançáveis e a objetificação do corpo feminino.
O que motiva as pessoas a buscarem por relações com bonecas ao invés de cultivar relações com pessoas reais? O Sociólogo Zygmunt Bauman nos traz a ideia de modernidade líquida, onde o desejo parte do acúmulo de bens em quantidade, sendo assim algo superficial, que acompanha a moda e o pensamento da época. A ciência, a técnica, a educação, a saúde, as relações humanas, tudo que foi criado pelo ser humano, são submetidos à lógica capitalista de consumo. Vemos cada vez mais a indústria investindo recursos para esses objetos, legitimando as idealizações criadas pelos seus clientes, ao mesmo tempo incentivando um mecanismo desejoso de consumo, fortalecendo o imperativo da modernidade líquida; prazer a qualquer custo.
Freud diz que “o princípio do prazer é caracterizado pela procura do mesmo, ao mesmo tempo em que se evita a dor, sofrimento ou tensão”. Se relacionar com uma boneca, seja criando uma família ou seja de forma sexual, nos permite o distanciamento dessa realidade, não precisamos lidar com emoções, sejam elas positivas ou negativas, apenas com o prazer em sua forma pura ou fetichista, onde imperam fantasias e ideias do id. Freud (1920 p.20) também nos alerta que: ‘’O princípio de prazer é próprio de um método primário de funcionamento por parte do aparelho mental, mas que, do ponto de vista da autopreservação do organismo entre as dificuldades do mundo externo, ele é, desde o início, ineficaz e até mesmo altamente perigoso‘’. Ou seja, estar preso em um mundo idealizado onde tudo parece perfeito, pode em um primeiro momento te afastar dos problemas, mas logo acaba por evidenciar dificuldades em lidar com eles, mantendo um despreparo da vivência real e o reforçamento de comportamentos delirantes ou infantis.
Faz-se necessário a busca pelo princípio da realidade o qual Laplanche e Pontalis (1988) “consideram-no como um princípio regulador, já que ele modifica o princípio do prazer no que diz respeito aos caminhos percorridos para se atingir a satisfação”. É a busca de um equilíbrio para que o sujeito não se distancie ou distorça a realidade, gerando assim um sofrimento psíquico, de difícil reconhecimento pelo mesmo, esse princípio ainda permite o enfrentamento de frustrações e questões internalizadas. Cabe ao texto reflexões de até que ponto o relacionamento com essas bonecas faz com que seus usuários se distanciam das emoções, tanto as suas como a do outro, fortalecendo o conceito de amor líquido, onde se destaca a fragilidade dos laços humanos. Enxergando por uma ótica positiva, algumas dessas bonecas podem ser de grande representação ao que engloba a elaboração do luto ou as questões relacionadas à solidão ,podendo se tornar um mecanismo benéfico se usado de maneira adequada.
Referências
Modernidade liquida – Francisco Porfirio
Princípio do prazer versus princípio da realidade em contos infantis.
Estud. psicanalista. [online]. 2015, n.43, pp. 139-144. ISSN 0100-3437.-