Dez dias de desconstrução. 40 pessoas com as quais nunca convivi ou conheci, sendo elas de todas as partes do Brasil. Incontáveis momentos de crescimento, aprendizado e construção de afeto. Esse foi o VER-SUS Tocantins 2018/1, Programa de Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde desenvolvido pelo Ministério da Saúde em parceria com a Rede Unida e com os serviços de saúde do Estado.
O VER-SUS Tocantins 2018/1, em suma, consistiu em conviver durante 10 dias com pessoas de todos os lugares do país no único objetivo de viver uma imersão dentro do SUS através de visitas nos Centros de Saúde da Comunidade de algumas cidades do Estado como Porto Nacional e Tocantínia. No conhecimento de Práticas Integrativas e Complementares em Natividade e nas discussões de temas que perpassam a prática do profissional em saúde como o preconceito racial, as questões de gênero, raça, classe, LGBTQ+ e outras mais.
A emoção inunda meu coração e meus pensamentos, me faz relembrar de muitos dos melhores e também mais desafiadores momentos por mim já vivenciados durante minha pouca idade e minha quase finda graduação. Não falo apenas de crescimento profissional, de aprendizado rígido e sem afetações. Falo de um lugar de evolução pessoal, de conexão com o outro dentro de sua realidade, falo de me despir dos meus valores na busca por compreender o novo. Nunca imaginaria passar por tão rica experiência. Sinto-me grata e nesse relato deposito parte do que construí juntamente com tantas outras pessoas com as quais convivi, cresci, aprendi e compartilhei o pouco que sei.
Muitos dos meus pré-julgamentos e da minha ignorância foram aniquilados. É imensurável a quantidade de perguntas que ainda rondam meus pensamentos. Ainda me toma a emoção ao relembrar de momentos tão marcantes com os quais tive a oportunidade de crescer e aprender mais sobre o Sistema Único de Saúde com profissionais, estudantes e usuários de diversas realidades.
No momento em que me percebi imersa nesse movimento de busca por maior entendimento acerca do SUS, vi então quão grande responsabilidade estava sobre todos nós que aceitamos vivê-lo durante esses 10 dias. Isso porque ao passo em que se entende mais sobre algo, é importante que se exerça um papel político acerca do que se sabe, além de procurar disseminar esse conhecimento a todos que querem ou precisam ouvir.
A confirmação dessa prerrogativa veio por doses em cada dia de vivência. Me senti grata, receosa, mas disposta a buscar o que fui procurar: um novo significado para minha formação, aprendizado e o afeto que por vezes deixei de alimentar pelo SUS. Ao redigir esse relato posso afirmar com toda a certeza que o que trago comigo transcende tudo o que fui buscar, que as marcas dessa vivência me colocaram no lugar da reflexão, mas também no lugar de luta, que o afeto que tanto reneguei hoje pulsa forte e rega minhas práticas como estudante e futura psicóloga
Após um certo tempo dedicado a reflexão pude perceber o quão caricata e equivocada era a imagem que eu alimentava em relação ao SUS. Não quero com isso dizer que não existem fraquezas no sistema, mas quero afirmar que não existem somente elas, como me era aparente em minha visão unilateral dos acontecimentos. Ainda existem profissionais comprometidos com a filosofia e com os princípios norteadores que devem guiar a prática de cada um de nós enquanto trabalhadores e enquanto estudantes.
Tive o privilégio de conhecer profissionais em Centros de Saúde da Comunidade, tanto no interior do Estado quanto em capitais que tendo ou não toda a estrutura necessária para sua prática não abre mão de um atendimento resolutivo e de qualidade. Também notei a busca por melhorias no sistema e nas condições de trabalho, lutas necessárias que vão de encontro do momento de retrocessos na saúde em que estamos vivendo no Brasil.
Presenciar histórias dolorosas regadas de sabedoria e resiliência dos moradores do assentamento Clodomir Santos de Morais em Brejinho de Nazaré – TO deixou marcas profundas em mim. Todos os meus preconceitos em relação ao Movimento dos Sem Terra, ao estilo de vida e ao modo como essas pessoas encaram as dificuldades ficaram nas águas daquele rio que cercava o assentamento. Que me lavou da minha ignorância e me clareou a visão sobre o que é ser um profissional ético, que exercita o cuidado e respeito pelo outro e busca resoluções que façam sentido para cada indivíduo em sua complexidade, que se coloca no lugar do indivíduo e escuta com afeto cada palavra do sujeito que ali está.
Pude compreender que não bastam equipamentos de ponta para que o serviço seja eficiente, mas que em primeiro lugar vem o trabalhador que atende, que acolhe e respeita a história de vida do usuário. O SUS é constituído de todas essas ferramentas rígidas, mas ainda assim, em primazia, ele é feito de gente, é feito de nós. Mas o que nós temos feito dele?
Enquanto trabalhador do SUS, existe um papel político a ser desempenhado e esse papel tem estreita relação com o cuidado com o outro, cuida-se seu pão do café da manhã, cuida-se da água que se bebe, de alimento que se come, da terra em que se planta. Não se trata apenas da doença, se trata da promoção da saúde, do respeito pelos recursos naturais, pela preservação da cultura e no incentivo a práticas que promovam saúde e bem-estar em todas as áreas da vida dos brasileiros.
Ao relembrar de todas essas experiências e de outras mais que não estão nesse relato, o sentimento de gratidão me renova, ressignifica minha formação. Me torna melhor do que fui ontem e me faz querer ser ainda melhor do que sou hoje. Me pergunto que profissional serei eu. A resposta é clara: a melhor que eu posso ser. Me conforta saber que me sinto útil em lutar pelo SUS e me emociona sentir que não estou só.
Que busquemos um no outro a força necessária para conquistar todos os dias o SUS que queremos levar para nós. Um SUS realmente baseado na justiça social, na universalidade, integralidade e equidade, que não se valha da moralidade, mas sim do respeito à diferença. Que preze pelo atendimento igualitário, que não faça distinção de raça, classe social, orientação sexual ou estilo de vida, mas que veja o sujeito em sua complexidade e o atenda em suas necessidades respeitando suas limitações. Que nossa luta não seja em vão e que nossos passos não sejam solo.