No século XIX, Durkheim (1897) apresentava dados e argumentos relevantes e surpreendentes, para a época, em seu livro “O Suicídio” que ainda hoje são referenciais no estudo deste fenômeno. Considerado o pai da sociologia, Emile Durkheim aponta o suicídio como um fenômeno multifatorial, mas que sofre grande influência dos aspectos sociais. Ao levantar os índices de suicídio ocorridos em sua época, o referido sociólogo francês observou padrões que se alternavam ao longo do tempo.
Ele notou a influência das mudanças de períodos de tempo determinados por fatores de ordem social sobre os dados apreendidos. Logo, o autor aponta o nível de integração grupal como variante fundamental sobre o ato suicidar, ainda que este comportamento se apresente tão individual, Durkheim ressalta seu caráter social, bem como a influência das relações interpessoais sobre a ideia ou atitude de tirar a própria vida.
Sempre atual e silenciado o máximo possível como tentativa de repressão e não estímulo a sua ideação, o suicídio tem se tornado assunto recorrente entre as massas a partir das mídias sociais, e produções artísticas e informativas como livros, filmes e seriados. E, mesmo tendo passado pela prova dos séculos, a obra de Durkheim não só é lembrada, como também confirmada por diversas pesquisas realizadas recentemente sobre o tema. A exemplo das obras “Amor & Sobrevivência” de Dean Ornish, M.D. e “Viver é a melhor opção” de André Trigueiro.
Ao enfatizar em sua obra os aspectos preventivos ao suicídio apontando estratégia de valorização da vida, Trigueiro (2015), a partir de Durkheim (1897), anteriormente citado, aponta o caráter multidimensional do fenômeno, não deixando de apontar a importância das relações sociais sobre as diferentes reações dos indivíduos em contextos de estresse e abalos emocionais. O autor faz menção ao histórico familiar e à religiosidade, considerando os aspectos de transcendência, fé, esperança e perseverança, independente da crença ou cultura, sobre o enfrentamento de situações adversas. Aponta-se então, maior probabilidade de valorização à vida entre as pessoas que creem em alguma forma de divindade e/ou que contam com uma rede de apoio como amigos e familiares do que entre aqueles que são céticos ou solitários.
Bases científicas para o poder curativo da intimidade são apresentados por Dean Ornish (1999) através da menção de diversos estudos realizados em diferentes locais que confirmam a influência positiva das relações afetivas sobre a saúde integrada e o bem estar dos indivíduos. Em muitas das pesquisas relatadas, o grupo que contava com apoio emocional, social e familiar, psicoterapia e/ou bons relacionamentos com os pais e companheiros amorosos apresentavam melhores condições de saúde física e mental, em detrimento do grupo de comparação, ainda que compartilhassem dos mesmos comportamentos de risco à saúde, e em alguns casos o grupo que apresentava comportamentos de risco, mas tinha rede de apoio obteve melhores resultados que o grupo de hábitos saudáveis, mas não contava com rede apoio.
Dean Ornish (1999) trata em sua obra não somente do poder preventivo, como também do poder curativo da intimidade. Ao referir-se à intimidade ele indica as relações de confiança entre as pessoas, seja de natureza “romântica”, de amizade ou ainda os bons relacionamentos de parentalidade. Estas relações apontam os aspectos de saúde, qualidade de vida e bem estar, inclusive na luta contra males extremos como o câncer, patologias cardíacas e a depressão. Logo, infere-se a grande influência dos vínculos, da afetividade e da interação social frente à saúde integrada e à valorização da vida.
Existem algumas regularidades observadas no perfil dos suicidas, como mostra algumas pesquisas realizadas por Durkheim. De acordo com o que suas pesquisas apontam, o contexto social dos indivíduos em questão está relacionado com o os fatores motivadores do suicídio. Por exemplo; Mulheres sem filhos, soldados, homens solteiros, adolescentes sem pais, considerando sempre o oposto para a comparação, observou-se que os padrões das relações interpessoais mais comuns a estes grupos, podem contribuir para o surgimento de transtornos psicológicos, os quais normalmente não recebem a devida atenção, consequentemente se agravando com o passar dos anos, o que pode levar tais indivíduos a um comprometimento de sua saúde física com o surgimento de outros agravos, como, doenças cardíacas, ulcera e entre elas a depressão grave.
O Jornalista André trigueiro, em seu livro Viver é a melhor opção, relata o fato de que a humanidade atingiu um nível de desenvolvimento tecnológico inédito, o que proporcionou à humanidade inúmeras melhorias na medicina, comunicação, entretenimento, conforto e etc. Porém estas melhorias não foram capazes de diminuir os casos de suicídio em proporção a outros períodos da história, pelo contrário. A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta, em várias publicações, que o número de suicídios tem aumentado nas últimas décadas. Nos últimos 40 anos, as ocorrências de suicídio aumentaram significativamente em todos os países, envolvendo todas as faixas etárias e, também, vários contextos socioeconômicos. Pode-se dizer que o suicídio está entre as dez principais causas de morte. A OMS registra suicídios a partir dos cinco anos de idade e isso é altamente impactante, já que pensar que uma criança de cinco anos de idade, que está em processo de desenvolvimento cognitivo e emocional possa decidir buscar uma alternativa para o seu sofrimento, tirando a própria vida. Assim, é preciso dar atenção especial a esse problema. Nesses casos os perfis de pessoas que com maiores frequências cometem o suicídio são bem característicos, o que é preciso de fato estudar a fundo o individuo e o meio social em que vive.
A suiciodologia é a área da ciência que se propõe a estudar o fenômeno do suicídio. Trata-se de um estudo que utiliza o conhecimento de diversas áreas da ciência, como a psicologia, psiquiatria, sociologia, antropologia, história, entre outras, pois considera impossível compreender os motivos que levam um individuo a atentar contra a própria vida, considerando apenas superficialmente as circunstâncias em que o ato foi cometido. Exemplo; é comum atribuir os motivos que levaram um indivíduo a se suicidar a aspectos superficiais de sua vida pessoal, como o término de um relacionamento, problemas financeiros ou sexuais, entre outros. No entanto, o contexto pessoal do indivíduo é muito mais complexo do que aparenta ser. O investigador desse contexto é denominado, suicidólogo, que por meios de uma analise aprofundada da vida pessoal do individuo, desde sua historia a relações familiares, consegue identificar alguns fatores que motivaram o ato.
Emile Durkheim ainda em seu livro “Suicídio” menciona alguns perfis de suicídios relacionados com distúrbios mentais, como por exemplo; O suicídio maníaco, em que o indivíduo se mata para se livrar de possíveis perigos imaginários acarretados por seu estado psicológico extremamente volátil, em que altera o rapidamente o estado de consciência, podendo ser desencadeadas por motivos banais. O suicídio melancólico ao contrário do maníaco possui ideias suicidas recorrentes. É relacionado ao quadro depressivo do indivíduo, que não consegue enxergar motivos para continuar vivendo e considera constantemente a possibilidade de tirar a própria vida. Segundo Durkheim esses tipos de suicídios são Vesânicos, porém existem inúmeros perfis de suicidas que não se incluem nos grupos descritos acima.
Através de dados estatísticos, Durkheim analisou as taxas de suicídios em um período de tempo, tais informações foram cruzadas com variáveis como idade, sexo, religião e estado civil. Após analisar esses dados ele definiu o suicídio em três tipos; o Suicídio Egoísta (há uma individualização desmesurada, onde o individuo se coloca a cima do social, fazendo com que as relações sociais não seja um motivo, fazendo com que o individuo não veja mais sentido pela a vida), Altruísta (é aquele no qual o indivíduo sente-se no dever de fazê-lo para se desembaraçar de uma vida insuportável. É aquele em que o ego não o pertence, confunde-se com outra coisa que se situa fora de si mesmo) e o Anônimo (Quando ocorre um caos, ou que a realidade social saia dos padrões, podemos citar uma crise econômica. Esse tipo de suicídio ocorre em países mais desenvolvidos socioeconomicamente).
Durkheim fora então o primeiro Sociólogo a dialogar/pesquisar causas do suicídio, e explicar detalhadamente cada perfil, concluindo que em síntese a decisão de se matar, está relacionada ao contexto social do individuo, o que amplia a dimensão deste assunto para além da esfera da Saúde Pública.
Nota: Texto elaborado como parte das atividades da disciplina de Antropologia do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, sob supervisão do prof. Sonielson Sousa.
REFERÊNCIAS:
MENDES, André Trigueiro. Viver é a melhor opção. 3. ed. São Bernardo do Campo, SP: Correio Fraterno, 2017. 190 p., il.
ORNISH, Dean. Amor & sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 263 p., il.
DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 513 p., il.