Entretenimento é apenas diversão?

A sociedade moderna foi moldada a partir de aspectos herdados de civilizações antigas. Dessa forma, é interessante repensarmos os costumes atuais e seus modos de conduta, fundamentando-os, com a influência das tradições gregas e romanas. Pois, como afirma Goldhill (2007), o modo dos costumes, da civilização greco-romana e Ocidental que marca os tempos atuais, estão mais presentes em nosso cotidiano do que podemos imaginar.

A história possui uma relação direta com o homem atual, e conhecê-la, em seus aspectos culturais, incluindo o entretenimento, que será o foco dessa discussão, nos ajudará na compreensão da conturbada época em que vivemos, e na reflexão sobre o homem enquanto ser que age pautado na construção social de seus próprios atos e que, assim, vai construindo seu futuro. As tradições greco-romanas estão presentes nas nossas vidas, até nas formas pelas quais os humanos se divertem, esta é a reflexão de Goldhill (2007) sobre o entretenimento nas civilizações Ocidentais. Além disso, o autor trás um alerta à condição humana frágil de reprodução das formas de diversão, socialmente herdada e construída, e diretamente ligada a questões subjetivas que revelam muito sobre nós mesmos.

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Segundo Goldhill (2007), a sociedade atual é uma Grécia imaginária, ao qual está presente no sistema de pensamento ocidental toda a lógica cultural deste mundo clássico. Acarretando, em nossa história e vivência, uma amnésia educacional e artística, pois não refletimos sobre nossas práticas de entretenimento e não a reconhecemos como uma tradição greco-romana. É passado, mais surpreendentemente, é presente e futuro, já que as relações humanas não são fáceis de lidar no que tange ao aspecto mudança. Morin (1997) discorre sobre o lazer nos tempos modernos como um produto da sociedade industrializada, está relacionado ao tempo gasto com diversões em detrimento do trabalho exaustivo, enfadonho e alienante.

Há uma grande confusão e preocupação no âmbito do papel do entretenimento, pois é sabido que as peças teatrais, as tragédias da Grécia antiga, que hoje se estendem ao cinema e ao teatro, comovem o público em grande nível de engajamento emocional e produz resultados que para o Estado, podem ser repugnantes, e por isso o entretenimento é alvo de controle. De certa forma, a confusão está em um pensamento desordenado da dualidade do Estado em querer controlar e se preocupar com a imagem pública e ao mesmo tempo garantir a liberdade de expressão. “A frase irritantemente maliciosa “mero entretenimento”, ou “é apenas diversão”, constitui um sinal desse pensamento confuso. É uma afirmação que quer evitar qualquer reflexão séria sobre os conflitos da vida cultural.” (Goldhill, 2007, p. 197).

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Vemos, então, que ao se tratar do que é divertido, muitas vezes nos deparamos com o caráter descontraído do entretenimento, e por isso é deixado de lado a problematização e reflexão do mesmo, pois até a própria expressão “é apenas diversão” deixa subjacente às implicações sociais que o entretenimento nos trás. Já que é notório que, diz muito sobre nós mesmos as forma pelas quais nos divertimos. É por isso que certas formas de entretenimento incomodam tanto a sociedade, pois elas falam quem somos. Estão obscuras as implicações desconfortantes, psicológicas e sociais, que fundamentam qualquer tipo de entretenimento. Já que o divertido é pra ser descontraído, por que não disfarçar a tensão social e deixar de lado o que isso diz sobre nós mesmos?

Antigamente, peças teatrais refletiam casos trágicos que expressavam o conflito, a sátira, os traumas psicológicos acarretados pelos piores sentimentos humanos, hoje em dia, o mesmo é feito no cinema, no teatro, na música, na dança, nas artes em geral. Os jogos de gladiadores da Roma clássica, hoje expressados nas artes marciais e no cinema. A competição pelo poder dos status sociais hoje, também é visto na civilização greco-romana. Tudo isso está ligado às formas de entretenimento atual, que são antigas, mas bem atuais.

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Para Morin (1997) o homem moderno procura se afirmar como sujeito privado, se afastando dos problemas políticos e religiosos, passou a ser um espectador vendo a vida através de lentes, passivo no espetáculo. Mas, contudo, ativo, pois o entretenimento reflete o sujeito e sua subjetividade. E que, sobre tudo, dizem mais dos seres humanos do que eles gostariam, trás sua subjetividade e aspectos ruins de sua natureza, e a dualidade dos conflitos inconscientes, e os papeis sociais do que você é e do que gostaria de ser. Nesse sentido Goldhill (2007) disserta  que na Grécia antiga o teatro era parte da própria cidade, representava como o povo a compreendia. No entanto, para Platão o entretenimento se tornava um impeditivo na formação do cidadão responsável devido impacto intelectual e psicológico que influenciava os indivíduos.

O povo grego utilizava as festas como a Grade Dionísia, festival religioso que acontecia anualmente em Atenas para louvar o deus Dionísio, como um acontecimento social e um espetáculo político de demonstração de poder. No Império Romano os jogos eram distribuídos ao longo do ano, trazia para a arena o fascínio do povo pela morte humana e dos animais, demonstração da virilidade, assim como, as tensão sociais.

O que fazemos constitui grande parte do que somos, e é por isso que o entretenimento – como passamos nosso tempo – é uma parte integral de nossa autodefinição. O contraste entre as formas de entretenimento contemporâneo e as tragédias atenienses do festival da Grane Dionisíaca revela um buraco no centro de nossa cultura pública. (Goldhill, 2007, p. 209)

É um choque, e nos faz pensar, pois no caso dos gladiadores, demonstram que os status valem mais do que a vida humana. Podemos ver que entretenimento não “é apenas diversão”, é claro que é lazer, mas trás consigo a subjetividade humana e reflete o homem como um espelho e o defini como ser, bom ou ruim. Como afirma Goldhill (2007), “são frágeis às fronteiras daquilo que nos orgulhamos de considerar uma civilização moderna. […] o que diz sobre nós o fato de que gostamos de assistir a essas coisas em nome do entretenimento?”.

 

REFERÊNCIAS:

GOLDHILL, S. Isto é entretenimento!. In: GOLDHILL, S. Amor, Sexo e Tragédia. Como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Rio e Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1ª ed. v.1 p.195-233, 2007.

MORIN, E. Uma cultura de lazer. in: MORIN, E. Cultura de massa no século XX: neurose. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 9º ed. v.6 p.67-85, 1997.