Reflexões sobre o processo de individuação na perspectiva junguiana: relato de experiência

O presente relato versa sobre a experiência vivenciada no encontro presencial do Grupo de Estudos em Psicologia Analítica do Tocantins – Quíron – do curso de Psicologia, do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA), realizado no dia 07 de maio de 2022, das 10h30 às 12h30, na Livraria Leitura, na Cidade de Palmas/TO. O encontro se deu no formato de roda de conversa, mediado pelo professor Sonielson Luciano de Souza, e teve como temática de discussão a obra de Murray Stein “Jung e o Caminho da Individuação: uma introdução concisa.” (STEIN, 2020), com objetivo de discutir sobre as etapas do processo de individuação.

No primeiro momento, o professor trouxe os principais recortes junguianos sobre o conceito de individuação, apresentados na referida obra. A partir de sua explanação, entendemos por individuação o processo de autoconhecimento que nos permite o encontro com nossa realidade e singularidade, com os nossos próprios desejos, para que possamos nos tornar uma pessoa autêntica e viver em busca de nossa autorrealização.

De acordo com Jung, a individuação é um processo dinâmico e permanente, uma tendência inata, de nos tornarmos conscientes e desenvolvermos a nossa consciência ao longo de nossa vida. Para isso, precisamos reconhecer e dialogar com o nosso self, isto é, com o nosso próprio “si-mesmo” (STEIN, 2020). No entanto, compreendemos que não é possível reconhecer toda a potencialidade do self, mas podemos identificar e integrar partes dele.

Fonte: Imagem de JL G por Pixabay

O self é a dimensão mais profunda do ser humano, uma estrutura psíquica que possui uma identidade consciente específica e gerencia a nossa personalidade, sobretudo os seus processos inconscientes (STEIN, 2020). Portanto, reconhecer e integrar o self consiste em “tomar consciência do que nos é dado, quer proceda da biologia, da história pessoal ou coletiva, ou do incessantemente criativo inconsciente, e desenvolver o que recebemos da melhor maneira possível” (STEIN, 2020, p. 12).

No segundo momento, foi proposto a discussão sobre três questionamentos relativos ao processo de individuação do paciente/cliente, percebido pelos psicólogos e estagiários de Psicologia na prática clínica: “se o paciente/cliente reduz a sua função egóica ou percebe que há algo além (self), se ele(a) está disposto(a)a fazer esse encontro com o self” e se está disposto(a) a pagar o preço. Através dos relatos percebemos que muitos pacientes/clientes tendem a persistir na não compreensão de si mesmo e a racionalizar o seu processo de vida, devido à dificuldade e/ou o medo de confrontar a sua realidade, de fazer o ‘mergulho’ em si mesmo e de reconhecer a sua sombra.

O termo “sombra”, na psicologia junguiana, diz respeito aos conteúdos reprimidos no inconsciente. Esses conteúdos são diversos e se referem a todos os aspectos de nossa personalidade que recusamos a reconhecer, tanto características negativas e positivas, quanto pensamentos, sentimentos, emoções, desejos e situações vivenciadas como traumáticas. Todavia, eles se manifestam de alguma forma para nós, sobretudo por meio dos sonhos e de nossas projeções (STEIN, 2006).

Nesse sentido, os diálogos nos possibilitaram uma reflexão importante: o processo de individuação é do paciente/cliente e cabe ao psicólogo reduzir a sua expectativa em relação ao processo terapêutico. Portanto, ele deve acolher o indivíduo (fazer a função ‘continente’), favorecer a construção do vínculo e da transferência positiva (que leva certo tempo e pode ocorrer ou não), e desenvolver sensibilidade e intuição para identificar o melhor momento e a melhor forma de intervir, por meio da dialética e de outras estratégias terapêuticas, sugeridas pelo método analítico, conforme as necessidades e as predileções de cada paciente/cliente.

Fonte: Imagem por storyset no Freepik

No terceiro momento, as discussões foram focadas na persona, um termo que Jung se apropriou e o amplificou no contexto psicológico. Nesse sentido, significa “pessoa tal como se apresenta, não a pessoa como ela é”. Trata-se de um “constructo psicológico e social adotado que se relaciona com o desempenho de papéis na sociedade” (STEIN, 2006, p. 102).

Na clínica, é comum a hiperidentificação do paciente/cliente com as suas personas e, muitas vezes, isso ocorre de forma inconsciente. A esse processo Jung denominou de fixação ou possessão, ou seja, quando a pessoa está fixada em uma persona ou possuída por ela (STEIN, 2006). Logo, é uma das metas da individuação reconhecê-las e aprender a transitar entre elas de acordo com as exigências de cada situação, de forma consciente, sabendo que elas são parte de sua personalidade e não a sua totalidade. A esse processo Jung denominou função transcendente – capacidade de transcender as fixações e encontrar o meio termo. E isso só é possível quando existe um diálogo entre o consciente (ego) e o inconsciente (self).

Por meio dessas reflexões compreendemos que a individuação é um processo constante e dinâmico, que envolve todos os aspectos de nossa vida e nos permite lidar com os conflitos intrapsíquicos e interpessoais, de modo que possamos negociar os nossos próprios desejos com as exigências sociais e viver uma vida que faça, verdadeiramente, sentido para nós.

REFERÊNCIAS

STEIN, M. Jung e o caminho da individuação: uma introdução concisa. Tradução de E. L. Calloni. São Paulo: Cultrix, 2020.

STEIN, M. Jung e o mapa da alma: uma introdução. Tradução de A. Cabral. 5ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006.