CAPS III – Leste: A vida pulsa lá fora

Trago neste relato, a experiência de um estágio profissionalizante em psicologia, realizado no ano de 2012, no CAPS III – Leste do município de Natal-RN, pela Universidade Potiguar.

Levei para o estágio não só a alegria de poder estar inserida em um campo que me impliquei desde muito cedo dentro da academia, que é riquíssimo de atuação e de produção de novos modos de subjetivação a partir do encontro das diferenças, mas levei também angustia e o medo por estar em um território de surpresas, de inesperados e de grandes dificuldades, uma vez que a atuação é em um serviço que faz parte do nosso Sistema Único de Saúde (SUS) e que como tantos outros, passa por algumas dificuldades.

O CAPS III LESTE fica situado na Rua Mipibu, 404, em Petrópolis, Natal, Rio Grande do Norte, sendo um local de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e persistentes e demais quadros que justifiquem sua permanência num dispositivo de atenção diária, personalizado e promotor da vida (Secretaria de Saúde do Ceará, 2011).

Uma característica fundamental dos CAPS é o trabalho em equipe. Esta forma de trabalhar também é uma proposta antimanicomial na medida em que visa articular e agregar saberes. A clínica do CAPS acontece, predominantemente, no coletivo, no social e privilegiam-se os espaços de convivência, as oficinas, as assembleias, enfim, as atividades em grupo. É claro que nesse coletivo, há várias particularidades que precisam ser escutadas e há espaço para isto também.

A partir dos primeiros encontros, surgem minhas impressões do local. Impressões estas, que tomaram forma de empatia e acolhimento, uma vez que, apesar de sentir um pouco da dinâmica e da “loucura” que é um CAPS III, me senti acolhida e bem recebida não só pelos membros da equipe, mas pelos próprios usuários que muito curiosos, já me abordaram com carinho e perguntaram quem era eu e o que estava fazendo ali.

O carro chefe deste Serviço é sem duvidas as Oficinas Terapêuticas, onde cada técnico tenta criar de acordo com sua especialidade e com os interesses dos usuários esses espaços terapêuticos, contando com a colaboração dos demais profissionais, dos estagiários e adesão dos usuários.

Cada oficina tem seus objetivos e metas a serem trabalhadas, visando resgatar, desenvolver e potencializar as funções cognitivas, a criatividade, a sociabilidade, a interação com o cotidiano dos usuários. Lembrando que essas oficinas são avaliadas periodicamente, considerando a motivação e participação dos usuários, as criticas e sugestões trazidas por eles, para que se potencializem os recursos desses espaços ou que sejam substituídas por outras atividades de maior interesse, de acordo com os elementos destas avaliações.

A Oficina em que me engajei e tive uma participação mais ativa, foi a de Passeio. Ela acontecia todas as terças pela manhã, sob o apoio técnico da psicóloga Conceição Valença (CRP: 0383-RN) e das outras 3 estagiárias, tendo em média a participação de 25 usuários.

Como o próprio nome já sugestiona, a Oficina de Passeio pauta-se em ações que visam a ressocialização e a retomada de vida e de capacidade de pensar dos usuários, levando-os para conhecer o território onde circulamos, resgatar lembranças, histórias de vida, além de apresentar-lhes um mundo antes desconhecido e/ou interrompido, pelos muros dos hospitais psiquiátricos.

Nela os usuários tem a oportunidade de visitar museus, Institutos, teatros, câmara municipal, assembleia legislativa, prefeitura, exposições de artes que acontecem na cidade, vão à praia, conhecem praças, outras cartografias, enfim, tem acesso a todo um contexto e convívio social, que antes não lhes era permitido em tratamento.

E não é só isso, este movimento de sair para as ruas também proporciona uma interação com a sociedade, criando e possibilitando novas formas de pensar, sentir e viver esta inserção, não só por parte dos usuários, mas também da população, acreditando que a desinstitucionalização consiste em múltiplas formas de se tratar o sujeito em suas relações de vida, sendo um processo que não se reduz só a reestruturação de técnicas e serviços, mas sim um processo ético que reconhece o sujeito e seus direitos e dá novas possibilidades de reprodução social.

Os locais para onde serão realizados os passeios são previamente selecionados, priorizando sempre acontecimentos culturais. Geralmente tínhamos mais de uma opção, elas eram apresentadas para o grupo, e eles escolhiam por meio de votação, para onde queriam ir.

A maior parte dos trajetos foi feita a pé, porque hoje em dia a Secretaria responsável não disponibiliza mais os vales transporte, mas em outro tempo, também se pegava ônibus e podíamos ir para lugares mais distantes. Tal fato tem limitado os espaços a serem visitados, pois temos que circular apenas pelo território, e em lugares mais próximos ao serviço.

Em minha concepção, esta é a Oficina mais importante e mais “viva” do serviço, não só por proporcionar uma incursão pelo social, mas por ser uma facilitadora de experiências reais de desinstitucionalização, que é uma das premissas da Reforma Psiquiátrica. Assim como lembra Rotelli (2001),

“Desinstitucionalização é, sobretudo, um trabalho terapêutico, voltado para a reconstituição das pessoas, enquanto pessoas que sofrem, como sujeitos. Talvez não se resolva por hora, não se cure agora, mas, no entanto seguramente se cuida.” (Rotelli, 2001, p.33).

Trabalhamos durante os passeios além de regras de convívio social, processos básicos do cérebro como a memória, a orientação auto e alopsiquica, atenção e senso percepção, valorizando sempre as potencialidades e habilidades desenvolvidas por cada um.

Mensalmente eram realizados 3 passeios e todos foram fotografados, além de filmarmos alguns depoimentos sobre o que eles acharam de cada local visitado. Na ultima terça era apresentado um vídeo (de minha produção) com este conteúdo para que eles pudessem avaliar o que foi feito. Era um momento muito rico, onde eles se reconheciam nos contextos e falavam sobre como perceberam cada momento.

Hoje, o estágio concluído, digo com convicção que cheguei ao CAPS III num momento conturbado, quando nos remetemos à falta de insumos para o trabalho. Ao longo do estágio, passamos por falta de água, comida, medicamentos, salários atrasados, dentre outras carências. Vivi este estágio em uma rede de saúde sucateada e um tanto quanto distante do proposto pela Reforma Psiquiátrica.

Assim, ao apresentar esta pequena contribuição, espero somar àqueles que assim como eu, estão comprometidos em conquistar melhores políticas e melhores serviços que promovam e protejam os direitos e a vida das pessoas que necessitam, e dependem de atenção em saúde mental.

Referências

ROTELLI, F. et. al. Desinstitucionalização uma outra via: a reforma psiquiátrica italiana no contexto da Europa Ocidental e dos países avançados. In: NICÁCIO, F. (org.). Desinstitucionalização. São Paulo: HUCITEC, 2001. p. 17-59.

Disponível em: http://www.saude.ce.gov.br/index.php/politicas-de-saude/organizacao-de-servicos/atencao-especializada/44758-saude-mental Acessado em: 09/01/2013.

Fotos da Oficina de Passeio:

(Visita a Catedral do município de Natal-RN) (Visita ao Museu do IFRN)

(Visita a Pinacoteca de Natal)

(Visita ao Museu do IFRN)

(Avaliação dos passeios)

(Visita ao Museu da Cultura Popular, Djalma Maranhão)

(A VIDA PULSA LÁ FORA! Movimentação em comemoração ao dia 18 de maio)