A evolução da tecnologia é responsável por diversas mudanças ocorridas nas últimas décadas. Galli (2002, p. 1) afirma que “uma das marcas da globalização é a velocidade com que evolui a tecnologia”, e nesse processo, a internet tem espaço essencial na comunicação e processamento de informações (GALIL, 2002).
Ribeiro, Leite e Sousa (2009, p. 187) defendem que
As tecnologias móveis de comunicação, sobretudo o celular, sofisticam-se e ampliam cada vez mais suas funcionalidades. Em paralelo, desenvolvem-se novas formas de experienciar as diversas situações sociais através destes equipamentos, principalmente entre os adolescentes. Neste caso, o dispositivo funciona como forma de suprir demandas de comunicação cada vez mais imediatas e complexas.
Apesar de diversos aspectos positivos serem possibilitados por meio da tecnologia, há relatos a respeito de dependência comportamental, indicando que muitas pessoas fazem uso patológico da internet (FORTIM; ARAÚJO, 2013). A troca do mundo real pelo mundo virtual, em busca de apoio e aceitação, principalmente por crianças e adolescentes, tem gerado várias situações que aumentam os fatores de risco e comprometem a segurança.
Em 2016, o mundo presenciou vários suicídios ocorridos durante o jogo da asfixia, ou brincadeira do desmaio (The Choking Game). O jogo é um desafio que utiliza “técnicas de apneia, de estrangulação ou de compressão a fim de obter um breve estado de euforia, podendo conduzir a um desmaio voluntário ou acidental, às vezes letal” (GUILHERI; ANDRONIKOF; YAZIGI, 2017, p. 869). São autoinfligidos, geralmente transmitidos online, como forma de comprovar que a tarefa está de fato sendo realizada, podendo estar ou não vinculados a algum jogo online (League of legends, por exemplo). Há relatos de jogos de desmaio nos EUA datados de 1995.
No entanto, a brincadeira começou a ganhar notoriedade mundial em 2007, se tornando um problema de saúde pública, principalmente na França. No Brasil, é a partir de 2011 que ocorre aumento considerável dos relatos de asfixia com crianças e adolescentes (GUILHERI; ANDRONIKOF; YAZIGI, 2017). O jogo da asfixia tem como objetivo principal o desafio à capacidade e coragem do jogador, além da busca por um estado de euforia momentânea, que pode ou não levar à morte. O jogo no qual iremos focar nossos esforços tem um caráter mais profundo, baseado num contrato entre o jogador e seu “orientador” e com diferentes níveis de evolução.
O jogo Baleia Azul (Blue Whale) é uma nova modalidade de desafio que apareceu recentemente nos meios de comunicação, portanto não há artigos ou estudos mais aprofundados. As informações que se têm a respeito desse assunto são baseadas apenas em matérias de jornais que relatam mortes de adolescentes, principalmente na Rússia, ou em vídeos explicativos criados por participantes ou ex-participantes do jogo.
Conforme veículos de comunicação online, a maioria baseados no jornal Novaya Gazeta, da Rússia (The Sun Gazeta Online, Dailymail, R7, Blastingnews Brasil, 2017) há relatos de grupos criados em 2013. Mas a primeira suspeita de morte vinculada ao jogo é de 2016. O jogo foi criado na Rússia, e atualmente as investigações apontam que pelo menos 130 jovens do país que eram participantes dos grupos deste jogo tenham se suicidado.
O jogo Baleia Azul acontece em um grupo fechado nas redes sociais, sendo o Facebook (ou VK na Rússia) uma das mais utilizadas. Os grupos normalmente são nomeados de “Jogo Baleia Azul” (Game Blue Whale), “acorde-me às 04:20h”, “casa silenciosa” e “estou no jogo”. Pesquisas rápidas mostram que no Brasil já existem grupos Baleia Azul, com a finalidade de unir jogadores que desejam ser desafiados.
A pessoa que deseja participar envia uma solicitação, e o “líder” do grupo, chamado de baleia, inicia o contato. A partir do início do contrato, o participante receberá 50 desafios diferentes, que devem ser realizados durante 50 dias, geralmente às 04:20h da manhã. Os primeiros desafios são mais simples e o risco aumenta gradativamente no decorrer dos dias. Os desafios são baseados principalmente em automutilação em diferentes níveis, assistir filmes de terror e ouvir músicas melancólicas, subir em locais altos, como prédios e pontes e conversar com um “baleia” (um dos administradores do grupo).
O 50º desafio é suicidar-se do modo à sua escolha (enforcado, pulando de um prédio, pulando em frente a um trem, utilizando comprimidos ou veneno). Alguns vídeos detalham tarefas mais específicas, tais como não falar sobre o jogo, superar medos pessoais, dizer a data da morte, que deverá acontecer no 50º dia de jogo, e aceitar a morte (The Sun Gazeta Online, dailymail, R7, blastingnews Brasil, 2017).
Além de incentivar a coragem e autonomia do participante, o jogador recebe suporte constante dos “baleias”, que são os administradores do grupo. Os administradores são pessoas mais velhas, que geralmente possuem capacidade de argumentar, persuadir e envolver os participantes. A cada desafio realizado, aumentam os sentimentos de força, coragem, capacidade de automutilação e pertencimento ao grupo. “Esse sentimento de onipotência pessoal e de pertença ao grupo é reforçado quando o jovem partilha vídeos na internet, ganhando notoriedade entre os colegas” (GUILHERI; ANDRONIKOF; YAZIGI, 2017, p. 874). O objetivo principal é que, ao final do jogo, o participante seja capaz de tirar a própria vida. Sair do jogo simboliza falha ou fraqueza. De acordo com os jornais, há também relatos de ameaças à família do jogador, caso ele queira desistir.
Os participantes são principalmente crianças e adolescentes vulneráveis, que se sentem sozinhos ou isolados. São pessoas que têm ideação suicida ou já fizeram alguma tentativa de suicídio sem sucesso. O jogo Baleia Azul vai gradualmente ensinando ao participante que ele é capaz de sair do sofrimento, proporcionando pequenos prazeres, como a automutilação e a sensação de liberdade ao subir em locais altos. A automutilação ocorre com mais frequência na fase da adolescência, sendo que há “correlação com as frustrações relativas ao universo das descobertas dos adolescentes, envolvendo uso de drogas, intrigas escolares, isolamento social, crises familiares e as primeiras decepções amorosas” (CEDARO; NASCIMENTO, 2013, p. 205).
Ainda de acordo com os autores, a automutilação, apesar de retratar um comportamento auto agressivo, é uma tentativa de sentir-se “vivo”, de lidar com emoções e buscar alívio imediato. O jogador de Baleia Azul se sente apoiado pelos administradores e pelo grupo, e acredita que vai conseguir se libertar de qualquer sofrimento ao final dos 50 (cinquenta) dias de desafio.
Apesar das inúmeras tentativas de denunciar os grupos e impedir a disseminação do “desafio da morte”, o jogo Baleia Azul é mais um artifício utilizado nas redes sociais, entre tantos outros massivamente divulgados pela internet, para identificar crianças e adolescentes vulneráveis, e incentivá-los a colocar-se em risco. Precisamos estar alerta porque ações como essa, que promovem o incentivo ao suicídio e risco a segurança, não podem ser negligenciadas.
Família, escola, comunidade e governo precisam desenvolver uma rede de proteção para crianças e adolescentes, a fim de evitar o aumento de casos de suicídio. As pessoas mais próximas precisam estar atentas “aos sinais físicos, psicológicos e comportamentais a fim de orientá-los adequadamente: realizar sensibilização sobre a periculosidade do ato, levar à consulta médica ou psicológica, agendar reunião com os responsáveis escolares, entre outros” (GUILHERI; ANDRONIKOF; YAZIGI, 2017, p. 875).
Além disso, informação e sensibilização são essenciais nesse processo de fortalecimento e encorajamento de crianças e adolescentes. Guilheri, Andronikof e Yazigi, (2017, p. 875) afirmam que
trabalho de informação e prevenção deve ser realizado em ação conjunta das áreas da saúde e da educação, formando profissionais capacitados para a sensibilização de adultos, pais, professores e corpo médico. Estes, por sua vez, devem agir para sensibilizarem jovens e crianças alertando-os dos reais perigos dos quais nem sempre têm consciência.
Nesse sentido, Sapienza e Pedromônico (2005, p. 215) acreditam que “agora seja o momento de colocar em prática o que já se sabe sobre a resiliência, a fim de promover condições para que cada vez mais crianças e adolescentes possam se tornar resilientes”. Precisamos aprender a ouvir e entender as crianças e adolescentes, e principalmente, perceber os sinais que indicam isolamento, tristeza, angústia, frustração, ansiedade ou problemas emocionais.
Família, escola, comunidade e governo têm um papel primordial nesse processo. Por serem as crianças e adolescentes os mais atingidos com jogos e brincadeiras virtuais que atentam contra a vida, são eles que devem ser o principal meio de sensibilização, apoiados, é claro, pelos grupos sociais que compõem a rede de apoio. É de extrema importância que as situações e mortes ocorridas não sejam negligenciadas, que estejamos alerta a toda e qualquer situação de risco.
REFERÊNCIAS:
BARNES, Luke. Are your children playing the Blue Whale challenge? Police warn British parents over ‘suicide game behind hundreds of Russian teen deaths’. Dailymail Online. 2017. Disponível em: <http://www.dailymail.co.uk/news/article-4302338/Police-warn-parents-Blue-Whale-suicide-game.html>. Acesso em: 07/04/2017.
BLASTINGNEWS. Conheça o desafio suicida baleia azul que atrai jovens na internet. 2017. Blastingnews Brasil. Disponível em: <http://br.blastingnews.com/mundo/2017/04/conheca-o-desafio-suicida-baleia-azul-que-atrai-muitos-jovens-na-internet-001599997.html>; <http://br.blastingnews.com/mundo/2017/03/adolescentes-cometem-suicidio-ao-participarem-de-jogo-doentio-na-web-001517511.html>. Acesso em: 07/04/2017.
CEDARO, Jóse Juliano. NASCIMENTO, Josiana Paula Gomes do. Dor e Gozo: relatos de mulheres jovens sobre automutilação. P. 203-223 24(2). São Paulo: Psicologia USP, 2013.
EURONEWS. Jogo na internet leva centenas ao suicídio. Euronews Brasil. 2017. Disponível em: <http://pt.euronews.com/2017/03/30/russia-jogo-na-internet-leva-centenas-de-jovens-ao-suicidio>. Acesso em: 07/04/2017.
FORTIM, Ivelise. ARAUJO, Ceres Alvez de. Aspectos psicológicos do uso patológico de internet. Bol. – Acad. Paul. Psicol. vol.33 no.85. São Paulo, 2013.
GALIL, Fernanda Correa Silveira. Linguagem da internet: um meio de comunicação global. UNESP, 2002.
GUILHERI, Juliana; ANDRONIKOF, Anne; YAZIGI, Latife. “Brincadeira do desmaio”: uma nova moda mortal entre crianças e adolescentes. Características psicofisiológicas, comportamentais e epidemiologia dos ‘jogos de asfixia’. Ciênc. saúde coletiva [online]., vol.22, n.3, pp.867-878. ISSN 1413-8123. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017223.14532016. Rio de Janeiro, 2017.
MULLIN, Gemma. What is the Blue Whale online suicide game and how many teenage deaths has it been linked to in Russia? “The Sun” Gazeta Online. London, 2017. Disponível em: <https://www.thesun.co.uk/tech/3003805/blue-whale-suicide-game-online-russia-victims/>. Acesso em: 07/04/2017. Acesso em: 07/04/2017.
NASCIMENTO, AD., and HETKOWSKI, TM., orgs. Educação e contemporaneidade: pesquisas científicas e tecnológicas [online]. Salvador: EDUFBA, 2009, 400 p. ISBN 978-85-232-0565-2.
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