Crise e arte em Arthur Bispo do Rosário

Arthur Bispo do Rosário nasceu em Japaratuba/SE em 1909. Em 1925, muda-se para o Rio de Janeiro, onde começa a trabalhar na Marinha Brasileira e na Companhia de Energia Elétrica do Rio de Janeiro – Light. “O passado de Arthur Bispo do Rosário é praticamente desconhecido. Sabe-se apenas que era negro, marinheiro, pugilista, lavador de ônibus e guarda-costas” (MORAIS, 1989). Após um surto psicótico em 22 de dezembro de 1938, em que acreditou ter visto Cristo, descendo a terra, rodeado por uma corte de anjos azuis, e afirmar ter recebido a missão de recriar o universo para apresentar a Deus no dia do Juízo Final. Bispo se abriga em um monastério que o encaminha ao Hospital dos Alienados na Praia Vermelha no Rio de Janeiro. Sem recuperar-se e, diagnosticado esquizofrênico paranoide, foi internado na colônia Juliano Moreira onde permaneceu até sua morte em 1989.

Fonte: https://goo.gl/sBWXzM

Período na colônia Juliano Moreira

A colônia Juliano Moreira foi construída com o fim específico de atender os doentes mentais diagnosticados incapazes de convívio social. Sua extensão de mais 7.400.000 m2 propunha humanizar a loucura e propiciar aos doentes um ambiente que desse a ideia de liberdade, pelo seu entorno, e assim possibilitar que os doentes problemáticos afins pudessem conviver socialmente e até voltar a ser produtivos, conseguirem executar tarefas consideradas úteis para o seu dia a dia. Durante algum tempo, Bispo trabalhou na cozinha da Colônia, portanto era considerado um interno produtivo. Alguns doentes considerados “menos perigosos” tinham autorização para saírem da Colônia e voltarem quando quisessem. Mas, internamente, a terapêutica ainda era de submeter o cidadão a eletrochoques e contenção física, até poder medicalizá-los e consequentemente dopá-los, para diminuir episódios de confrontos de caráter físicos.

Ficha de interno na Colônia Juliano Moreira. Fonte: https://goo.gl/UDax2N

Mesmo vivendo em um espaço restrito e sem comunicação verbal efetiva com os outros e com o mundo criou mecanismos em sua malha intelectiva produz por volta de mil peças com materiais retirados do seu cotidiano. Entretanto,

O interesse na obra de Bispo reside no conjunto da produção com o seu método de trabalho, que consiste em uma metáfora romântica sobre ser artista: ele, no interior de sua cela, desfiava seus uniformes de interno para obter fios azuis desbotados com os quais bordava sua cartografia, mumificava os objetos do seu cotidiano. O artista desnuda-se, despoja-se para dar existência á obra, assinalando a transitoriedade do corpo em oposição á permanência do trabalho (MESQUITA, 1989).

A palavra estética vem do grego aesthesis, que significa conhecimento sensorial ou sensibilidade, e que foi (re)conceituada pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten (1714 – 1762) para nomear o estudo das obras de arte como criação da sensibilidade, tendo por finalidade o belo. Embora a expressão “estética” tenha uso recente para designar essa área da filosofia, ela já era abordada sob outros nomes desde a Antiguidade.

Bordados que contam histórias reais e imaginárias. Fonte: https://goo.gl/UDax2N

Crise e a relação com as obras artísticas

Para compreender as obras de Bispo e elaborar qualquer juízo sobre a sua poesia estética é necessário conhecer sua vida e as circunstâncias. O movimento de criação artística de Bispo do Rosário se deu no diálogo arte/loucura. Porém como diz Silva:

É de se lembrar, ainda, que a loucura não é prenúncio obrigatório para a arte. […] A esquizofrenia em si, não é pré-requisito para a criação. Bispo é caso raro. Rico e qualitativo, tanto para o estudo da loucura criativa, quanto da possibilidade de a desrazão se tornar, por meio da ação, um universo de expressão criativa ou do eu associado. Tem, ainda, relevância como vontade intrínseca e independente do ser, ainda que subjulgado ao espaço de coação, sem condições ou reforços mínimos para a prática de qualquer forma de expressão (SILVA, 2003).

Criações do ex-marinheiro: referências do uniforme naval. Fonte: https://goo.gl/UDax2N

A originalidade que reveste a obra de Bispo é fruto de vários fatores a ausência de formação acadêmica, a sua não relação com tempo cronológico, a falta de convívio social, e escassez de matéria prima especializada. Segundo Mello (2000): “um ser que não teve ateliê, nem incentivo por parte do meio, construiu uma obra impulsionado por seu interior, de uma extrema contemporaneidade, rompendo e pondo em questão os próprios meios de que a arte se faz” (MELLO, 2000).

O conceito de saúde e de normalidade em psicopatologia é questão de grande controvérsia (FILHO, 2000). Obviamente, quando se trata de casos extremos, cujas alterações comportamentais e mentais são de intensidade acentuada e de longa duração, o delineamento das fronteiras entre o normal e o patológico não é tão problemático. Segundo Dalgalarrondo (2008) “O conceito de normalidade em psicopatologia também implica a própria definição do que é saúde e doença mental”. Portanto, há vários critérios de normalidade e anormalidade em medicina e psicopatologia. A adoção de um ou outro depende, entre outras coisas, de opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas do profissional (CANGUILHEM, 1978).

Cama de Romeu e Julieta. Fonte: https://goo.gl/UDax2N

A obra e vida de Arthur Bispo do Rosário inserem-se em debates sobre o preconceito, os limites da insanidade e a arte no Brasil. Tido como louco por alguns, participa ativamente da reforma psiquiátrica na época delineada no país. Percebe-se que, apesar de interno em um centro manicomial, Bispo do Rosário, que não teve estímulos nem recursos financeiros para produzir a arte, a fez com o que tinha e traçou uma filosofia para entendê-la, vindo a tornar-se um expoente da arte plástico no Brasil.

 

Referências:

CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978.

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2008.

FILHO, Almeida. O conceito de saúde: ponto-cego da epidemiologia? Revista Brasileira de Epidemiologia, v.3, n. 1-3, p. 20, 2000.

MELLO, Luiz Carlos. Flores do Abismo. In: Mostra do e descobrimento, 2000, São Paulo. Imagens do Inconsciente, São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000.

MESQUITA, Ivo. Arthur Bispo do Rosário. GALERIA: Revista de arte. São Paulo, n.17, 1989.

MORAIS, Frederico. A reconstrução do universo segundo Arthur Bispo do Rosário. In: Arthur Bispo do Rosário: registros de minha passagem pela terra. Belo Horizonte: Museu de Arte, 1990.

SILVA, Jorge Anthonio e. Arthur Bispo do Rosário – Arte e Loucura. São Paulo: Quaisquer, 2003.