Anne Frank e a força das palavras: como a escrita pode ser terapêutica

Maria Laura Maximo Martins – mlauramaximo@rede.ulbra.br

O ano era 1942 quando o n4z!smo estava no auge, em plena Segunda Guerra Mundial. Dentre os diversos grupos perseguidos e recriminados pelo sistema extremista, estavam os judeus. Nesse contexto histórico, várias famílias, em uma luta pela sobrevivência, buscaram formas de fugir do aprisionamento e dos temíveis campos de concentração. Um desses grupos de familiares era o de Anne Frank: juntamente com os pais e a irmã mais velha – e também outros quatro amigos -, se esconderam no fundo de um prédio localizado na cidade de Amsterdã, onde ali funcionava um armazém. Atualmente, o prédio recebe milhares de visitantes anualmente e é um dos museus famosos do país.

Foram dois anos em que a rotina destes indivíduos se resumiu a um lugar totalmente restrito, sem nenhum contato com o mundo externo. Recebiam apenas algumas visitas de colegas-auxiliadores que com certa frequência iam até o esconderijo renovar os seus mantimentos. Foi nesse período de absoluta reclusão que a pequena Anne Frank, de 13 anos, começou a escrever. Em seu último aniversário havia sido presenteada com um diário – apenas dois meses antes de fugirem às pressas para o anexo secreto. Agora, mundialmente conhecido, a obra “O diário de Anne Frank” retrata acontecimentos do abrigo, seus sonhos, seus sentimentos e pensamentos, bem como os pesares por vivenciar uma situação tão hedionda e desumana.

Foto: acervo pessoal de livros.

Pelo fato de a Alemanha ter invadido a Holanda desde o ano 1940 e o antissemitismo ter se propagado fortemente, os judeus já viviam com muitas restrições sociais e sentiam na pela a dor da liberdade reduzida. Sendo assim, o momento de comemorar seu aniversário em casa e receber presentes, fez com que a jovem se sentisse feliz e esquecesse um pouco das dificuldades que já estava vivenciando. 

O objeto que mais a alegrou ao receber, foi seu diário de capa quadriculada em vermelho e branco. Prontamente Anne apelidou o diário sob o nome de Kitty, afirmando que a mesma seria sua amiga e começou a escrever à mão, de maneira pura, sincera e emocionante. Por conter suas verdades mais profundas, tornou-se uma obra amplamente conhecida e estimada mundialmente que marcou a era do Holocausto e serve como fonte primária acerca de um período tão obscuro.

Ao adentrar-se pelos pormenores do ato de escrever, encontram-se dados empiricamente sustentados e embasados cientificamente através de pesquisas e estudos que confirmam o fato de que a prática da escrita pode trazer benefícios para o indivíduo que utiliza o método de escrever para externar o mundo interno que existe dentro de si. Seguindo essa lógica, é possível realizar uma hipótese palpável à respeito de Anne e o registro seu pessoal feito em um diário durante o tempo aprisionada: pode-se concluir que o hábito de se expressar usando apenas um papel e uma caneta serviu para distraí-la e atuou como um conforto em muitos momentos.

Fonte: acervo pessoal de livros.

Dentre os diversos relatos contidos no decorrer das páginas, percebe-se uma menina adolescente que, apesar das suas limitações e da sua idade, transmite bastante lucidez em suas colocações e se sente livre para expressar-se. Suas ideias são ordenadas e bem detalhadas; perpassamos por histórias dolorosas, engraçadas, raivosas, emotivas, ansiosas, sonhadoras, às vezes recheadas de medo… E no decorrer de todo o livro autobiográfico, somos embalados por suas diversas narrativas sobre as distintas situações de sua vida.

Sendo assim, constitui-se como um livro fácil de ser lido por sua fluidez e linguagem, porém ao mesmo tempo denso por conter afirmações profundas do seu eu-interior divinamente cristalizadas tornando-as mais reais para o leitor. Por ter esse perfil de escrita, pode-se afirmar que, ao organizar aquilo que se passava em sua mente, tenha conseguido ter mais clareza e controle do seu mundo interno e externo, o que proporcionaria automaticamente certo alívio e um esvaziamento de emoções e sensações que muitas vezes podiam ser sufocantes se ficassem guardadas, silenciadas. Ou seja, mesmo em risco constante de serem descobertos no esconderijo, a adolescente Anne conseguiu alimentar seu lado humano e a compreensão relativa no que concerne a ameaça, criando um contexto propício para olhar para o seu lado emocional e psíquico, atribuindo valor e significado às dificuldades radicais.

Fonte: acervo pessoal de livros.

Referências

BENETTI, I. C.; Oliveira, W. F. O poder terapêutico da escrita: quando o silêncio fala alto. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental. Florianópolis, v.8, n.19, p.67-77, 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/download/69050/41531/241251>. Acesso em 15 de mar. 2023.

FRANK, A. 1929-1945. Obra reunida: Anne Frank. Tradução de Cristiano Zwiesele do Amaral. 1ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2019.

SANTOS, M. M. Um olhar sobre o “Diário de Anne Frank”. Orientador: Prof. Doutora Maria Antónia Trigueiros de Castro Carreiras. Dissertação (Mestrado) – Mestre em Psicologia Clínica. Instituto Universitário Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida. 2012. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/70652147.pdf>. Acesso em 15 de mar. 2023.