O custo da “Babá de Silício” no futuro de uma geração

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Sábado à noite em um restaurante. A cena tornou-se comum: uma família aguarda o jantar. Os pais, talvez cansados da semana, checam notificações em seus smartphones. Ao lado, uma criança pequena observa, imóvel, um vídeo em um tablet. O ambiente está calmo. Não há choro, não há correrias, mas também há pouca conversa.

Essa “paz digital” resolve um problema imediato de tédio e cansaço, mas nos convida a encarar o custo futuro dessa conveniência. Ao delegarmos o entretenimento e a atenção de nossos filhos a algoritmos, o que estamos sacrificando? Estudos recentes sugerem que, embora a tecnologia não seja inerentemente má, o uso que fazemos dela nos anos formativos pode estar erodindo as bases de como essa geração aprenderá, sentirá e se relacionará no futuro (CLEMENTE-SUÁREZ et al., 2024; LI et al., 2025).

Fonte: Imagem gerada por inteligência artificial (Google AI), 2025.

A promessa da era da informação era criar uma geração mais inteligente, mas os dados apontam para um risco inverso: um déficit na capacidade de processar profundamente o conhecimento. Um estudo abrangente com quase 12.000 crianças indicou que o excesso de telas pode estar limitando o potencial cognitivo (WALSH et al., 2020). Crianças que ultrapassam 2 horas diárias de telas recreativas tendem a apresentar pior desempenho em testes globais de inteligência, afetando sua capacidade futura de resolver problemas complexos (WALSH et al., 2020). Pesquisas longitudinais mostram que o alto tempo de tela na infância está associado a notas piores em leitura e matemática anos depois. Estamos, efetivamente, enfraquecendo os alicerces acadêmicos necessários para o sucesso profissional e intelectual dessa geração (LI et al., 2025). Cada hora gasta passivamente na tela é uma hora roubada de experiências reais — conversas, brincadeiras físicas e exploração — que constroem a arquitetura neural robusta necessária para a vida adulta.

Além da inteligência bruta, a própria estrutura da atenção está em jogo. Uma revisão de estudos de 2024 alerta que estamos treinando cérebros para a distração, não para o foco (CLEMENTE-SUÁREZ et al., 2024). Se a capacidade de concentração profunda é o motor da inovação, o que será de uma geração que não consegue focar? O cérebro habituado a múltiplos estímulos digitais luta para filtrar o irrelevante, resultando em uma mente que está sempre ocupada, mas raramente produtiva (CLEMENTE-SUÁREZ et al., 2024). Ao terceirizarmos nossa memória para a nuvem (porque “tudo está no Google”), corremos o risco de criar uma geração com pensamento raso. Sem repertório interno, a capacidade de conectar ideias e criar soluções originais diminui. O uso noturno de telas não apenas cansa, mas impede a consolidação da memória durante o sono, afetando o desenvolvimento físico e cognitivo a longo prazo (PANJETI-MADAN; RANGANATHAN, 2023).

O futuro emocional dessa geração também está em risco, e a responsabilidade não recai apenas sobre as crianças. O fenômeno da “tecnoferência” — interrupções nas interações humanas causadas por dispositivos — está criando abismos dentro de casa (MCDANIEL; RADESKY, 2018). Pais estressados refugiam-se no celular; a criança, sentindo-se invisível, reage com mau comportamento para recuperar a atenção. Isso estressa mais os pais, que voltam para a tela. O resultado é uma família fisicamente junta, mas emocionalmente desconectada (MCDANIEL; RADESKY, 2018). Se as crianças aprendem a se relacionar observando os pais, o que aprendem quando nosso olhar está sempre voltado para baixo? O risco é normalizarmos a desconexão como padrão de relacionamento futuro.

Não se trata apenas de notas baixas ou de um jantar silencioso. Quando somamos o impacto cognitivo, a fragmentação da atenção e o distanciamento emocional, vemos a formação de uma “bola de neve” que pode impactar toda a sociedade (PANJETI-MADAN; RANGANATHAN, 2023). Estamos criando uma geração que pode ter menor resiliência, pois crianças que usam telas para regular qualquer desconforto emocional podem se tornar adultos incapazes de lidar com as frustrações inevitáveis da vida real. A empatia se aprende no olho no olho, na leitura de expressões faciais e na convivência. A substituição disso por interações digitais pode gerar adultos mais solitários, ansiosos e menos compassivos. O sedentarismo digital já planta sementes de problemas físicos crônicos para o futuro (PANJETI-MADAN; RANGANATHAN, 2023).

Fonte: Imagem gerada por inteligência artificial (Google AI), 2025.

O cenário é preocupante, mas não irreversível. A tecnologia veio para ficar, mas não precisa ser nossa “ruína”. O segredo talvez esteja em como retomamos o controle. Curiosamente, até videogames podem ser benéficos se usados com equilíbrio (WALSH et al., 2020). O desafio é refletir se a tela está servindo como uma ferramenta ou como um substituto para a vida. Momentos de conexão, como assistir ou jogar junto, podem transformar o isolamento em interação. Espaços livres de telas, como o quarto e a mesa de jantar, podem proteger o desenvolvimento físico e social. O tédio, muitas vezes combatido com um iPad, pode ser visto como o solo fértil da criatividade, onde a criança aprende a criar a própria diversão no mundo real. A consciência sobre a “tecnoferência” pode nos levar a priorizar o olhar no olho em detrimento da notificação, fortalecendo vínculos (MCDANIEL; RADESKY, 2018). Pequenos hábitos, como pausas para cuidar da saúde visual e mental, podem moldar grandes futuros.

Ainda há tempo de ajustar a rota. Garantir que o futuro dessa geração seja construído sobre alicerces humanos sólidos, e não apenas digitais, é o grande desafio — e a grande responsabilidade — do nosso tempo.

Referências:

CLEMENTE-SUÁREZ, Vicente Javier et al. Digital Device Usage and Childhood Cognitive Development: Exploring Effects on Cognitive Abilities. Children, v. 11, n. 11, p. 1299, 2024.

LI, Xuedi et al. Screen Time and Standardized Academic Achievement Tests in Elementary School. JAMA Network Open, v. 8, n. 10, e2537092, 2025.

MCDANIEL, Brandon T.; RADESKY, Jenny S. Technoference: longitudinal associations between parent technology use, parenting stress, and child behavior problems. Pediatric Research, v. 84, n. 2, p. 210–218, 2018.

PANJETI-MADAN, Vaishnavi N.; RANGANATHAN, Prakash. Impact of Screen Time on Children’s Development: Cognitive, Language, Physical, and Social and Emotional Domains. Multimodal Technologies and Interaction, v. 7, n. 5, p. 52, 2023.

WALSH, Jeremy J. et al. Associations between duration and type of electronic screen use and cognition in US children. Computers in Human Behavior, v. 108, p. 106312, 2020.

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Aluno do curso de Ciência da Computação, Ulbra Palmas

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