O presente ensaio visa retratar as mudanças na configuração do corpo ao longo dos tempos, resultando no ideal de corpo midiático. Este rompeu com barreiras, tabus e repressões, e posteriormente passou a ser cultuado, desejado, concomitantemente sinônimo de bem estar e saúde. Tendo como fonte inspiradora a mulher, formula que permite construir e reconstruir o novo, a moda, a ostentação, a beleza dentro de um contexto mundialmente copiado, a busca constante corpo imaginário.
Essa amostra, parte do Livro Corpos Mutantes, o qual analisa o corpo canônico, ou seja, corpo modelado, sendo resultado de uma busca desenfreada nas academias de ginástica, modificado, adaptado a realidade vigente, fugindo do tradicional, do básico, sendo molde pra mais diversas faixas etárias, promovendo e estruturando um modelo comum, para o fabricado. Visto que, a mídia se utiliza do investimento no corpo, para vender imagens de mulheres, produtos, cosméticos e cirurgias plásticas. De acordo com Fontes (2004):
Publicizado exaustivamente nos meios de comunicação de massa e tido como desejável e sinônimo de beleza, saúde e bem estar, o corpo canônico é, em essência, resultado de um conjunto de investimentos em práticas, modos e artifícios que visam alterar as configurações anatômicas e estéticas (FONTES, 2004, p. 73).
O que contrapõe a este corpo canônico passa a ser dissonante, o modelo estruturado pela comunicação de massa como ideal, demonstrado repetidas vezes pela mídia, em determinados grupos principalmente os que buscam uma vida alternativa, estão em contramão a este conceito, foge a essa realidade, para tanto, estão em desacordo ao modelo estabelecido. As mulheres diferentes fogem a essa regra, tido como corpo dissonante, ou seja, não estão inseridas a este modelo contemporâneo, ocasionando frustrações por não alcançar o desejado, ou estipulado por uma corporeidade canônica.
Fonte: http://www.coisasdegraziella.com/2014_11_01_archive.html
As trajetórias do corpo na contemporaneidade e as influências midiáticas sobre o corpo feminino
O corpo passou por diversas configurações no decorrer do tempo, tempo este, que expressa seus valores de muitas formas, e o formato do corpo é uma delas, pois cada país, cada cultura, região apresenta o que estimam e, constroem-se padrões de belezas que vão mudando assim como determina o contexto. Na Idade Média, prevalecia o domínio da igreja católica, muitos atos eram tidos como pecados, alguns até mortais. Neste contexto o corpo, em especial da mulher, era tido como sagrado e, até a higiene era considerados imorais e impuros, e tanto o corpo das mulheres quanto o dos homens eram totalmente coberto (DAMBROS; CORTE; JAEGER, 2008).
A esse respeito, Foucault (1988) analisa que, no espaço social a sexualidade só era reconhecida dentro do âmbito familiar, como forma de reprodução, dessa forma, o decoro das atitudes escondia os corpos e higienizava os discursos. O sexo e desse modo, o corpo, sofriam repressões. Fontes (2006) retrata as mudanças ao longo do século XX, pelas quais o corpo passa, sendo estas:
O corpo representado, visto e descrito pelo olhar do outro, da igreja, do estado, do artista; o corpo representante, um corpo ativo, autônomo quanto às suas práticas, consciente do seu poder político e revolucionário, porta voz do discurso de uma geração, contestador, sujeito desse próprio discurso e agente propositor e defensor de reformas que vão da sexualidade à política (FONTES, 2006, p. 7).
Posteriormente, vivenciamos o que Fontes (2006) descreve como o corpo apresentador de si mesmo, ou seja, o corpo canônico, o qual deriva-se de uma cultura pautada pelo efêmero e pelo imediato, perpassado por cirurgias plásticas e implantes de substâncias químicas “que busca incessantemente apagar da pele as marcas biológicas do tempo, ao mesmo tempo inscrever na forma física os sinais da corpolatria. Este corpo é, em si mesmo, o próprio espetáculo” (FONTES, 2006, p. 7.)
Nessa direção, Freire Costa (2005), ao traçar o corpo na sociedade contemporânea, destaca que o mito cientificista ocupou um espaço moral na vida dos sujeitos, pois, se antes, o cuidado de si era voltado para os sentimentos, alma e longevidade, na contemporaneidade, vivenciamos um novo modelo de identidade: a bioidentidade, sendo esta a valorização do corpo saudável, belo e jovem, e para chegar aos resultados esperados utiliza-se da bioascese, ou seja, a disciplina, uma vez que “ser jovem, saudável, longevo e atento à forma física tornou-se a regra científica que aprova ou condena outras aspirações à felicidade” (FREIRE COSTA, 2005, p. 190).
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Indubitavelmente, o lugar do corpo se modificou, pois, antes esse era tido como matéria bruta, ou seja, um meio para se atingir um ideal, era garantia de saúde para buscar aspirações sentimentais, porém, o prazer sensorial hoje é buscado como antes se buscava valores sentimentais, passando a fazer parte da subjetivação, entretanto, Freire Costa (2004) nos alerta que “diferentemente do prazer sentimental, que pode durar na ausência dos estímulos sensórios-motores, o prazer sensorial depende do estímulo físico imediato e da presença do objeto fonte da estimulação” (p. 6), sendo assim, o individuo precisa buscar nos objetos sua fonte constante de prazer, uma vez que, o corpo tem suas limitações biológicas. (FREIRE COSTA, 2004)
Assim, o sujeito passa cada vez mais a investir nos objetos de consumo, como forma de obter satisfação pessoal e deixa de investir em bens comuns. O corpo ideal é produzido pelos meios de comunicação de massa, torna-se um simulacro, propagado pela mídia, a qual se aproveita do individualismo vigente para vender os produtos e fabricar os corpos desejados. Freire Costa (2005) chama essa sociedade pautada no corpo de “sociedade somática”, a qual hiperinveste afetivamente na imagem corporal e a coloca no mesmo patamar que os atributos sentimentais. Nas palavras do autor:
O narcisista cuida apenas de si, porque aprendeu a acreditar que a felicidade é sinônima de satisfação sensorial. Assim, o sujeito da moral hodierna teria se tornado indiferente a compromissos com os outros -faceta narcisista- e a projetos pessoais duradouros- faceta hedonista (FREIRE COSTA, 2005, p. 186).
Desse modo, o corpo passa a ser lugar de destaque na vida dos sujeitos. E a publicidade se utiliza disso, tornando o corpo por vezes, como um produto a ser vendido, e por vezes também ligado a um ato político.
Fontes (2006) argumenta que, nas primeiras décadas do século, o corpo foi reprimido, após, observa-se que o corpo reivindica o próprio espaço de apresentação, sobretudo nas décadas do pós-guerra, na qual se transforma em bandeira de luta, de quebra de tabus e de discurso político. Enquanto que nos anos 90, o corpo toma outra configuração e pode ser definido com o corpo que representa, o corpo representante. O avanço médico e cientifico contribuiu para o descortinamento do corpo, e a mídia instituiu seus discursos sobre o corpo canônico, sobretudo, no corpo feminino.
Muitas épocas foram marcadas por formatos de belezas midiáticos que jamais deixarão a historia, como a beleza estonteante Marilyn Monroe, mulher de seios fartos com cintura de “pilão” que era o próprio padrão de beleza da época. E assim décadas foram passando com seus padrões de belezas estabelecidos conforme determinava momento. No entanto o ano de 1980, Arnold Schwarzenegger, entra no circuito para deixar um modelo de físico que perpetuaria durante décadas, pois foi depois dos concursos que o mesmo ganhou de fisiculturista por seis vezes consecutivas que o seu corpo tornou-se um modelo a ser seguido.
Fonte: http://seuhistory.com/etiquetas/marilyn-monro
Observa-se assim, que os discursos médicos sobre boa forma aliada a sinônimo de saúde (é preciso ter baixas taxas de glicose e colesterol, se alimentar corretamente, etc.) ultrapassaram o âmbito da saúde e passaram a possuir uma denotação estética, pois hoje, o sujeito não vai a academias para ser saudável, mais que isso: este deseja ter o corpo da moda. Além disso, o imediatismo e hedonismo fazem com que o sujeito queira práticas rápidas, por isso, as intervenções cirúrgicas ganharam destaques. A corporeidade canônica é caracterizada, então:
Como aquela que recorre à adoção voluntária de um conjunto de práticas, técnicas, métodos e hábitos que têm como firme propósito (re)configurar o corpo biológico, transformando-o em um corpo potencializado em seus aspectos estéticos e em suas formas de gênero: grosso modo, homens musculosos e mulheres de seios voluptuosos e curvas definidas (FONTES, 2006, p. 10).
A publicidade em muito contribui para isso, na medida em que se utiliza da figura de mulheres famosas, com seus corpos malhados, peles perfeitas, cabelos sedosos e sorrisos radiantes, para apresentar um produto.
Sobre isso, Debord (1997) elucida que “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”, nesse sentido, temos as redes sociais, como o instagram no qual imagens são postadas para gerir o espetáculo, não havendo mais a distinção entre a vida pública e privada, porém, o que vemos é o que o espetáculo tem se convertido no real. Desse modo, o sujeito não apenas almeja apenas ter o corpo de tal famosa, mas anseia também por ser tão feliz quanto essa aparenta ser.
Fotos: http://geralcodigos.blogspot.com.br/
Para Lipovetsky (2000) apud Samarão (2007) Ao longo do século XX a publicidade passou a ter muita influencia sobre as mulheres generalizou a “paixão” pela moda, favoreceu a expansão social dos produtos de beleza, contribuiu para fazer da aparência uma dimensão essencial da identidade feminina para o maior número de mulheres. Samarão (2007) analisa que isso levou a propagação de normas e imagens ideais do feminino, submetendo as mulheres à ditadura do consumo e inferiorizarão da mulher “ora intensificando as angústias da idade, ora reforçando os estereótipos de mulher frívola e superficial” (SAMARÃO, 2007, p. 7).
Desse modo, quem foge desse discurso midiático e publicizado sobre o corpo, é tido como dissonante, sendo este visto como corpo in-válido, ou seja, aquele que não adere aos artifícios de adequação da aparência, não segue os padrões reproduzidos pelas redes sociais ou televisão, este é visto com estranhamento e até mesmo de repulsa (FONTES, 2006). O corpo passou por diversas transformações, todas elas influenciadas pelo contexto político e histórico de uma época, sendo que, na atualidade, a mídia e publicidade têm tido poder sobre o corpo, principalmente no que concerne ao corpo feminino. Diante disso, caberia nos perguntar, será que somos mesmo donos do nosso corpo?
Fonte: http://meubatomnaoechanel.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html
No que tange o corpo feminino, este é palco de discussões até mesmo no âmbito de saúde pública, uma vez que, as mulheres não possuem o direito sobre o aborto, e para as feministas, a mulher deveria ser dona do seu próprio corpo. Na contemporaneidade, tem-se influencia do hedonismo e narcisismo, o que leva os indivíduos a hiperinvestirem no corpo, deixando de lado os valores duráveis e de bem comum.
A publicidade assim, tem se beneficiado na medida em que, se utiliza de imagens de mulheres bonitas e padronizadas para vender seus produtos. Por fim, vemos que o sujeito na contemporaneidade, tem recorrido a intervenções cirúrgicas, acreditando que dessa forma, irá alcançar a felicidade, porém, o que vemos é que isso é um simulacro, é a inversão do real, pois, o sujeito não tem consciência das reais motivações que talvez o faça buscar em um bisturi, uma forma de cicatrizar seu ego fragilizado.
REFERÊNCIAS
DAMBROS; CORTE; JAEGER. O corpo na Idade Média. Revista Ef de Portes, Ano 13 , N° 121, Buenos Aires, 2008. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd121/o-corpo-na-idade-media.htm. Acesso em: 06 de setembro de 2016.
DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Ed. Contraponto. Rio de Janeiro, 1997.
FREIRE- COSTA. Perspectivas da juventude na sociedade de mercado. In: NOVAES, R;VANUCHI, P. (orgs). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação.São Paulo, Perseu Abramo, 2004.
______________O vestígio e a Aura: Corpo e consumo na moral do espetáculo. E. Garamond. Rio de Janeiro, 2005.
FONTES, M. Os Percursos do Corpo na Cultura Contemporânea. XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – UnB, Brasília, 2006 .
FOUCAULT, M. História da Sexualidade. A vontade de saber. Ed. Graal. Rio de Janeiro, 1988.
SAMARÃO, L. O espetáculo da publicidade: a representação do corpo feminino na mídia. Revista Contemporânea. v. 5. n. 1, 2007. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/contemporanea/article/view/17200/12633 Acesso em: 08 de setembro de 2016.