Lembro daquela sexta feira 13, seis da manhã, despertador tocando e eu programando mais 15 minutinhos de soneca; minha mãe me chamando para não me atrasar e eu me conformando que era hora de levantar. Tomei um banho gelado, vesti meu uniforme, calcei o primeiro sapato que vi na minha frente, que por sinal era o mesmo do dia anterior; organizei meus livros, peguei minha mochila e saí de casa. Lá estava eu, vivendo um dia típico como todos os outros; percorrendo os mesmos 20 minutos do trajeto de casa ao colégio; atravessando a mesma avenida movimentada, no horário de pico de sempre; passando pelo mesmo beco até chegar lá, estava tudo completamente normal, nada havia mudado.
Ainda estava lá o mesmo senhor da portaria, nos dando bom dia, como costumava sempre fazer; as mesmas “tias” da cantina preparando a merenda; os mesmos alunos de sempre nos corredores do pátio; as mesmas mesas azuis desordenadas no meio da sala; o mesmo sino tocando para dar início a aula; os meus mesmos amigos de sempre, me cumprimentando com um abraço. Quem diria que aquele seria o último dia normal que eu teria socialmente antes de um vírus se alastrar e tomar de conta do país.
Lembro-me claramente da primeira vez que ouvi falar sobre o vírus da Covid-19, no final de dezembro de 2019. Recordo-me de saber por alto o que estava acontecendo na China, mas de não me importar muito. Afinal, ninguém sabia a fundo do que se tratava, não havia tantas informações na qual se preocupar. Não imaginava eu que, três meses depois, a situação se tornaria preocupante e o mesmo vírus que estava se espalhando somente na China, o qual eu não havia dado a menor importância, se propagaria no mundo todo e chegaria tão rápido a nós.
Foram precisos somente dois dias, desde aquela última sexta, para que o primeiro caso de infecção pelo vírus, fosse confirmado onde eu vivo. Da água para o vinho as coisas mudaram, foi decretado quarentena e quando menos imaginamos, já estávamos enfurnados dentro de casa, sem poder sairmos. Lembro-me de ter ficado um pouco surpresa e confusa com que estava acontecendo, mas não muito preocupada. Afinal, tudo voltaria ao normal em questão de poucos dias, certo? Errado. Apesar de já está ter consciência da existência do vírus, ele ainda era algo muito distante da nossa realidade, na minha cabeça. Porém, ingenuidade a minha, mal sabia eu e o restante da população, a proporção que a pandemia tomaria nos meses seguintes. Mal sabíamos nós, que tudo era apenas o começo de uma longa e difícil jornada, se assim posso dizer, em busca de uma solução, de uma resposta e intervenção. É como se no início nós esperássemos que tudo fosse simplesmente resolvido de alguma forma, que alguém simplesmente desse um jeito. No entanto, infelizmente, eu vi os poucos dias da quarentena se transformarem em semanas, e semanas se transformarem em meses, em longos meses, de mudanças e aceitações.
Longos meses de adaptações ao novo “normal”; longos meses de incerteza em relação a quando tudo isso finalmente acabaria; longos meses tendo que nos distanciar o máximo que pudéssemos pelo bem de todos; longos meses sem poder ter a mesma socialização que antes tínhamos, de poder encontrar e muito abraçar amigos, familiares, pessoas queridas. Longos meses sem poder sair de casa e respirar um ar fresco, sem ter que me preocupar com o vírus lá fora. Longos meses vendo pessoas morrerem, todo santo dia, por um mal invisível que se alastra rapidamente.
Longos meses de indignação, em ver pessoas não colaborando e comprometendo a vida do próximo, sem pensar nas consequências; em vê cidadãos não seguindo as normas, propostas pelas autoridades, e cometendo descuidos, de certa forma propositais, porque não se veem no dever de cooperar, contaminando outras pessoas, devido a sua irresponsabilidade e falta de empatia. Longos meses vendo a economia regredir; vendo famílias sem terem como se sustentar, devido as dificuldades que a pandemia tem proporcionado, por não terem uma renda fixa. Longos meses vendo, não só jovens, mas principalmente eles, ficarem ainda mais abalados psicologicamente pelo contexto em que estão inseridos. Longos meses que completaram ano, um ano de muitos acontecimentos que ficarão para a história. Um ano que a vida de muitas pessoas, se não a de todas, foram mudadas completadas.
Honestamente, esse tem sido o evento mais significante da minha vida, até agora. Como uma adolescente de 16 anos, jamais imaginaria que metade das coisas que aconteceram nesse “pequeno” espaço de tempo, mudaria tanto a minha visão de mundo. Acredito que, apesar de tudo que o aconteceu, tempos ruins nos ensinam muito a respeito daquilo que de fato deve ser levado em conta; tempos ruins nos forçam, de certa forma, a valorizar coisas que temos em nossas vidas, que antes não dávamos o devido valor; tempos ruins nos ensinam a desenvolver resiliência e nos dar esperança de que dias melhores virão. Esta deveria ser a única saída para quando você se vê em uma situação de impotência, como a que estamos vivenciando.
Bem, agora estamos em um novo tempo, a vacina chegou e com ela a confiança de que tudo vai melhorar, mais cedo ou mais tarde, assim nós só precisamos ter um pouco mais de paciência. Apesar de estarmos progredindo lentamente e as coisas ainda estarem um pouco longo de serem normalizadas por completo, é bom lembrar que o pior está passando e que um dia tudo o que nós estamos vivendo agora, será apenas um capítulo a mais nos livros de história e uma lembrança ruim que guardaremos na memória.
Não posso me esquecer daqueles que também fazem parte da história, mas que, infelizmente, não conseguiram sobreviver à luta contra a Covid, pois tiveram suas vidas ceifadas por ele. Milhares de famílias, em decorrência disso, carregam hoje no peito um vazio que não poderá ser ressarcido, uma saudade que não poderá ser saciada. Vidas que não poderão ser trazidas de volta, mas que também não serão esquecidas, porque a dor dos que ficam e a vida dos que foram jamais terão sido em vão.
Assim, aqui fica registrado um pouquinho daquilo que tenho vivido e posso traduzir em palavras, porque tem coisas que somente o coração sente e são impossíveis de escrevê-las. O meu desejo é que, diante de tudo isso, nos unamos pela mesma causa e que os nossos corações se encham de esperança de dias melhores, pois o choro pode durar uma noite, mas alegria pode vir pela manhã, assim como tão bem diz uma canção.