Violência Doméstica contra a Mulher

Conforme Stela Cavalcanti (2005), a violência doméstica é um dos mais graves problemas a serem enfrentados pela sociedade contemporânea. É uma forma de violência que não obedece a fronteiras, princípios ou leis. Ocorre diariamente no Brasil e em outros países mesmo existindo vários mecanismos constitucionais de proteção aos direitos humanos. De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Segundo Saffioti (2004) a violência se caracteriza pela “ruptura de qualquer forma de integridade da vítima: integridade física, integridade psíquica, integridade sexual, integridade moral.” (p. 17).

REFERENCIAL TEÓRICO 

Entende-se que a violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica,  quer a que tenha ocorrido na esfera privada – dentro da família ou unidade doméstica 2 ou em qualquer outra relação interpessoal em que o agressor conviva ou tenha convivido  no mesmo domicílio que a mulher vitimizada, estando ligados por laços de consanguinidade ou de convivência, quer a que tenha ocorrido na esfera pública, compreendendo,  entre outros, os maus tratos, a violação, o abuso sexual. (GUERRA et al., 2016)

Vítimas e agressores são provenientes de qualquer estrato socioeconómico – a VD/VC  é transversal aos diferentes padrões culturais, religiosos, econômicos, profissionais etc.  Algo diferente é a constatação comum a diferentes estudos e estatísticas de que ela  ocorrerá mais frequentemente nos estratos socioeconómicos mais desfavorecidos – o  que pode ser um efeito de fatores culturais educacionais mais fortemente legitimadores da violência presentes nestes estratos socioculturais ou, simplesmente, um efeito da maior visibilidade que vítimas e agressores destes estratos têm, dado que, por falta  de alternativas económicas e sociais, tenderão a recorrer mais às instâncias públicas de  apoio a vítimas, às instâncias oficiais de controlo social e a escapar menos à vigilância  das instâncias de regulação judicial e apoio social. (GUERRA et al., 2016)

A lei Maria da Penha (2006) cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, ressaltando a responsabilidade da família, da sociedade e do poder público para que todas as mulheres tenham o exercício pleno dos seus direitos; configurando os espaços em que as agressões são qualificadas como violência doméstica, traz as definições de todas as formas de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral); tem-se a questão da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, com destaque para as medidas integradas de prevenção, atendimento pela autoridade policial e assistência social às vítimas; trata da assistência jurídica, atuação do Ministério Público e se dedica às medidas protetivas de urgência; prevê a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, podendo estes contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar e determina que a instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher pode ser integrada a outros equipamentos em âmbito nacional, estadual e municipal.

A violência doméstica é a forma mais frequente de violência sofrida pelas mulheres. São atos e comportamentos dirigidos contra a mulher que correspondem a agressões físicas ou sua ameaça, a maus tratos psicológicos e emocionais, a intimidação e a coação, a abusos ou assédios sexuais, ao desrespeito dos seus direitos na esfera da vida reprodutiva ou da cidadania social. (GUERRA et al., 2020)

Interferir nas situações de VD/VC; combater ativamente estas práticas; denunciar casos  de que se tenha conhecimento; lutar por uma sociedade de igualdade e sem violência;  educar as crianças e os adultos para a não violência, para a igualdade de géneros e para  igualdade de direitos; exercer e estimular o exercício da cidadania ativa, são obrigações  sociais e, por vezes, legais de todos os cidadãos e, por maioria de razões, dos profissionais  que contactam com vítimas e/ou agressores. (GUERRA et al., 2016)

Uma das grandes inovações trazidas pela Lei nº 11.340/2006 foram as medidas protetivas de urgência a favor da vítima e que obrigam o agressor, além de dispor sobre prevenção e educação para evitar a reprodução social da violência de gênero. Essas medidas objetivam dar efetividade à Lei, assegurando à mulher que se encontra dentro de uma situação de violência, a possibilidade de se proteger contra novas violências.

Consiste em medidas cujo intuito é expandir o círculo de proteção da mulher, ampliando o sistema de prevenção e combate. A margem dada ao juiz é ampla, visto que as medidas protetivas possuem instrumentos de caráter civil, trabalhista, previdenciário, administrativo, processual e penal, considerando assim que a Lei Maria da Penha seja ―heterotópica, ou seja, prevê em seu bojo dispositivos de diversas naturezas jurídicas” (BIANCHINI, 2014, p. 179).

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TIPOS DE VIOLÊNCIA 

Estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da Penha: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial − Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V. (PENHA, 2018)

Violência Física: Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher. (PENHA, 2018)

Violência Psicológica: É considerada qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. (PENHA, 2018)

Violência Sexual: Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. (PENHA, 2018)

Violência Patrimonial: Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. (PENHA, 2018)

Violência Moral: É considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (PENHA, 2018)

O feminicídio representa a última etapa de um continuum de violência que leva à morte. Precedido por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e a um padrão cultural que subordina a mulher e  que foi  aprendido ao longo de gerações, trata-se, portanto, de parte de um sistema de dominação patriarcal e misógino. (2013, online)

Feminicídio é o assassinato de mulheres única e exclusivamente pela condição de ser mulher, sendo frequente como motivação o ódio, desprezo, sentimento de perda e controle sobre as mulheres, ligado ao sentimento de posse sobre o corpo feminino. Considera-se uma forma de misoginia, uma vez que representa a repulsa às mulheres, assim como tudo relacionado ao sexo feminino. Foi incluído no rol dos crimes hediondos através da Lei 13.105, sancionada no ano 2015, que modificou o Artigo 121, do Código Penal, ao introduzir a qualificadora no inciso VI, assim como também incluindo o § 2º-A, de forma a explicar quando esta deverá ser aplicada.

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METODOLOGIA

A metodologia citada aqui é baseada na experiência obtida com o Centro de Referência da Mulher Flor de Lis em Palmas Tocantins, que é um espaço destinado a prestar acolhimento e atendimento humanizado às mulheres em situação de violência, proporcionando atendimento psicológico, social, orientação e encaminhamentos jurídicos necessários para a superação da situação de violência, contribuindo para o fortalecimento da mulher.

No primeiro contato com a vítima, seguimos um cronograma de ação e preenchimento de um questionário, onde poderíamos visualizar com mais clareza cada situação que nos fosse apresentada, nele tem perguntas que se referem tanto a vítima, quanto ao agressor e a agressão. Também recolhemos as informações necessárias para saber quais orientações e encaminhamentos devemos fazer.

O manejo no momento do acolhimento é de extrema importância, ali podemos criar vínculo de confiança com as mulheres que sofreram agressões, podendo lhes proporcionar o melhor apoio nas demandas que forem apresentadas e mostrá-las que elas não estão sozinhas, como também disponibilizar orientações jurídicas para futuras ações legais.

Cada caso é único, cada história é única, devemos proporcionar acolhimento em cada contato que tenhamos com as vítimas.

Assim como no atendimento terapêutico, nesse atendimento, também devemos seguir padrões de comportamento, onde há:

  • Escuta qualificada ativa
  • Ouvir o que está a ser dito e tentar perceber o ponto de vista do outro
  • Avaliar a forma como está a ser dito – sentimentos, conteúdo, intenção
  • Empatia
  • Centrar-se no que é dito; mostrar interesse, por exemplo, fazendo perguntas sobre o que a vítima acaba de dizer, ou através da postura corporal (inclinar-se um pouco, olhar nos olhos)
  • Evitar fazer juízos imediatos sobre a pessoa, não emitir juízos de valor
  • Reformular (ex: “fui claro?” “O que eu disse foi compreensível?”; em vez de “Compreendeu? ” Ou “Não percebeu?”)
  • Manter o contato visual com o emissor
  • Permanecer em silêncio enquanto o emissor fala, apenas emitindo interjeições de encorajamento (ex: “hum-hum”, sim, compreendo, …) e, quando necessário, interromper cordialmente
  • Responder, dar feedback
  • Não deixar transparecer as emoções pessoais
  • Observar as reações – fazer perguntas de controle para verificar se está a ser compreendido e a compreender adequadamente
  • Conseguir colocar-se no lugar do outro
  • Adaptar o discurso ao discurso da vítima
  • Mostrar interesse pelas suas necessidades

O critério principal para uma mulher ser desligada do serviço é o ciclo de violência ter sido rompido, mas se ela escolher não continuar com o serviço mesmo sem o ciclo ter sido rompido, ela poderá ser desligada. Algumas mulheres, dependendo da necessidade, são mantidas em listas de necessidade, como a lista de empregos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fim de proporcionar atendimentos nas redes de apoio acerca da violência doméstica, visando inicialmente propor a psicoeducação para as usuárias de serviços do Centro de Referência Flor de Lis (CRM), para que possamos identificar todos os tipos de violência sofridas por ela.

A rede é apoio é ampla, nós como serviço, buscamos proporcionar todo o suporte necessário a vítima tenha interesse em aderir, podendo ser uma consulta médica, uma cesta básica, um pedido de medida protetiva e afins. O CRM em si, não possui todos esses atendimentos, mas temos sempre contato direto com os locais que proporcionam esse atendimento, sendo assim, auxiliamos nessa intermediação e acompanhamos, até que a usuária do sistema consiga o suporte que necessita.

É necessária muita coragem para buscar apoio e romper o ciclo de violência, coragem essa que vemos em cada atendimento prestado, mesmo que esteja camuflado em medo e vergonha. Está ali, contando sua história, é um ato de coragem, frente a isso, nós que estamos na linha de frente deste contato, precisamos estar preparadas para o acolhimento, demonstrando empatia e interesse em tudo que nos é relatado, para assim, estabelecer um ciclo de confiança e lhe proporcionar auxílio.

REFERÊNCIAS

ATENDIMENTO para mulheres vítimas de violência. Cidade de S. Paulo. Disponível em: https://www.capital.sp.gov.br/cidadao/familia-e-assistencia-social/servicos-de-direitos-humanos/atendimento-para-mulheres-vitimas-de-violencia. Acesso em: 21 de jul. de 2021.

BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero/Alice Bianchini. – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

BRASIL, Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, (Lei Maria da Penha).

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em:  Acesso em: 25. Nov. 2017.

CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A violência doméstica como violação dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 901, 21 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7753. Acesso em: 21 jul. 2021.

MONTEIRO, Fernanda. O papel do psicólogo no atendimento às vítimas e autores de violência doméstica, 2012, Monografia, Bacharelado, Psicologia, UniCEUB, Brasília, 2012. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2593/3/20820746.pdf. Acesso em: 11 de jul. 2021.

ONU: 25% das mulheres a partir de 15 anos são vítimas da violência de gênero. ONU News, 9 de mar. 2021. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/03/1743912. Acesso em: 10 de jul. 2021.

GUERRA, Paulo et al. Violência Doméstica: implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. 2016. Disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/Violencia-Domestica-CEJ_p02_rev2c-EBOOK_ver_final.pdf. Acesso em: 17 jun. 2021.

GUERRA, Paulo et al. Violência Doméstica: implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. 2020. 2° edição. Disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_VD2ed.pdf. Acesso em: 10 jul. 2021.

BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 27 jul. 2021.

PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.

PENHA, Maria da. Instituto Maria da Penha: violência doméstica. Fortaleza, 27 jul. 2018. Site criado apartir da lei 11.340. Instagram: Instituto Maria da Penha. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-somos.html. Acesso em: 20 jul. 2021.