Cosmética pós-moderna: Velhice ou Terceira Idade?

A velhice é um assunto que demanda delicadeza ao ser tratado atualmente, pois pensar no que tange a ser velho não é algo tão simples quanto se imagina.  Um ser humano é considerado idoso, de forma geral, ao atingir seus 60 anos de idade, independentemente de seu estado biológico, psicológico e social (SCHNEIDER, 2008). Desse modo fica nítido que, para a maior parte das pessoas, existe um momento para envelhecer, o momento em que se adquire uma idade determinada, como uma espécie de prazo a ser atingido.

No mundo, a quantidade de pessoas com a faixa etária superior a 60 anos vem crescendo rápido, e estatísticas do final do século XX ao início dos anos 2000 provam isso. O contingente de idosos, pessoas com 60 anos ou mais, cresceu 7,3 milhões entre 1980 e 2000, gerando um total de mais de 14,5 milhões em 2000 (World Health Organization – WHO, 2005). Os motivos para tais aumentos são vastos, entre eles: aumentos no custo de vida nas cidades, êxodo rural e políticas de controle de natalidade, que permeiam as grandes nações e começaram a ser cada vez mais comuns – por exemplo, o governo chinês que adotou a chamada política do filho único entre 1970 e 2015.

Para uma parcela considerável da sociedade, o sujeito que se encontra em estado de velhice é associado a uma sucessão de características negativas, como invalidez e a fragilidade, além das doenças que supostamente sucedem esse período da vida (SCHNEIDER, 2008). E dependendo do país, toda uma aura de respeito ainda se mantém sob os idosos, o conhecimento daquilo considerado antigo e a experiência deles tem seu lugar ao sol. Isso reflete diretamente na maneira como a sociedade os trata, sendo respeito a palavra chave para entender como se dá essa relação; as pessoas respeitam a vivência do idoso, ouvem seus conselhos, mas os mesmos ocupam um papel secundário, pois seriam obsoletos às dinâmicas contemporâneas.

Mas será isso mesmo? Seriam os idosos tão obsoletos e excluídos assim? A mídia parece ter vindo com força para provar que não. Analisando o aumento da população idosa, surgiu-se um novo público de mercado, e consequentemente um novo jeito de se ver a velhice. Agora sendo chamada de Terceira Idade, os que pertencem a ela não estariam condenados a cadeiras de rodas ou camas, mas sim buscar a tão sonhada qualidade de vida e saúde. Com isso, toda uma sucessão de acontecimentos para esse período da vida se estabeleceu; agora idosos também se exercitam, cuidam da pele e saem para se divertir.

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Fonte: http://migre.me/vmMNi

Velhice x Terceira Idade

O vocábulo velhice vem gradualmente sendo substituído pela expressão terceira idade, e isso é devido a uma série de fatores. Palacios (2004) analisou e verificou essa relação conflitante dos dois termos em uma pesquisa com 247 anúncios publicitários de cosméticos, que circularam na década de 1990. Percebeu que os anúncios gradualmente amenizavam o tratamento para com os idosos; antes usando termos como velhice, que remetem a algo desgastado e decrépito, e ao longo do tempo, sendo atingidos pelas mudanças de valores e de atitudes relacionadas a pós-modernidade, os anúncios ficam mais amenos, tratando como terceira idade esse período mais avançado da vida. Tudo isso acarretando mudanças nas práticas de consumo também.

As transformações e mudanças nessas práticas de consumo ocorridas na sociedade não são invisíveis à publicidade, pois a mesma é responsável por influenciar e muitas vezes moldar tais práticas. Para entender o mundo que nos cerca, temos que o olhar para a forma que as mercadorias são consumidas, pois muitas vezes os sentidos são conferidos a vida via consumo onde o indivíduo vai construindo seu estilo de vida. Com os idosos desse estudo não foi diferente: o jeito como eles consumiam havia mudado. Novas necessidades surgiam naquele meio social (dos indivíduos mais velhos, próximos a velhice) e os publicitários enxergaram ali uma oportunidade.

Com os anúncios podemos dizer que foi estabelecido um novo marco biológico preconizando os cuidados com o corpo, trazendo essa preocupação para pessoas mais jovens, entre 20 a 30 anos de idade, sendo que tal cuidado teria o início somente décadas no futuro. A publicidade vem mudando aos poucos a sociedade, influenciando o indivíduo na maneira de ser e ver o mundo a sua volta; as identidades sociais são estabelecidas pelos discursos publicitários mesmo que muitas vezes isso vá contra o real significado do ser e se denominar algo, ou em algum estágio do ciclo vital.

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Fonte: http://migre.me/vmN5d

O termo terceira idade se mostra mais ameno no trato dessas pessoas, trazendo mais conforto ao ouvinte e participante. Ele também é mais abrangente e permite uma análise mais profunda do indivíduo inserido nele.

Atualmente, os especialistas no estudo do envelhecimento referem-se a três grupos de pessoas mais velhas: os idosos jovens, os idosos velhos e os idosos mais velhos. O termo idosos jovens geralmente se refere a pessoas de 65 a 74 anos, que costumam estar ativas, cheias de vida e vigorosas. Os idosos velhos, de 75 a 84 anos, e os idosos mais velhos, de 85 anos ou mais, são aqueles que têm maior tendência para a fraqueza e para a enfermidade, e podem ter dificuldade para desempenhar algumas atividades da vida diária. (SCHNEIDER, 2008)

Essa divisão mais ampla é para os indivíduos, uma fonte de ânimo e autoestima, e dá mais ênfase no caráter heterogêneo do fator envelhecimento; se analisar profundamente, não é a idade – o tempo decorrido do nascimento até o ponto atual na vida – que determina se o ser humano está ou não velho, mas sim todo o contexto de vida dele e como ele está aplicado nesse contexto. Seu corpo como fator biológico também é determinante, levando em conta que cada um evolui e envelhece de modo único, a seu próprio ritmo.

Ao descrever sobre o termo velhice e a palavra terceira idade, Palacios (2004) enfatizou a relação que há entre tais conceitos e ao mesmo tempo discorreu sobre a ideia de mudança discursiva observada em anúncios publicitários. Com esta pesquisa, Palácios observou a existência de duas percepções opostas de velhice. A primeira, mais tradicional, entende o processo de envelhecimento como um período sombrio, no qual predomina o medo da morte, o desencadeamento de doenças, tendo como consequência o isolamento social.

Fonte: http://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/fragilidade-aumenta-risco-de-morte-em-idosos/

A segunda visão retrata a existência de uma terceira idade, a qual faz-nos pensar na possibilidade de outras fases anteriores, como a primeira e a segunda, ou seja, infância e a maturidade, “a terceira idade é postulada como o ponto culminante de uma linha abstrata, convencionalmente instituída como condutora da vida. Estaria posicionada subsequentemente a uma segunda idade, que compreende a maturidade, e uma primeira idade, que compreende a infância.”(PALACIOS, 2004, p. 4).

Na esteira de seus argumentos, Palacios também afirma que os anúncios publicitários permitiram identificar a presença de dois pensamentos divergentes. Por um lado, a velhice é vista como algo que deve ser combatida. Por outro lado, a juventude emerge como o ideal a ser percorrido, mesmo na velhice. Desta forma, “[…] a busca pela juventude resulta em um comportamento ativo de combate à velhice e/ou que o estado de ser velho deve ser sempre acompanhado da busca pela conservação da juventude.” (PALACIOS, 2004, p. 20).

Entretanto, é importante ressaltar o apontamento que Amaral (2015) faz, no artigo sobre as “representações sociais”. A autora deixa claro que envelhecer torna-se algo cada vez mais difícil numa sociedade que prega e valoriza o visual, na qual se ocultam as rugas e os cabelos brancos. Amaral (2015) destaca que, nas sociedades atuais, a idade cronológica se apresenta como marcador para dividir o ciclo de vida das pessoas em três momentos, sendo que o primeiro se refere a preparação para o trabalho; o segundo momento diz respeito a atividade profissional e o último tempo relaciona-se com a reforma.

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Fonte: http://migre.me/vmO9K

A autora apresenta que há um consenso em afirmar a existência de preconceito e discriminação envolvendo as faixas etárias, incluindo a velhice e a juventude.  Para Amaral,

O termo ageism, idadismo em português, refere-se tanto à discriminação etária que os jovens como os mais velhos podem ser objeto. Quantas vezes ouviram jovens a verbalizar que são atendidos de forma diferente dos seus congéneres de idades mais avançadas nos locais de comércio? Quantas vezes presenciaram atitudes de incompreensão relativas a congéneres com gestos lentificados em filas do comércio?. (AMARAL, 2015, p. 294)

Na Contemporaneidade

O atual grupo da terceira idade representa uma “velhice” muito distinta da que era predominante até a década de 30. Ao falar sobre as visões conflitantes que se tem dessa fase, Annamaria Palacios coloca que “o processo de envelhecimento representa uma época sombria, decrépita, repleta de temores da morte, de acontecimentos de doenças, que culmina no isolamento do indivíduo dos processos de socialização em sua fase final da vida.” (PALACIOS, 2004, p. 90).

Diante disso, as formas de representação desse idoso na mídia estavam ligados a produtos farmacêuticos e prevenção de doenças, tendo esse grupo sempre papel secundário. O ato de associar o idoso a tais produtos de embelezamento, traz o estigma negativo que gira em torno desse pensamento pessimista sobre eles à tona, como se algo estivesse errado em se conformar com as mudanças que o tempo acarreta e que se o indivíduo não lutar contra isso, está agindo de maneira errada.

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Fonte: http://migre.me/vmPyq

É perceptível que essa imagem negativa foi substituída por outra muito mais ativa e saudável. Isso se dá pelas mudanças políticas e culturais advindas da pós-modernidade, como o direito a aposentadoria e a oferta de oportunidades para o autodesenvolvimento, aliado aos dados demográficas que apontam o crescente número de idosos desde o final do século XX. Todo esse contexto social foi acompanhado pela mídia, uma forte influenciadora de opiniões e comportamentos. Assim, ela se tornou uma grande colaboradora, não só na construção da nova imagem da terceira idade, mas também na maneira como a convivência de diferentes gerações.

Quando falamos de produtos e serviços destinados a esse grupo, assunto de grande destaque no artigo Velhice, palavra quase proibida; Terceira idade, expressão quase hegemônica, a mídia possui papel fundamental na disseminação da ideia e no despertar do interesse de consumo. Ada Bezerra pontua:

No espaço midiático então, o velho é incitado a adquirir novos hábitos para manterem o corpo saudável e um espírito jovem, com participação social e valores modernos. Para isso, um arsenal de produtos e serviços de rejuvenescimento, cosméticos, eletrodomésticos modernos, centros de lazer, agências específicas de turismo, serviços bancários, e outros produtos são criados e direcionados ao consumo desse gênero. (BEZERRA, 2006, p. 6)

Nessa perspectiva, torna-se claro que a imagem do idoso de espírito jovem não representa a realidade da terceira geração do século XXI, e existe apenas para atender a lógica de mercado vigente que supervaloriza a juventude e a torna uma conquista possível em qualquer momento da vida através de produtos e estilos de vida adequados.

REFERÊNCIAS:

BEZERRA, Ada Kesea Guedes. A construção e reconstrução da imagem do idoso pela mídia televisiva. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. Campina Grande, jan. 2006.

DANIEL, Fernanda; ANTUNES, Anna; AMARAL, Inês. Representações Sociais da Velhice. Análise Psicológica, [s.l.], v. 33, n. 3, p.294-294, 23 set. 2015. ISPA – Instituto Universitário. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.14417/ap.972>.

PALACIOS, A. R. J. P. Velhice, palavra quase proibida; terceira idade, expressão quase hegemônica: apontamentos sobre o conceito de mudança discursiva na publicidade contemporânea. Comunicação apresentada no XX Encontro da Associação Portuguesa de Linguística (APL). Lisboa, 2004.

PALACIOS, A. R. J. As múltiplas idades e os múltiplos usos: cultura, consumo e segmentação de público em anúncios de cosméticos. Comunicação, Mídia e Consumo/Escola Superior de Propaganda e Marketing. v. 3, n. 6, São Paulo, 2006.