Setembro Amarelo: Crescer precisa doer?

Dentre as várias experiências que tive na faculdade, uma das mais ricas foi quando tive oportunidade de fazer uma intervenção com um grupo de jovens entre 14 e 17 anos, através deles, todo o conhecimento que havia absorvido a cerca de desenvolvimento humano pôde ser comprovada ali frente aqueles adolescentes contando suas vivências. Seus relatos me aproximaram de tudo que exaustivamente havia estudo, para ter sucesso em minha empreitada.

Pois bem, foram oito encontros de muita emoção, conhecimento, integração, união, diversão e entretenimento.  Foi neste clima de aprender que me dei conta que este universo de adolescer é complexo e difícil de lidar para quem o vive, e que gostaria de levar ao conhecimento do leitor o que se passa no mundo psíquico desses jovens.

Minhas percepções diante da experiência e minha análise diante dos relatos me dão conta de que a adolescência é marcada por uma fase de muitas transformações, tanto físicas, quanto psicológicas. O corpo sofre um processo muito grande de transformações, e em um ritmo acelerado.

As incertezas, dúvidas, as mudanças físicas e emocionais, se tornam problemas grandes demais para serem assimilados. É um processo de preparação de quem ainda há pouco era criança, e se vêm como quase adultos, num piscar de olhos. Estas transformações na mente e no corpo causam grandes instabilidades.

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Com estas mudanças pungentes e ao mesmo tempo conflitantes, os adolescentes podem se sentir pressionados a definir suas identidades sem ainda estar preparados, o que pode causar ansiedade, depressão, e o uso de drogas para entorpecer os sentimentos.

De acordo com o apontado na pesquisa de Grolli, Wagner, Dalbosco (2017), durante este processo de busca pela identidade, tornam-se frequente conflitos e desentendimentos familiares, podendo ser um momento de bastante dificuldade para o adolescente.

Salientar que é necessário que se tenha uma atenção diferenciada, a estes grupos, seria desnecessário, pois, ao deixar a infância os jovens se deparam com uma série de situações de difícil entendimento.

Ao entrar na puberdade as mudanças se apresentam, assim como uma pressa nas formas de fazer, de demonstrar conteúdos e capacidades, um novo despertar para o pensar e o agir.

Tudo ao redor é difícil de compreender, algumas decisões e vontades das outras pessoas não fazem sentido, não conseguem enxergar com clareza que profissão seguir, de quem gostar ou de como gostar desse alguém. Sentem também dificuldades na compreensão dos conflitos enfrentados pelos outros. Nem sempre a família se apresenta como um ponto de apoio; os pais sempre sobrecarregados, não se dão conta dos conflitos que os filhos estão enfrentando.

Sobre esta aparente indiferença dos pais e da sociedade, Foucault (1967) afirma que, “Em uma sociedade frequentemente surda, cega e muda, voltada para a ótica do ter, sob o manto da liquidez, a família se apresenta como uma política em dificuldade” (FOUCAULT, 1967, n.p).

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É nesta fase que podem surgir problemas tais como, a depressão, o uso de drogas ilícitas e ideações suicidas.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) conferiu à depressão o quarto lugar entre as vinte doenças de maior AVAD (anos de vida perdidos por morte prematura e “incapacidade”) e a projeção é de que ela alcance o segundo lugar nos próximos 20 anos (Zavachi e cols., 2002).

Ainda segundo a OMS, (World Health Organization [WHO], 2001), quase metade de todas as mortes violentas são em decorrência do suicídio, traduzindo-se em quase 1 milhão de vítimas ao ano, e entre 10 a 20 milhões de pessoas tentam suicídio por ano. As estimativas realizadas apontam que, em 2020, as vítimas poderiam ascender a 1,53 milhões, e de 10 a 20 vezes mais pessoas realizarão intento suicida (Baptista, 2004; Psic, 2011; L. D. de M. Souza et al., 2010).

Percebi ao estar em contato com aqueles jovens, e através de seus relatos, o quanto é tênue seus sentimentos, que bailam entre as incertezas de estarem bem, e a vontade de desistir, por não se sentirem com capacidade bastante de enfrentamento.

Desde aquela experiência que minha bandeira é astiada no sentido de que temos enquanto sociedade, pais e educadores achar a ponta desse iceberg, precisamos com urgência desenvolver nossos sensos críticos, termos um aprofundamento dessas estruturas e despertar nos jovens suas capacidades, a fim de favorecer reflexões, afastar a solidão, leva-los a ter outras visões sobre a interação social, e a aquisição de repertórios sociais e que é de suma importância neste estágio da vida.

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Conforme Campos, Del Prette, Del Prette, “Apresentar bom repertório de habilidades sociais facilita o enfrentamento de eventos estressantes que, de maneira geral, funcionam como gatilhos para o desenvolvimento de transtornos depressivos. (CAMPOS, DEL PRETTE, DEL PRETTE, 2014).

Sabemos de inúmeras receitas e soluções, não tem dado certo, como ajudar, quem pode ajudar efetivamente, onde temos falhado?

Existem serviços públicos suficientes para atender essas demandas, são de fácil acesso, temos profissionais capacitados para atender, entender, e intervir antes que o processo se dê?

Os profissionais que a cada seis meses invadem os mercados de trabalho estão prontos para de fato acolherem e dar significado a todas as particularidades desses sintomas?  Vamos nos conscientizar que precisamos de ferramentas eficazes para prevenir um mal tão alarmante e que causa tanta dor.

Sim, porque uma coisa é se falar de setembro amarelo, outra e entender na íntegra o que o movimento propõe de fato. A conscientização sempre será uma ótima aliada, mas diante de dados tão exorbitantes, necessitamos ampliar as redes de apoio, precisamos de um trabalho de mãos dadas.

Enquanto escola, família, sociedade temos que procurar soluções. Não podemos minimizar o sofrimento, jogar para debaixo do tapete, é necessário procurar ajuda, precisamos nos envolver, sair de nossa plácida e cega visão de que o sofrimento do outro é menor. Não vamos chorar pelo leite derramado, vamos levantar das nossas poltronas macias, desligar nossos celulares e prestar atenção nos pedidos de socorro. Basta de banalizar as relações, vamos dar as mãos em prol de uma luta que é nossa. O jovem de hoje é nossa esperança para um futuro melhor, vamos cuidar deles com carinho e atenção que merecem.

Vamos decorar a máxima de Delores:

Aprender a ser; Aprender a conhecer; Aprender a conviver; Aprender a fazer. Jacques Delors (1998).

Afinal, crescer não precisa doer.