A esposa: o retrato da desvalorização do feminino

Concorre com 1 indicação ao Oscar:

Melhor Atriz

‘A esposa’ é um filme de drama, lançado em 2017, dirigido por Björ Runge, estrelado por Jonathan Pryce e Glenn Close. O longa foi indicado ao Globo de Ouro na categoria melhor atriz em filme de drama, pela interpretação de Glenn Close.

Joan Castleman e Joe Castleman são casados a mais de 30 anos, e em um dia comum, enquanto dormiam, recebem uma ligação para avisar o senhor Joe que ele era o escolhido do prêmio Nobel de Literatura daquele ano. A felicidade é imensa para Joe, que comemora aos pulos em cima da cama juntamente com sua esposa.

Joe era professor de universidade antes de casar-se com Joan, e foi na universidade que eles se conheceram, quando ela mostrou a ele um de seus escritos na tentativa de futuramente publicá-lo. Na época da academia Joan escrevia muito, no entanto, ela sabia que uma mulher não faria sucesso como escritora naquele período onde apenas os homens tinham créditos por escreverem, e eram os seus livros que saíam das prateleiras para as mãos dos leitores.

Casados, Joe e Joan precisavam arranjar seu sustento, e apostaram na escrita de Joe para a produção de livros. Joan trabalhava em uma editora e ouvindo seu chefe dizer que precisa de um escritor judeu, ofereceu a obra de seu marido. Ao chegar em casa Joan passa a notícia para o esposo, e ele pede que ela dê uma olhada nos seus escritos . E é aqui onde toda a magia acontece!

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A primeira obra de Joe Castleman é publicada e alcança um grande sucesso! O casal então consegue ganhar dinheiro para comprar uma casa a beira do mar e suas vidas deslancham. Em seguida, eles têm dois filhos, e aparentemente parece ser essa a história comum que o filme irá retratar ao telespectador. Mas não se engane, porque o sucesso que se sucede a partir daqui é fruto de grandes injustiças e humilhações resultantes do machismo e opressão que Joan Castleman sofre por parte do seu esposo.

A personagem Joan interpretada pela atriz Glenn Close, é a chave central do filme e é ao seu entorno que o enredo circula. Joan é a verdadeira escritora de todas as obras de sucesso de seu marido, e nunca recebeu os créditos por elas porque não fariam sucesso usando o nome de uma mulher. Então, a verdadeira história é que era ela quem sentava todos os dias, 8h por dia, em frente a máquina de escrever, e usava o seu “toque de ouro” e transformava as palavras em obra de arte.

Quem dera fosse apenas essa injustiça, mas não. Joe traía Joan com outras mulheres, incluindo as babás dos seus filhos, e quando ela descobria as traições ele aos prantos pedia desculpa e dizia “Use isso Joan, use isso!”, o que significava usar suas traições como inspiração para os personagens dos próximos livros.

Joan permaneceu nesse casamento até o dia da notícia do prêmio Nobel, e é no caminho para Estocolmo que a escritora inicia sua jornada de reflexão e melancolia sobre quem era ela, e o que deixou de ser, por causa do seu casamento e das estruturas do patriarcado e do machismo que a amedrontaram e fizeram desistir do sonho de ser uma escritora reconhecida.

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É angustiante e revoltante ver a atuação de Glenn Close, porque ela leva você a experimentar o sentimento de desvalorização e exclusão apenas por ser mulher, de forma muito autêntica. O desejo que a telespectadora sente a todo tempo é o de livrá-la daquele sofrimento e tirá-la de dentro do filme, e ao mesmo tempo de dizer a cada homem e mulher presente na premiação do Nobel, que ela, Joan Castleman, é a verdadeira escritora e vencedora daquele prêmio. A maneira como a personagem lida com todos os acontecimentos é assustadoramente calma, mantendo uma aparência de serenidade intensa a todos os que a cercam, mas o telespectador consegue ver o grito de sofrimento que se esconde dentro de sua alma.

O ápice do filme que se mostra já ao final da produção, que é marcado por uma cena em que Joan decide abandonar esse casamento que por tantos anos aprisionou a sua alma, e aqui ela diz para Joe tudo aquilo que abdicou e aceitou em prol desse casamento:

“Não, você teve casos. Isso, você chorava no meu colo, implorava por perdão, e eu sempre perdoava, porque, você sabe, de algum modo você me convencia que meu talento causava tudo. E quando estava com muita raiva, furiosa ou magoada para escrever, você largava a famosa mensagem “Use isso, Joan, use”. Por sorte eu achava um lugar para colocar, os críticos adoravam as imagens de Sylvia Fry, derramando lágrimas sobre seu vestido. Eles adoravam! “Outra obra-prima de Catleman”. Seu peito inflava quando lia aquelas resenhas. Inflava… E em vez de me sentir ultrajada, pensar no efeito sobre as crianças, eu observava e dizia: “Meu Deus, como posso captar esse comportamento? Como posso por isso em palavras?” Eu pus. Eu pus bem aqui. Outra obra-prima de Castleman. E…vamos ver. E este eu escrevi depois de você fuder…quem era? Já sei, nossa terceira babá. Minhas palavras, minha dor, horas sozinha naquela sala, transformando seu comportamento vil, literalmente em ouro.”

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A relação conjugal de Joe e Joan configura o típico casal que faz da esposa a cuidadora mor de todos os problemas e necessidades que perpassam a família (esposo e filhos). É ela quem assume o papel de apaziguadora de conflitos e estabelece formas de se relacionar que ajudem todos a conviverem bem. Diante disso, o esposo se isenta de qualquer tipo de postura de responsabilidade por si mesmo e por suas ações, assumindo o característico personagem do “homem isentão”.

Além disso, pode-se perceber a existência de um relacionamento abusivo, que apesar de não conter agressões físicas, existem agressões psicológicas e morais, levando em consideração os casos de traições de Joe que acabavam sendo delegados por ele como culpa de Joan, por causa do seu talento para escrever. Esse comportamento é muito citado entre as publicações feministas, como um meio que o homem encontra para assegurar sua masculinidade diante de uma mulher que é mais talentosa do que ele. Tais meios vão desde agressão física até tentativas de culpabilizar a mulher, humilhá-la, proibi-la em algumas coisas (CORTEZ e SOUZA, 2008).

Para tentar explicar o porquê do permanecimento de Joan nesse relacionamento amoroso que tanto lhe prejudicou Cortez e Souza (2008, p.) trazem que “(…) a figura da mulher heroína/sofredora imperou em relação à da mulher infeliz, prevalecendo o sacrifício pelo bem-estar dos filhos e pelo bem maior que a instituição familiar representa.” Ao final, a sensação que fica é de injustiça pela personagem, e é difícil para as telespectadoras que partem de um pressuposto feminino de igualdade, entenderem as escolhas feitas pela esposa.

Fonte: encurtador.com.br/jkAU0

A atriz Glenn Close foi indicada ao prêmio de melhor atriz em filme de Drama, e recebeu o Globo de Ouro em 2019, por sua interpretação no filme ‘A esposa’. Nada mais merecido…

FICHA TÉCNICA:

A ESPOSA

Título original: The Wife
Direção: Björn Runge
Elenco:
Glenn Close,Jonathan Pryce,Max Irons
Países: Suécia, EUA
Ano:
2017
Gênero: Drama

REFERÊNCIAS:

CATANI, Letícia Oliveira; SILVA, Juvêncio Borges. POLÍTICAS PÚBLICAS CONTRA O MACHISMO COMO INSTRUMENTO VIABILIZADOR DE RECONHECIMENTO E EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA FEMININA. Revista Húmus, São Paulo, v. 7, n. 20, p.33-54, jan. 2017. Disponível em: <http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/view/6756/4835>. Acesso em: 10 jan. 2019.

CORTEZ, Mirian Béccheri; SOUZA, Lídio de. Mulheres (in)Subordinadas: o Empoderamento Feminino e suas Repercussões nas Ocorrências de Violência Conjugal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Vitória, v. 24, n. 2, p.171-180, mar. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v24n2/05>. Acesso em: 10 jan. 2019.