O Sol de Luiza

Era o início da tarde, logo no pingo de uma hora, quando o sol tinia na rodagem do povoado Baichão Grande, quando a menina Luiza calça sua chinela com o cabresto costurado, pelas repetidas vezes em que o danado insistia em quebrar, mas a Velha Doca com sua astúcia manual, sempre boa de remendo, fazia a velha e surrada chinela prorrogar o seu batido uso, para tristeza da sonhadora Luiza, no alto de seus seis anos.

– Ande Luiza! Deixe de moleza, a labuta no cocal nos espera – se apresse menina!

Luiza sem poder fugir de sua incumbência, tratava logo de atender ao chamado de sua avó, pois com ela não se cozinha o galo, o passar da hora é rápido.

Assim, Luiza parte na gigante estrada, que a deixava com a visão trêmula, escaldada pelo arder do sol, que cozinhava sua cabeça, escorrendo fileiras de gota de suor pelo seu rosto, enquanto sua avó avançava no caminho, com a pequena cabaça d’água a tiracolo, tocando o velho jumento, com suas indumentárias, próprias para a execução da tarefa de todo dia: uma cangalha e dois jacas de taboca, além do cofo e um amolado facão. Assim, no cambalear de suas patas, parecia sentir na pele o que Luiza procurava não demonstrar, pois a Velha Doca era a sua avó forte e valente, qualidades que ela também almeja. Não sabendo o jumento, o que lhe aguardava, o limiar da empreitada daquele dia, assim, iam engolindo caminho, levados pela força remendadora da Velha Doca.

A missão de catar coco no Baichão – exigia que fosse feita naquela hora, depois do pingo do meio dia, hora da sesta do Seu Gonçalo, um rico fazendeiro, de muitas terras, dono de uma D-10, que estava sempre limpa. Suas terras eram cercadas, e por trás dessas cercas tinha muito coco, amêndoa de muitas utilidades por aqui. Enquanto que na terra da Velha Doca, tinha mesmo, era muita areia, escaldada do sol, herança do seu falecido marido, o que lhe restou, depois de muitas questões na divisão dos bens com o outro herdeiro, que contam as línguas, foi muito esperto no espólio.

Entrar na fazenda de Seu Gonçalo, para catar coco, exigia fazer isso, às escondidas, porque Seu Gonçalo, embora não precisasse usufruir dos cocos, não aceitava que os precisados os aproveitassem, porque quem manda é quem tem. Mas a Velha Doca por precisão – sujeitava-se àquela tarefa, que fugia aos seus princípios, fato esse que não fora esclarecido à menina Luiza, o que a fazia encher a velha de questionamentos, próprio daquela idade, coisa que a velha encerrava logo.

 – Menina! Sossega, e caminha logo, que o sol tá quente.

Dessa ação, que não bem vista pela Velha Doca, dela dependia para o sustento de sua humilde casa de adobe vermelho e chão de barro, pois além de cozinhar com azeite de coco, fazia sabão e vendia o remanescente para o Seu Raimundo José, rico comerciante da Vila Franca. Da fortuna dessa venda, Luiza sempre tinha a esperança de ganhar um chinelo novo, o que era logo superado pelo pirulito de açúcar queimado, enrolado em papel almaço, com palito de palha de coco, habilmente confeccionado pela D. Ana de Seu Leó.

Mulher por essas bandas – sempre é de algum Dono, quando é solteira é do pai, quando casa, passa a ser conhecida como sendo do marido, quando o marido morre, ganha o título de viúva do finado tal. Com a D. Ana e muitas outras de sua iguala não era diferente.

Quando chegamos à fazenda do Seu Gonçalo, encontramos o primeiro obstáculo, essa forte e imponente cancela, feita de aroeira, madeira resistente dessa região, emoldurada pelo fruto do pensamento de que, manda quem tem,  também meticulosamente, amarrada com uma não menos forte, corrente e um cadeado, mas, para a Velha Doca, o obstáculo era superado logo.

Para a felicidade do seu velho jumento, amarrou-o em uma frondosa sombra de um pé de jatobá dos vaqueiros. Luiza, no entanto, não podia dizer o mesmo, pois a missão ficava cada vez mais difícil, só restava agora, passarem por baixo da cerca de arame farpado, e entrar de mata a dentro, carregando o cofo de palha cheio de coco, travando ai, uma violenta guerra entre o afiado facão e o mato fechado contra a força pungente do braço firme da Velha Doca.

Depois do jacá, encontrar-se pelo meio, o sangue já estava rente nas bochechas de Luiza, mas a missão ainda não estava completa, pois para tanto risco, de ser a Velha Doca pega com a boca na botija e ser desmoralizada na região, desfeita grande para uma velha viúva, tinham que completar o feito.

Quando finalmente, a última cofada vem para completar a bendita carga do jacá, que irá se repetir por muitas vezes, sempre no tinir daquela hora, enquanto não for descoberta nessa estripulia, aparece o que não queríamos imaginar na cena, que faz com que saiam correndo, a perder as pernas, segurando o coração na boca, a ponto de perdê-lo.

 – Corre Luiza!, gritou a Velha Doca. E sem rumo, na ligeireza de suas pequenas pernas, passa pela avó, que nem a velocidade de um relâmpago, fugindo daquela figura, que representava a visão não muito menor que o terror de serem pegas em flagrante delito, por um gigante, com chifres reluzindo, e ventanas ofegantes, já muito conhecido por sua fama de garrote valente de fúria incontrolável, com seus sedentos olhos descomunais, armado para o desfecho, que parecia a própria figura travestida de Seu Gonçalo.

 

Especialista em Gramática Textual pela UNTINIS. Especialista em Auditoria e Gestão Pública pela Fundação Albert Einstein. Licenciada em Letras (ULBRA). É Servidora Pública Estadual e Professora do Curso de Letras UAB/UNITINS. Atualmente está exercendo o cargo de Coordenadora de Extensão e Assuntos Comunitários na UNITINS, participa de projeto de pesquisa com outros pesquisadores do Grupo de Pesquisa Literatura, Arte e Mídia. E-mail aps.albetania@gmail.com