Concordo com os termos (malefícios) e desejo continuar

Ao criarmos uma conta em qualquer plataforma online, há sempre uma pergunta antes de finalizarmos o cadastro: Você concorda com os termos de uso? E ao concordar, quase que automaticamente sem ao menos nos perguntar com o que estamos compactuando, é permitido uma série de usos de dados, informações e ainda concordamos com o modo em que a plataforma nos tratará dali para frente [1].

As redes sociais são onde atualmente mais produzimos dados de valor para uma grande estrutura onde as gigantes da tecnologia faturam bilhões, a venda de anúncios. Trata-se de um mercado tão lucrativo e obscuro em seus segredos que de tempos em tempos participantes desse sistema são levados a júri. Como é o caso do Facebook[2].

Já houve vários casos sobre esse assunto, mas um dos mais polêmicos remete às eleições do presidente dos Estados Unidos, onde o Facebook sofreu um forte abalo com a revelação de que as informações de mais de 50 milhões de pessoas foram utilizadas sem o consentimento delas pela empresa americana Cambridge Analytica para fazer propaganda política[2].

Porém o fato que iremos dar atenção vai um pouco mais a fundo desse emaranhado de interesses. Para que a estrutura de venda de anúncios esteja em pleno funcionamento, as centenas de algoritmos por trás do Facebook trabalham em cada ação dos usuários para traçar perfis cada vez mais detalhados. O que antes era “Homem, entre 18 e 25 anos, Brasil”, agora está cada vez mais direcionado para os nichos comportamentais “Homem, entre 18 e 25 anos, tem interesse em ciclismo e politica de direita, acessa conteúdo de curiosidades históricas, Brasil”[3].

Todas essas informações poderiam ser consideradas apenas como uma estratégia de negócios agressiva e eficiente por alguns e até conveniente para outros ao mostrar anúncios e conteúdos personalizados ao perfil de quem utiliza a rede social. No entanto, a ex-gerente de produto da Facebook, Frances Haugen, foi a público expor os malefícios que esses algoritmos podem trazer à sociedade em uma escala quase que global.

Fonte: Imagem no Pixabay

Acontece que, segundo a ex-funcionária, as linhas de códigos desenvolvidas e treinadas para traçar perfis e entregar anúncios e conteúdos direcionados (para que, no fim, gere interesse de terceiros comprar esse veículo de comunicação) estão polarizando as opiniões, ajudando na disseminação de discursos de ódio, entregando conteúdos nocivos a mentes fragilizadas e promovendo uma espécie de “bolha social”[3].

Para exemplificar a gama da nocividade, pesquisas apontaram que adolescentes que apresentam indícios de comportamento depressivo estão recebendo em suas redes sociais mantidas pelo Facebook (agora conhecida como Meta) conteúdos melancólicos e cada vez mais negativos, podendo formar uma espiral que puxa tudo que é apresentado na tela para um contexto mais nocivo a cada clique.

Essa nocividade se estende a quem consome conteúdos extremistas e de discursos de ódio, o que leva ao indivíduo a estar sempre recebendo um reforço positivo para posições negativas.

É realmente assustador, mas o pico do terror se dá quando Francês Haugen declarou em tribunal que a gigante do vale do silício dona do Facebook e do Instagram tem conhecimento desses “desvios de conduta” em seus algoritmos. Alguns relatórios datados de 2016 já demonstravam essas tendências e Francês continua em seu depoimento dizendo que a empresa escolheu conscientemente o lucro ao invés da segurança[3].

Não que seja surpreendente uma multinacional bilionária subjugar necessidades humanas a troco de alguns dólares a mais. Os tribunais são lentos e com dinheiro quase ilimitado, grandes empresas como o Facebook não temem à lei, pois multas referentes a processos perdidos são irrisórias perto do quanto faturaram com a irresponsabilidade.

Fonte: Imagem no Freepik

O mundo on-line não é mais um equipamento que você deixa na sala e compartilha com todos da casa. Com a popularização dos smartphones e a facilidade no acesso à internet, as horas conectadas aumentaram drasticamente. Não se tem mais a necessidade de haver uma intenção para acessar as mídias sociais, elas estão onipresentes, a cada momento uma notificação mostra isso.

Essa aproximação do ser humano com a internet e as mídias sociais maximiza a influência que recebemos e entregamos via megabits. Qualquer pessoa pode ser ouvida, qualquer pessoa pode ser calada, qualquer pessoa pode ser atacada, tudo isso do conforto e segurança de uma tela. Nesse contexto, atos passíveis de interpretação de integridade como o caso dos algoritmos do Facebook estão na palma da mão de bilhões de pessoas antes de receberem um veredito.

Enquanto isso, os usuários continuam sendo levados a pensar serem protagonistas e guias de suas próprias redes sociais. Grupos com ideias perigosas e violentas continuam recebendo novos membros trazidos pelos rastreadores de interesses, adolescentes continuam sendo soterrados por conteúdos nocivos à saúde mental, pessoas continuam achando que estão em completa razão quando toda sua bolha social pensa o mesmo.

E todos continuam curtindo e compartilhando enquanto o que permanece são as perguntas: Quantos segredos que afetam bilhões de pessoas serão mantidos por um punhado de corporações? Até quando o usuário dirá “concordo com os termos e desejo continuar”?

Fonte: Imagem no Freepik

Referências

[1] COSTA, Thaís. O que está acontecendo com o Facebook?: Entenda por que a maior rede social do mundo pode estar caminhando em direção ao fim. In: COSTA, Thaís. Https://rockcontent.com/br/blog/facebook-vazamento-de-dados/: Thaís Costa, 23 mar. 2018.

[2] POZZI, SANDRO. EUA multam Facebook em 5 bilhões de dólares por violar privacidade dos usuários: Empresa é punida com multa recorde pelo vazamento de dados no caso Cambridge Analytica. In: POZZI, SANDRO. EUA multam Facebook em 5 bilhões de dólares por violar privacidade dos usuários: Empresa é punida com multa recorde pelo vazamento de dados no caso Cambridge Analytica.

[3] HAO, Karen. O denunciante do Facebook diz que seus algoritmos são perigosos. Eis o motivo. In: HAO, Karen. O denunciante do Facebook diz que seus algoritmos são perigosos. Eis o motivo.. Https://www.technologyreview.com/2021/10/05/1036519/facebook-whistleblower-frances-haugen-algorithms/: Karen Hao, 5 out. 2021.