A sombra coletiva: uma reflexão sobre a representação do Coringa

A sombra humana não é composta apenas de coisas moralmente repreensíveis, ela é também composta por boas qualidades como: instintos normais, reações adequadas, impulsos criadores entre outros.
Jung

Recentemente foi lançado o trailer oficial do filme solo do Coringa. Interpretado por Joaquin Phoenix como Arthur Fleck, o personagem é descrito como louco e com uma inocência macabra. Ele trabalha como palhaço durante o dia e tenta a sorte como comediante de stand-up à noite, mas não se dá muito bem. Assim, o personagem encontra dificuldades na interação com a população de Gotham City, e fica oscilando entre o que é real e a fantasia, seus problemas psicológicos são evidentes, tanto que a psicóloga do filme parece desistir de acompanhar o caso.

O Coringa tem uma personalidade ambivalente, não podendo ser caracterizado nem como negativo nem como positivo, assim ele é designado como anti-herói. Possuindo seu próprio jeito de fazer as coisas, com um aspecto geralmente atraente e/ou sedutor, um tanto ingênuo e sempre representado em forma de palhaço. Essas são características em comum que se faz presente em todos os filmes e animações da DC Universe.

Usando das diversas mitologias pode-se fazer um comparativo entre Coringa e o Trickster, onde ele é representado de diversas formas conforme o costume de cada povo. Geralmente são personagens egoístas e que cobram um preço por sua ajuda, conduzem a aventura de uma forma mais perigosa. Porém o desenvolvimento de quem interage com ele é sempre maior, devido à necessidade de ir além dos seus limites conhecidos para superar essas situações. Outro exemplo no cinema é o pirata Jack Sparrow; em todos os seus filmes, o personagem está sempre no limite do certo e do errado levando seus companheiros para muitos perigos.

Esses personagens representam o tipo de comportamento que em geral as pessoas escondem ou temem demonstrar, deixando apenas na sombra. O termo Sombra ou Arquétipo da Sombra na psicologia analítica, de acordo com Franz (2008), é a representação de qualidades e atributos desconhecidos ou pouco conhecidos que pertencem à esfera pessoal. Ela se desenvolve naturalmente em todas as pessoas na medida em que o indivíduo identifica e deposita na Sombra características que não são aceitáveis de acordo com a sociedade.

Nesse sentido, o Trickster pode ser considerado uma personificação da Sombra Coletiva, essa que contém tudo o que não é aceitável pela cultura. Essa sombra é o lado obscuro do ideal coletivo. Zweig e Wolf (2000) apontam que as manifestações da Sombra devem ser imaginadas como camadas, uma sobre a outra, na qual a parte pessoal dela se armazena dentro da Sombra familiar, da Sombra cultural e da Sombra coletiva. Então o Coringa/Trickster transita por essa Sombra, de forma que as imposições da sociedade pouco lhe importam.

Fonte: encurtador.com.br/uAGU6

Jung (1986) afirma que a sombra humana não é composta apenas de coisas moralmente repreensíveis, ela é também composta por boas qualidades como: instintos normais, reações adequadas, impulsos criativos entre outros. O arquétipo da sombra é enganosamente associado ao mal, e se faz necessário compreender o sistema complexo que não pode ser reduzido ao nome ou uma figura que o representa.

No filme do Batman – Cavaleiro das trevas, quando o Coringa encontra o promotor Harvey Dent no hospital, existe uma fala marcante, onde ele diz que “é na hora da morte que conhecemos verdadeiramente o caráter das pessoas”. A hora da morte é quando, como ilustrado em histórias, se passa um filme sobre toda nossa vida e com isso podemos ter acesso a partes que antes ignorávamos. Nesse sentido, o Trickster em nosso psiquismo nos impulsiona para uma morte simbólica para que saibamos do que somos feitos.

Dessa forma, o Coringa/Trickster propõe um encontro com a Sombra, e com isso media um processo de conhecimento de si próprio sobre as partes que anteriormente estavam ocultas ou eram negadas. Isso favorece a individuação, que é um processo em que o indivíduo assume sua própria identidade, reconhecendo e aceitando partes de si que inicialmente parecem negativas. Toda esta lógica arquetípica pode ser vista no Coringa. É, portanto, um filme de primeira ordem.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

CORINGA
Diretor:Todd Phillips
Elenco: 
Joaquin Phoenix; Zazie Beetz; Marc Maron;
Gênero: 
Drama; Suspense.
País: EUA
Ano: 2019

REFERÊNCIAS:

FRANZ, Marie-Louise von. O processo de individuação. In: JUNG, Carl Gustav; et al. O homem e seus símbolos. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

JUNG, C.G. Aion – Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo, Petrópolis, RJ, 1986.

ZWEIG, Connie; WOLF, Steve. O jogo das sombras: iluminando o lado escuro da alma. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.