Estudos revelam que alguns estudantes apresentam grandes sofrimentos psíquicos durante a graduação.
Cada vez mais as demandas e as exigências da vida universitária têm contribuído para um desgaste físico e psicológico dos estudantes. Considerando que o ambiente acadêmico tem se tornando um fator estressor, e que o mercado de trabalho cobra mais e mais qualificações, o universitário tem se entregado arduamente a longas jornadas de estudos com intuito de suprir essas expectativas do mercado de trabalho.
O período da vida acadêmica é marcado por grandes desafios como: estabelecimento de novas relações, ajustamento de novos modelos de aprendizagem, entre outros; fatores estes, que podem ser percebidos como perturbadores, independente do nível em que o aluno se encontre no andamento do curso (BRANDTNER; BARDAGI, 2009). Estudos realizados por Andrade et al. (2016) revelaram que alguns estudantes apresentam grandes sofrimentos psíquicos durante a graduação, além do uso de álcool e outras drogas. Verificou-se ainda, altos índices de depressão, estresse, absenteísmo laboral, assim como alguns quadros de doenças psíquicas.
Castro (2017) ressalta que uma das principais dificuldades que os estudantes enfrentam é a falta de suporte dentro das universidades. Lembrando que o ambiente universitário tem como objetivo, além da prática do saber, ser fonte de bem-estar e autodesenvolvimento. Com isso, é preciso que dentro das suas possibilidades as instituições de ensino superior viabilizem isso aos seus estudantes.
Silva e Costa (2017) destacam que estudantes do ensino superior têm mais chances de cometer suicídio, e que pessoas do sexo feminino apresentaram maiores taxas de sofrimento psíquico. Diante disso, o sofrimento psíquico durante a graduação não pode ser analisado de forma generalista, mas deve-se considerar as variáveis presentes dentro desse contexto, como sexo, condições econômicas, raça e credo.
Portanto, projetos com esse público justificam-se por serem ferramentas importantes de promoção à saúde mental dos universitários. Silveira et al. (2011) destacam que é principalmente durante a vida adulta e durante no período universitário que podem surgir maiores perturbações mental. Diante disso, intervenções que viabilize maiores interações sociais entre os universitários e ações em prol da promoção e prevenção em saúde mental se tornam de muita importância.
Diante desse quadro, em que aspectos a vida acadêmica pode prejudicar a saúde mental dos acadêmicos? Levantaremos neste texto alguns desses aspectos de forma mais aprofundada, são eles: a ansiedade associada à formação superior e a constante demanda por habilidades sociais.
Ansiedade e comorbidades
De acordo com o relatório global da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em 2017, o Brasil é o país mais ansioso da América Latina. Conforme os dados, cerca de 18 milhões de brasileiros sofrem algum distúrbio relacionado à ansiedade (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2017). A ansiedade pode ser definida como um sentimento repulsivo de medo e angústia, caracterizado por tensão ou inquietação proveniente de antecipação de perigo, de algo desconhecido ou estranho, passando a ser considerado patológico quando é desproporcional em relação a sua causa ou estímulo, calhando a interferir na qualidade de vida, conforto emocional ou o desempenho diário (CASTILLO et al., 2000).
Um estudo realizado com 200 universitários iniciantes e finalistas em uma universidade privada brasileira, apontou que cerca de 20% dos estudantes que participaram do estudo poderiam ser diagnosticados com alguma patologia ansiosa. Além da ansiedade, revisões na literatura relacionada ao âmbito universitário indicam que até 29% dos estudantes podem apresentar algum tipo de transtorno mental ao longo de sua vida acadêmica (BRANDTNER; BARDAGI, 2009).
Entre os possíveis prejuízos causados pelas patologias ansiosas podem ser listados: déficits no desempenho acadêmico, menor comprometimento com a educação; dificuldades em relacionamentos interpessoais e obtenção de habilidades. O mesmo estudo também indica alta correlação entre ansiedade e a depressão, indicando a possibilidade de comorbidade entre os transtornos (BRANDTNER; BARDAGI, 2009). Desse modo, o panorama sugere um alto índice de acadêmicos que podem estar não apenas com uma diminuição no aproveitamento acadêmico, como em um estado de sofrimento mental significativo.
Em alunos das áreas da saúde a incidência pode ser ainda maior. Em um estudo realizado com 308 estudantes de enfermagem de uma universidade em São Paulo, 70% dos acadêmicos apresentaram algum nível de ansiedade, entre leve, moderada e grave (MARCHI et al., 2013). Outro estudo realizado com 481 estudantes de Medicina em uma faculdade particular no estado de São Paulo, indicou que todos os participantes apresentam algum estado de ansiedade entre moderada (79,9%) e alta (20,1%) (BALDASSIN; MARTINS; DE ANDRADE, 2006).
Os impactos da ansiedade também podem atingir outros âmbitos da vida dos universitários. Em um estudo realizado com universitários de uma instituição privada no estado de São Paulo, os resultados apontaram correlação estatística expressiva entre traços de ansiedade e pior qualidade de sono, de forma diretamente proporcional, provocando possíveis alterações no rendimento acadêmico (DE ALMONDES; DE ARAÚJO, 2003).
Desse modo, a partir dos dados apresentados pelos estudos, a vida acadêmica em instituições de ensino superior pode ser considerada um fator de risco para o desenvolvimento da ansiedade como traço, bem como pode contribuir para a evolução desses quadros para transtornos de ansiedade. Os impactos dos acometimentos causados pela ansiedade podem provocar perdas não só na saúde mental, mas também déficits nas funções biológicas e sociais, pelo prejuízo nas relações.
Desenvolvimento de Habilidades Sociais
Habilidades Sociais podem ser definidas como os comportamentos apresentados pelos sujeitos quando há requisições em circunstâncias de interação pessoal (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1999). A demanda por um bom desempenho nessas situações perpassa diferentes aspectos da vida dos sujeitos, envolvendo diferentes grupos. Entre esses grupos estão os universitários, que por estarem em um processo de formação para o mercado profissional podem apresentar grande necessidade de desenvolver um bom repertório de Habilidades Sociais, sendo seu déficit, um fator de risco para a qualidade de vida, prejuízos acadêmicos e nas relações com pares (BOLSONI-SILVA et al., 2010; BANDEIRA; QUAGLIA, 2005).
Em um estudo realizado com estudantes universitários de áreas das Ciências Humanas e Exatas, a fim de identificar situações sociais significativas, os resultados indicaram que o maior número de situações desagradáveis identificadas, foram as relacionadas a necessidade de expressar contrariedade, descontentamento e requisitar alterações do comportamento (BANDEIRA; QUAGLIA, 2005). A habilidade para a comunicação da insatisfação é constantemente solicitada no âmbito acadêmico, visto que as interações que exigem trabalhos colaborativos são altas. Desse modo, o desenvolvimento dessas habilidades pode facilitar o desempenho acadêmico.
A prevalência das dificuldades relacionadas às Habilidades Sociais parece ser maior nos anos iniciais do curso, e a passagem de um ano para outro com esse déficit pode ser um fator de risco para a evasão universitária e desenvolvimento de transtornos mentais como a ansiedade, fobia social e até depressão, caso propostas interventivas não sejam executadas (BOLSONI-SILVA et al., 2010).
Programas de treinamento de habilidades sociais têm demonstrado sua efetividade em diversos estudos. Entre os benefícios encontrados nas pesquisas com grupos de treinamento estão a diminuição dos sintomas de ansiedade social, melhoras na comunicação verbal e não-verbal (PUREZA, 2012); bem como melhor percepção do ambiente social, no automonitoramento de momentos que exigem ajustamento criativo e autocontrole, assim como melhor desempenho na habilidade de troca de feedback.
REFERÊNCIAS:
ANDRADE, Antonio dos Santos et al. Vivências Acadêmicas e Sofrimento Psíquico de Estudantes de Psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, [s.l.], v. 36, n. 4, p.831-846, dez. 2016. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703004142015.
BALDASSIN, Sergio; MARTINS, Lourdes Conceição; DE ANDRADE, Arthur Guerra. Traços de ansiedade entre estudantes de medicina. Arquivos médicos do ABC, v. 31, n. 1, 2006. Disponível em: <https://nepas.emnuvens.com.br/amabc/article/view/232/228>. Acesso em 05 jun. 2019.
BANDEIRA, Marina; QUAGLIA, Maria Amélia Césari. Habilidades sociais de estudantes universitários: identificação de situações sociais significativas. Interação em Psicologia, v. 9, n. 1, 2005. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/psicologia/article/view/3285/2629>. Acesso em 05 jun. 2019.
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BOLSONI-SILVA, Alessandra Turini et al. Caracterização das habilidades sociais de universitários. Contextos Clínicos, p. 62-75, 2010. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/134450/ISSN1983-3482-2010-03-01-62-75.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 05 jun. 2019.
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CASTRO, Vinícius Rennó. Reflexões sobre a saúde mental do estudante universitário: estudo empírico com estudantes de uma instituição pública de ensino superior. Revista Gestão em Foco, [s.i], p.380-401, jan. 2017.
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