As redes sociais tornaram-se parte integral da vida cotidiana, facilitando conexões em escala global. Apesar dos benefícios de aproximação e compartilhamento, cresce a preocupação de que essas plataformas, projetadas para maximizar o engajamento, induzam comportamentos de dependência. Termos como “uso problemático” ou “vício em redes sociais” já são empregados para descrever padrões caracterizados pela dificuldade de controlar o tempo online, sintomas de abstinência quando desconectado e negligência de outras atividades devido ao uso excessivo (OMS, 2024).
Esse fenômeno vem ganhando destaque à medida que estudos e relatos apontam semelhanças entre o uso compulsivo das redes e outras formas de dependência, como as relacionadas a substâncias químicas ou jogos de azar. Quase metade dos adolescentes britânicos afirma sentir-se viciada em plataformas como Instagram e TikTok (The Guardian, 2024), evidenciando quão tênue pode ser a linha entre um uso saudável e um uso prejudicial.
Nesse contexto, torna-se essencial refletir: em que momento as conexões virtuais ultrapassam o limite do uso consciente e começam a assumir contornos de vício e quais as implicações disso para a saúde mental, o comportamento e a vida social?
Especialistas apontam que o uso compulsivo dessas plataformas está associado a uma série de problemas psicológicos. Estudos recentes indicam que aproximadamente 24,4% dos adolescentes já satisfazem os critérios clínicos de dependência de mídias sociais (MASRI-ZADA et al., 2025). Esse engajamento excessivo tem sido vinculado a sintomas intensificados de ansiedade e depressão, bem como a déficits de atenção e aumento da impulsividade entre jovens usuários. Além disso, adolescentes que passam mais de 3 horas por dia nas redes têm probabilidade significativamente maior de experimentar problemas de saúde mental, incluindo menor satisfação com a própria vida e maior risco de desenvolver sintomas psiquiátricos (MASRI-ZADA et al., 2025). Essas observações reforçam a conexão entre o uso exagerado das redes sociais e o agravamento do sofrimento psíquico em faixas etárias vulneráveis.
Os próprios jovens parecem reconhecer os efeitos nocivos do excesso de conectividade. Uma pesquisa do Pew Research Center, divulgada pela CNN Brasil em 2025, revelou que 48% dos adolescentes nos EUA acreditam que as redes sociais têm um impacto “majoritariamente negativo” sobre pessoas da sua idade. Paralelamente, quase metade dos entrevistados afirmou estar reduzindo o tempo gasto nas plataformas, e 45% reconheceram que vinham passando tempo demais online. Esse movimento de autorregulação indica crescente conscientização dos jovens acerca dos malefícios potenciais do uso excessivo, como resumiu um dos participantes do estudo, “o uso excessivo das redes sociais parece ser a principal causa de depressão entre pessoas da minha faixa etária”, causando estragos no estado mental dos adolescentes.

Do ponto de vista do design das plataformas, há críticas de que o vício não seria mero acaso, mas sim consequência de estratégias deliberadas. Tristan Harris, ex-especialista em ética de design do Google, argumenta que um punhado de empresas de tecnologia “controla bilhões de mentes todos os dias” por meio de técnicas persuasivas que exploram vulnerabilidades cognitivas dos usuários (HARRIS, 2017). Recursos como rolagem infinita, notificações constantes e algoritmos de recomendação são projetados para capturar a atenção máxima, levando os usuários a passarem mais tempo conectados. Esse modelo de negócio, focado em manter o usuário engajado o maior tempo possível, estimula comportamentos compulsivos semelhantes aos observados em outras dependências, reforçando o ciclo de uso excessivo.
No âmbito neurobiológico, pesquisas começam a demonstrar mudanças físicas no cérebro associadas ao vício em internet e redes sociais. Chang e Lee (2024), em uma revisão sistemática de estudos de neuroimagem, identificaram alterações na conectividade funcional cerebral de adolescentes com dependência de internet incluindo desequilíbrios em redes neurais de repouso e redução da conectividade em regiões responsáveis pelo controle executivo (funções cognitivas). Tais mudanças podem prejudicar o desenvolvimento cognitivo e emocional, aumentando a propensão a comportamentos impulsivos e dificultando o controle do uso, indicando que os efeitos da dependência digital vão além do comportamento observável, há também um impacto orgânico no cérebro em formação. Isso ressalta que o vício em redes sociais não é apenas um hábito questionável, mas pode ter base neurofisiológica, exigindo atenção especial de pais, educadores e profissionais de saúde.

A preocupação com os efeitos das redes sociais sobre a saúde mental de crianças e adolescentes alcançou também o âmbito das políticas públicas e jurídicas. Organizações internacionais de saúde têm soado o alarme: um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que 11% dos adolescentes pesquisados apresentavam sinais de uso problemático de redes sociais em 2022 – uma alta em relação aos 7% observados em 2018. Esse mesmo estudo apontou que meninas exibem níveis mais altos de uso problemático do que meninos. Além disso, jovens com comportamento de dependência digital relataram pior bem-estar mental e social, maior propensão ao uso de substâncias e problemas de sono, em comparação com usuários não problemáticos. Diante de dados assim, alguns países avaliam implementar restrições de idade ou mesmo banimentos do acesso às redes sociais por crianças mais novas, numa tentativa de mitigar consequências como depressão, ansiedade, bullying e queda no desempenho acadêmico atribuídas ao uso excessivo dessas plataformas.
Nos Estados Unidos, essa preocupação já se traduz em ações legais de larga escala. Em outubro de 2023, uma coalizão bipartidária de 41 estados moveu processos contra a empresa Meta, controladora do Facebook e Instagram, sob a acusação de que suas redes sociais foram deliberadamente desenvolvidas para serem viciantes, prejudicando a saúde mental de crianças e adolescentes (PBS NEWSHOUR, 2023). A ação alega que a companhia utilizou recursos e algoritmos para “cultivar a dependência” dos jovens em prol dos lucros, ao mesmo tempo em que minimizou ou ocultou os potenciais danos de suas plataformas ao público infantil e juvenil. Trata-se de um esforço inédito em escala, refletindo um consenso crescente entre autoridades de que é preciso responsabilizar as big techs pelos impactos de seus produtos na saúde mental dos usuários mais jovens (PBS NEWSHOUR, 2023). Iniciativas semelhantes ganham força em outros países, sinalizando um reconhecimento global dos riscos envolvidos no uso desenfreado das redes sociais.

Das promessas de conexão entre amigos e familiares ao emergente cenário de vício comportamental, as redes sociais revelam-se uma moeda de duas faces. Se por um lado essas plataformas democratizaram o acesso à informação e à comunicação, por outro expuseram milhões de jovens a conteúdos potencialmente nocivos e à dinâmica viciante do fluxo constante de curtidas, mensagens e atualizações. Evidências científicas e relatos institucionais reforçam que o uso excessivo das redes está ligado à piora da saúde mental, da elevação nos índices de ansiedade e depressão à alteração de padrões de sono e autoestima dos adolescentes (MASRI-ZADA et al., 2025). Além disso, mudanças neurobiológicas associadas ao vício digital foram documentadas, indicando que o problema pode comprometer o desenvolvimento cerebral saudável (CNN Brasil, 2025).
Diante desse quadro, especialistas defendem uma abordagem multidisciplinar: investimento em educação digital e conscientização, desenvolvimento de recursos de bem-estar nas plataformas, orientação parental, e se necessário, regulação governamental que proteja os usuários mais jovens. Somente assim será possível aproveitar os benefícios das redes sociais em conexão e informação, minimizando seus malefícios e prevenindo que a conexão digital se converta em vício.
Referências
CNN BRASIL. Metade dos adolescentes diz que redes sociais fazem mal à saúde mental. São Paulo: CNN Brasil, 22 abr. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/metade-dos-adolescentes-diz-que-redes-sociais-fazem-mal-a-saude-mental/. Acesso em: 1 dez. 2025.
MASRI-ZADA, Tariq; MARTIROSYAN, Suren; ABDOU, Alexander et al. The Impact of Social Media & Technology on Child and Adolescent Mental Health. Journal of Psychiatry and Psychiatric Disorders, v.9, n.2, p.111–130, 2025. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC12165459/. Acesso em: 1 dez. 2025.
THE GUARDIAN. Internet addiction alters brain chemistry in young people, study finds. The Guardian, Londres, 4 jun. 2024. Disponível em: https://www.theguardian.com/technology/article/2024/jun/04/internet-addiction-alters-brain-chemistry-in-young-people-study-finds. Acesso em: 2 dez. 2025.
PBS NEWSHOUR. More than 40 states sue Meta, claiming its social platforms are addictive and harm children’s mental health. PBS NewsHour, Arlington, 24 out. 2023. Disponível em: https://www.pbs.org/newshour/politics/more-than-40-states-sue-meta-claiming-its-social-platforms-are-addictive-and-harm-childrens-mental-health. Acesso em: 2 dez. 2025.
HARRIS, Tristan. How a handful of tech companies control billions of minds every day. TED, 2017. Disponível em: https://www.ted.com/talks/tristan_harris_how_a_handful_of_tech_companies_control_billions_of_minds_every_day. Acesso em: 2 dez. 2025.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. HBSC Survey Round 2021/2022: navigating uncharted territory – school closures and adolescent experiences during the COVID-19 pandemic (Key Findings). Copenhague: Escritório Regional da OMS para a Europa, 2024. Disponível em: https://www.who.int/europe/publications/m/item/hbsc-survey-round-2021-2022-navigating-uncharted-territory-school-closures-and-adolescent-experiences-during-the-covid-19-pandemic-key-findings. Acesso em: 2 dez. 2025.
CHANG, M. L. Y.; LEE, I. O. Functional connectivity changes in the brain of adolescents with internet addiction: a systematic literature review of imaging studies. PLOS Mental Health, v.1, n.1, e0000022, 2024. Disponível em: https://journals.plos.org/mentalhealth/article?id=10.1371/journal.pmen.0000022. Acesso em: 2 dez. 2025.
Autores
João Victor Da Silva Carvalho
Acadêmico do curso de Ciência da Computação no CEULP/ULBRA
Vinícius Rapôso Andrade
Acadêmico do curso de Engenharia de Software no CEULP/ULBRA
