O Que Fica no Silêncio

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Um garoto de dezesseis anos com um mundo interno mais vasto que qualquer oceano, mas que vive preso à maré baixa do cotidiano, observa a vida com olhos que misturam a beleza e o caos, ele é o tipo de adolescente que escreve cartas imaginárias para si mesmo no futuro. Suas palavras não são otimistas, nem mesmo desesperadas, oscilando num tom agridoce, como se ele quisesse, ao mesmo tempo, rir de si mesmo e se abraçar.

Esse garoto não é bom em conversas diretas. Em vez disso, ele assiste às interações dos colegas, como quem assiste a uma peça onde esqueceram de entregar o seu roteiro para o teatro. Ele estuda os gestos dos outros como quem monta um quebra-cabeça existencial, tentando descobrir onde encaixa a própria peça. No intervalo, ele não está perdido, mas também não está presente. Finge mexer no celular, mas escuta cada palavra dita no grupo ao lado. Repara em como alguém desvia o olhar quando ri, ou como a entonação de uma voz se altera sutilmente quando está com medo de não ser aceito.

Para o garoto, cada expressão facial é um código, cada silêncio é uma lacuna onde ele deposita suas projeções. Esse hábito, que virou quase um vício de analisar o mundo ao seu redor, é, na verdade, sua maneira de se proteger da própria confusão interna. Se ele conseguir decifrar os outros, talvez entenda a si mesmo. Mas a verdade é que está sempre construindo versões alternativas de tudo, de seus pais, da garota que gosta, de si. Ele vive entre a realidade e o que ela poderia ser, e é nesse intervalo que ele mais sofre, e mais cria.

Essa tendência à observação meticulosa o afasta da espontaneidade. O garoto não vive tanto quanto guarda os acontecimentos. Em vez de beijar, ele antecipa como será lembrado o beijo. Em vez de se entregar a um abraço, ele se pergunta se esse será o último. Existe beleza nisso, mas também um certo tipo de prisão.

Há essa garota que gosta, fuma escondida atrás da escola, mas não porque quer parecer rebelde. Ela fuma porque o silêncio do cigarro entre uma tragada e outra é o único intervalo de tempo em que ninguém exige que ela diga algo inteligente, engraçado ou sarcástico. E, mesmo nesses momentos, ela ri sozinha como quem disfarça sua própria tristeza.

Ela parece estar sempre dez passos à frente do mundo, mas a verdade é que ela simplesmente parou de esperar que o mundo acompanhasse seu ritmo. Cresceu rápido, não por escolha, mas por necessidade. O divórcio dos pais, o quarto dividido com irmãos, e a rotina de cuidar da própria comida desde os doze anos, forjaram nela um tipo de praticidade quase cínica. Não tem tempo para idealizações, ela testa o amor como quem testa a água com o dedo do pé, entra, mas nunca mergulha.

Quando eles se conhecem, algo nela hesita. Ele a olha como se estivesse diante de um enigma mágico, como se cada palavra dela carregasse camadas e significados ocultos. No início, ela acha isso divertido, depois incômodo, pois gosta de ser vista, mas não decifrada. 

Eles ainda se esbarram às vezes. Um aceno contido, um meio sorriso. Um olhar rápido que dura mais do que deveria. E é isso, não há grandes gestos, nem promessas quebradas. Só duas vidas que tocaram uma à outra por um tempo, e depois seguiram… ou fingiram seguir.

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