Melancolia

Ela se sentia inquieta, assim como se não desse conta de acompanhar os movimentos acelerados ao seu redor, tudo estava se tornando pesado e complicado, tudo que havia construído e que acreditava veio abaixo. 

Assim… Num deslizar pelos dedos ela foi se indo, ensopando-lhes os pés, escorrendo pelas valas criadas por seus entorpecidos pensamentos. 

Necessitava parar, necessitava exercer a mais simples das funções: Respirar, mas isso lhe parecia difícil. Enfim, não queria nada, queria mergulhar neste vazio, dar-se com ele, chafurdar-se nele, porque coisa alguma mais lhe aprazia. 

Culpava-se ainda, fez promessas de mudanças, porém sua amiga insinuava-lhe que se entregasse e ela sem titubear se rendeu ao chamado e entregou sua mão trêmula a ela, sua amiga melancolia.

A melancolia é um dos sentimentos mais exaltados pelos poetas. Em termos poéticos, a melancolia toma ares de beleza, da alma que se interioriza em um profundo quedar de pensamentos, uma lágrima furtiva, uma saudade de não sei o que, um cismar numa tarde de outono onde as folhas que caem encolhem mais a alma do pensador. Comumente a melancolia é associada pelos poetas ao vazio e a falta.

Mas que sentimento é este, como se instala, o que sentimos, como nos comportamos, o que seria este não sei o que nos leva a buscar no mais profundo dos abismos as respostas que às vezes nem nos importa mais.

Das conversas que José Castello teve com o poeta João Cabral, resultou no livro João Cabral: o homem sem alma, onde o mesmo dizia que, tinha um buraco no peito, explicando que, “Não é dor. Não é mal-estar. Não é nada. Ao contrário: falta alguma coisa”, completa dizendo, “Falta uma coisa, fica o buraco, e você tem de carregá-lo”.  (João Cabral: o homem sem alma/ Editora Rocco, 1996).

Alguns estudos vão dizer que na atualidade a melancolia foi substituída pelo termo depressão, portanto no decorrer do texto daremos um parecer que discorda desta premissa, pois ambas sempre causaram grandes males aos indivíduos, mas se diferem em alguns pontos.

Os estados melancólicos tomaram ares de vazio intenso e difícil de ser definidos, sobre esta indefinição Oliveira, (2004) nos afirma que a melancolia, “Tem sido objeto de estudo na medicina, motivo de reflexão para os filósofos, inspiração para os poetas e escritores”. E reitera ainda que “desde a Antiguidade até os dias atuais encontramos referências ao sofrimento humano expresso através desse afeto, bem como a dificuldade em se definir esse estado de sentimento de maneira satisfatória” (OLIVEIRA, 2004, p.93)

Pois bem, entre poetas, teorias e filosofias façamos um caminho em busca de respostas que cheguem perto da definição dessa tal melancolia.

Muitas vezes julga-se que a melancolia é um estado d’alma corriqueiro, quase como fugaz, assim como uma situação de acabrunhamento, no entanto estes estados podem evoluir como manifestações que se generalizam e fazem moradas permanentes em algumas psiquês. 

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A melancolia assim como a anedonia (são primas irmãs), se desenvolvem dentro de um quadro de apatia generalizada, um que absoluto de falta de ânimo, tendo como características além destas citadas acima um tédio mordaz e uma inércia doentia.

Um indivíduo melancólico está inerte em seu vazio, este sentimento de vazio é como se houvesse um “oco” por dentro como se lhe tirassem ou arrancassem tudo, e ainda assim, apresenta-se como um peso que não se suporta cravado na alma. Porém o raciocínio e a concentração permanecem intactos.

Difere-se da tristeza, pois tristeza é um sentimento referente a alguma perda, ou a alguma ocorrência natural do dia a dia e sua duração pode ser de horas ou poucos dias, não acarretando sérios prejuízos ao indivíduo.

Difere-se também da depressão, pois na depressão o desempenho, o raciocínio e a concentração são afetados, ou seja, acontecem alterações químicas no cérebro e podem ter causas genéticas.

Mas qual é a origem da melancolia quem se ocupou de denominá-la, saibamos mais a respeito.

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A palavra melancolia foi criada pelo Grego Hipócrates, o pai da Medicina, por volta do século IV a.C. e vem da junção das palavras “mélas” (negro) e “cholé” (bílis) – ou seja, o significado primário é “bílis negra”. Na época, Hipócrates definiu a então doença a partir de um conjunto de sintomas como tristeza profunda, olhar fixo no infinito e perda de apetite. Séculos depois, o psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) definiu a melancolia como um luto sem perda, processo patológico que necessita de abordagem e tratamentos específicos.

Em Luto e Melancolia (1914-1915) de Freud, ele cita que se sentia incapaz de retratar este afeto, pois a seu ver ele era dotado de um caráter ambíguo e controverso, pois se por um lado, era apontada como estímulo poético, de outro, é tida como uma patologia. Assim sendo, o psicanalista faz uma comparação entre os sintomas do luto e da melancolia, o primeiro parece de ordem natural, no segundo, conduz para uma origem patológica. 

Schopenhauer (1862), dizia que estes sentimentos eram atributos dos mais bem dotados de inteligência, reiterando ainda que muito conhecimento não seja carona para a felicidade.  Dizia ainda que,

 “Ao subir a escada da expectativa de realizações dos desejos não existe a opção de descer […] gradualmente, degrau por degrau, só existe a queda livre, e quanto maior a altura maior é a queda (o sofrimento) do indivíduo” (DEUS, Schopenhauer e o sofrimento, p. 117).

Entre os suspiros apaixonado dos poetas que alardeiam a melancolia e dela tecem seus mais ricos ensaios “A melancolia é a felicidade de se ser triste”. (Victor Hugo), ou por estarmos constituídos pelo id, seria-nos benéfico julgar que os apontamentos de Schopenhauer nos vestiriam bem, ou seja, se estamos melancólicos, logo, somos inteligentes, um cunho de humor é salutar em qualquer peça. 

Porém, apontamentos teóricos nos trazem que na modernidade estamos a mercê de uma era nitidamente marcada pelas incertezas das certezas absolutas, destituídas de descrições, deixando os sujeitos com fragilidades que não sabem lidar, com sentimentos de vulnerabilidade, assim como órfãos em sinaleiros, indivíduos sem direção. 

Como se não bastasse os indivíduos não mais se relacionam, somos uma paisagem nos campos de tela, sentimos exaustão de nós e do outro, sentimos melancolia pelas saudades de imagens de um passado que talvez nem tenhamos vivido. Idealizamos que o outro nos aperceba mesmo que nós mesmos não o façamos. A este respeito, Friedrich Nietzsche diz que, “O homem é mais sensível ao desprezo que vem dos outros do que ao que vem de si mesmo.”

A melancolia advém de longa data e podemos somar a ela mais de dois mil anos de história deixando em cada canto seu legado poético, teórico e filosófico.

 Na contemporaneidade, entre prozacs, Fluoxetinas, Clozapinas e Escitaloprams,. “A melancolia foi para o “spa”, emagreceu, subsiste apenas como um subtipo, uma forma grave de depressão maior, com sintomas físicos correspondendo ao conceito de endógeno.” (CORDÁS, 2002, p.95). 

Vamos nos atropelando, neste mundo líquido, nos esvaindo, dando a mão à nossa mordaz amiga melancolia que invariavelmente também é chamada de depressão, e até isso se torna melancólico, tira-nos a poesia que servia de ancoradouro para possíveis explicações mais suaves e humanas.  

Erroneamente ou não, pesquisas e estudos profundos estão sendo desenvolvidos e com certeza em um futuro próximo, poderemos dar o nome correto a este buraco no peito, este se esquecer de si mesmo.

Referências

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DEUS, Rocha Flávio, 2021. A Filosofia de Schopenhauer na narrativa do jovem

Werther de Goethe. Disponível em: DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179378648538. . Acesso em 06/10/2022

NORONHA Heloisa. 2020. EQUILÍBRIO.Cuidar da mente para uma vida mais harmônica. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/12/26/melancolia-o-que-e-e-como-lidar-com-ela.htm. Acesso em 04/10/2022

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SANTA CLARA, José Carlos. 2008. O problema econômico dos estados depressivos: uma leitura metapsicológica para a melancolia. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp052615.pdf. Acesso em 06/10/2022

SANTA CLARA, José Carlos. 2007. Melancolia e narcisismo: a face narcísica da melancolia nas relações do eu com o outro. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-44272007000200009. Acesso em 06/10/2022

OLIVEIRA, Ana Paula. 2020. A LEITURA COMO MELANCOLIA: MEMÓRIA, PRESENTE E VAZIO NA CRÍTICA DE JOSÉ CASTELLO. Disponível em:  https://rd.uffs.edu.br/bitstream/prefix/3861/1/OLIVEIRA.pdf. Acesso em 06/10/2022