Felipe Neto e o marco regulatório e as mídias sociais

Como o youtuber está contribuindo para o debate sobre a necessidade da regulação das mídias sociais

Nayara Batista de Araújo. E-mail: nayaraaraujo@rede.ulbra.br 

Felipe Neto foi um dos youtubers pioneiros no Brasil e está entre os mais influentes produtores de conteúdo da plataforma, mesmo após 13 anos desde o início das atividades do seu canal. Geralmente com tom cômico mesclado com uma certa agressividade, Felipe Neto ganhou notoriedade expondo opiniões e posicionamentos controversos. No entanto, atualmente tem adotado uma postura mais amena e comedida. Neste sentido, conseguimos perceber seu processo de reinvenção ao longo dos anos. Não podemos deixar de destacar que a  flexibilidade, em um mundo de mudança constante, parece ser o ingrediente fundamental para se permanecer social e virtualmente importante. 

Afinal, quem é Felipe Neto? Felipe nasceu em 21 de janeiro de 1988, no bairro do Engenho Novo, subúrbio do Rio de Janeiro, onde vivia com a família. De origem humilde, começou a trabalhar desde muito cedo, ainda aos 13 anos, em uma loja que comercializa itens de metal para camelôs. Já aos 14 anos, abriu uma empresa de tele mensagem, que acabou falindo pouco tempo depois. Entrou no teatro pela primeira vez aos 12 e dedicou sua vida ao sonho de ser ator. 

Ademais, aos 22 anos, abandonou  tudo para se dedicar exclusivamente à carreira, após o sucesso do seu canal no YouTube. Criou empresas a partir do êxito obtido através de seu canal, que hoje emprega dezenas de pessoas no Rio de Janeiro. Felipe ampliou significativamente seu campo de atuação na Internet e hoje é um dos maiores nomes do empreendedorismo digital e tem um dos maiores canais do YouTube no Brasil.

Felipe Neto começou sua jornada no YouTube postando vídeos no seu canal “Não faz Sentido” desde abril de 2010, quando tinha 22 anos, caracterizados com tom cômico e muitas vezes com abordagens mais agressivas. Em tais vídeos, tinha o hábito de permanecer em pé diante da câmera, usando óculos escuros.

Felipe conseguiu ser o primeiro youtuber a conquistar um milhão de seguidores na plataforma de vídeo no Brasil, em agosto de 2012. Recentemente, seu canal mudou de título e leva agora o seu próprio nome, “Felipe Neto”, e o “Não faz sentido” virou apenas um quadro entre os muitos de seu atual canal.

Atualmente, com seu canal acumula 11 milhões de inscritos, sendo um dos maiores do país, e estando entre os dez mais influentes do mundo no YouTube. Nas redes sociais, o perfil de Felipe Neto acumula mais de 3 milhões de seguidores no Instagram, 300 mil visualizações nos vídeos do SnapChat, quase 4 milhões de seguidores no Facebook e 6 milhões no Twitter. Recentemente fez um discurso sobre o marco regulatório na ONU, sendo convidado para participar de um fórum mundial da Unesco, podendo debater  propostas para regulamentar as redes sociais e combater a desinformação e fake news.

Vejamos como é interessante essa mudança vivenciada por Felipe Neto. Conforme já destacamos, seu início na internet prosperou a partir de um discurso truncado e um tanto agressivo. Hoje Felipe Neto se aconchega em um posicionamento mais ameno e defende a liberdade de expressão nas redes sociais, porém, respaldada por leis regulatórias. 

Há várias razões para justificar um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil. Uma delas é a atual falta de pluralismo e diversidade na mídia, que esvazia a mídia de sua dimensão pública e exige ações afirmativas para combatê-la. Outra é que a legislação brasileira na área de comunicação está desatualizada, não atende aos padrões internacionais de liberdade de expressão e não aborda questões atuais como inovação tecnológica e convergência de mídias (DANTAS, 2013).

Fonte: Eduguim (2013).

Além disso, a legislação é fragmentada e multifacetada, composta por diversas leis que não dialogam nem mantêm coerência entre si. Por fim, a Constituição Federal de 1988 ainda carece da maior parte dos dispositivos sobre correspondência (artigos 220, 221 e 223), e mesmo após 23 anos de ratificação, ainda faltam temas importantes como a limitação de monopólios e oligopólios e a regionalização da produção Referências legais. Assim, prevalece a falta de regulamentação, o que apenas dificulta o exercício da liberdade de expressão por toda a população (DEMARCHI; KERBAUY, 2018).

A ausência de tal marco legal beneficia o pequeno número de empresas que hoje se beneficiam da alta concentração da indústria. Esses grupos muitas vezes impedem a difusão de ideias e pontos de vista dos quais discordam e impedem que os cidadãos exerçam plenamente seus direitos à comunicação e à liberdade de expressão, afetando a democracia brasileira. Para ser clara, todas as principais democracias do mundo têm seus próprios marcos regulatórios no campo das comunicações (DEMARCHI; KERBAUY, 2018).

Em países como Reino Unido, França, Estados Unidos, Portugal e Alemanha, a existência dessas citações não constitui censura, mas significa maior liberdade de expressão para amplos segmentos da sociedade. Em todos esses países, não existem apenas leis que regulam o setor, mas também instituições dedicadas à tarefa regulatória. A Relatoria Especial da OEA sobre Liberdade de Expressão destacou em sua agenda de trabalho o papel do Estado na promoção da diversidade e do pluralismo na radiodifusão (DEMARCHI; KERBAUY, 2018).

A moderação de conteúdo tem vários efeitos negativos sobre os usuários e os direitos que eles exercem no ambiente digital. Ou seja, é preciso levantar os perigos da revisão de conteúdo nesta seção e questionar a legitimidade do conteúdo julgado pela plataforma. No entanto, com o objetivo de validar o marco legal da moderação de conteúdo no Brasil, é necessário tornar públicas as propostas de regulamentação da moderação de conteúdo na experiência internacional, para posteriormente discuti-las à luz das propostas legislativas e jurisprudenciais brasileiras (HOFFMANN-RIEM, 2019).

A julgar pelas atividades de revisão de conteúdo, existem significados como restrição da liberdade de expressão, acesso a conteúdo sensível, descrição dos revisores, controle do discurso público e exclusão de conteúdo público. Neste momento, cabe questionar como se avalia a legalidade do conteúdo, de forma a questionar se a plataforma julga o conteúdo, até que ponto a plataforma julga a legalidade da filtragem de conteúdo, e apaga o conteúdo por defeito (ABBOUD; NERY JR; CAMPOS, 2020).

Sem controles sociais e estatais, a moderação de conteúdo nesses ambientes é feita em grande parte pelas próprias plataformas, fazendo com que os espaços públicos sejam regulados por empresas privadas sem a devida prestação de contas ao Estado, ou contando com termos e condições (TeC) opacos e não conformidade. Os direitos humanos e a legislação nacional representam riscos significativos à liberdade de expressão e à qualidade das informações divulgadas e alcançadas pelos usuários (RODRIGUES; BONONE; MIELLI, 2021).

Portanto, dada a influência das plataformas de redes sociais no debate público, sua regulamentação torna-se relevante e imprescindível pela possibilidade e necessidade de estabelecer transparência e regulação social sobre assuntos de interesse nacional em ambiente de controle privado. No Congresso Nacional brasileiro, desde 2018, diversas propostas que visam estabelecer a regulamentação das plataformas digitais vêm sendo tratadas, variando gradativamente entre a desregulamentação total do mercado e o excessivo controle estatal sobre objetos de direitos fundamentais (RODRIGUES; BONONE; MIELLI, 2021).

Muita atenção está sendo dada ao fato de que o Projeto de Lei 2.630 de 2020 está em tramitação na Câmara dos Deputados após ser aprovado pelo Bundesrat, e ao longo de 2021 haverá várias audiências públicas para discutir o projeto e a desinformação – é isso que o Câmara dos Deputados está se concentrando em O objeto principal é proposto. Com isso, os debates sobre regulamentação de plataformas, que ocorrem em boa parte do mundo, tendem a ganhar peso no Brasil (ABBOUD; NERY JR; CAMPOS, 2020).

Novas formas de regulação são exigidas devido às novas dinâmicas econômicas, nomeadamente a desregulamentação dos mercados e a privatização dos espaços públicos. No entanto, essa necessidade deve ser acompanhada de garantias – e não ameaças – dos direitos fundamentais. Propostas normativas que permitam uma regulação democrática e pluralista com base em princípios jurídicos estão, portanto, bem colocadas aos olhos de diversos autores (AZEVEDO, 2020).

A autorregulação regulada é uma alternativa relevante para tentar adequar as empresas privadas à legislação porque estabelece um diálogo entre o setor privado, grupos de interesse e reguladores estatais sem sufocar o desenvolvimento econômico e tecnológico, não apenas preservando, mas possivelmente promovendo a liberdade de expressão. A convergência regulatória, como ferramenta facilitadora, pode ser vista como subsídio e suporte para a formação de novos marcos regulatórios, novos reguladores e manuais internos de compliance, pois sua aplicação legal é realizada de acordo com o arcabouço já estabelecido, simplificando a lei de meio ambiente e regulamentação (BALKIN, 2020). 

O exemplo da lei alemã que estabelece responsabilidade por plataformas digitais também mostra que a mesma matéria regulatória não deve ser atribuída a diferentes contextos, mas que novos marcos podem – e devem – ser desenvolvidos levando em consideração exemplos internacionais. No exemplo dado, infere-se que um movimento convergente em matéria jurídica também pode ser observado em dispositivos legais fora do contexto brasileiro (POLETTO; MORAIS, 2022).

A influência da web nas últimas eleições certamente sugere que o debate sobre a forma mais equilibrada de garantir direitos e limitar comportamentos ilícitos na Internet será o foco de atenção nos próximos anos. Combater a desinformação é apenas o lado mais visível do debate, que aborda questões complexas como restrições à liberdade de expressão, papel dos provedores na moderação de conteúdo, transparência de algoritmos, mecanismos de monetização e tratamento de dados pessoais (POLETTO; MORAIS, 2022).

Espera-se que o Congresso aprove instrumentos antes da eleição em uma tentativa de combater a onda de desinformação. Isso não ocorreu principalmente por discordância quanto à redação do PL nº 2630/20. O Projeto de Lei 2.768/2022, apresentado após o término da legislatura, deu à agência a capacidade de supervisionar plataformas digitais, incluindo redes sociais, serviços intermediários, ferramentas de busca, plataformas de compartilhamento de vídeos e muito mais (POLETTO; MORAIS, 2022).

Imagem do Congresso Nacional do Brasil
Fonte: Congresso Nacional

O desenho regulatório do terceiro governo Lula para as redes sociais não será simples. A Internet não é ilegal no Brasil. Aliás, dada a vanguarda do país no tema, não faltam leis, projetos de lei e decisões judiciais que visam proteger direitos e combater condutas ilícitas online.

Referências

ABBOUD, G.; NERY JR, N.; CAMPOS, R. Fake news e regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2020.

AZEVEDO, C. H. A. J. A regulação dos serviços over-the-top de vídeo streaming por assinatura no Brasil: uma proposta à luz do modelo de autorregulação regulada. Revista de Direto, Estado e Telecomunicações, vol. 12, no. 2, 2020, pp. 133-171.

BALKIN, J. M. How to Regulate (and Not Regulate) social media. Knight Institute Occasional Paper Series, no. 1, 2020.

DANTAS, M. Comunicações, desenvolvimento, democracia: desafios brasileiros no cenário da mundialização mediática. São Paulo: Perseu Abramo, 2013.

DEMARCHI, C. K.; KERBAUY, M. T. M.. A democratização da mídia no Brasil pós-Confecom (2010-2017): proposta de um estudo de caso. Revista Mídia e Cotidiano, vol. 12, no. 1, 2018, pp. 82- 92.

EDUGUIM. EUA, França e Inglaterra regulam a mídia igual à Argentina. Blog da Cidadania, 2013. Disponível em: <https://blogdacidadania.com.br/2013/11/eua-franca-e-inglaterra-regulam-a-midia-igual-a-argentina/>. Acesso em: 15 de março de 2023.

HOFFMANN-RIEM, W. Autorregulação, autorregulamentação e autorregulamentação regulamentada no contexto digital. Revista da Ajuris, vol. 46, no. 146, 2019, pp. 529- 553.

POLETTO, Á. E.; MORAIS, F. S. de. A moderação de conteúdo em massa por plataformas privadas de redes sociais. Prisma Jurídico, São Paulo, vol. 21, no. 1, 2022, pp. 108-126.

RODRIGUES, T.; BONONE, T.; MIELLI, R. Desinformação e crise da democracia no Brasil: é possível regular fake news?. Confluências, vol. 22, no. 3, 2021, pp. 30-52.