La Casa de Papel 3: desafiando o Sistema

As duas primeiras temporadas influenciaram o povo a ir às ruas lutar contra o sistema, prova disto são manifestações reais em  que o povo vestiu o macacão vermelho

A série da Netflix La Casa de Papel (3ª temporada) pode ser classificada como uma ficção ou se trata de um retrato dos Grupos de Resistência espalhados pelo mundo? Além da qualidade técnica melhorada, La Casa de Papel aborda tantos temas que as vezes é preciso parar, respirar fundo e só depois continuar. É uma temporada que aborda política, psicologia, irmandade, feminismo, tecnologia, relação interpessoal e arte.

A temporada inicia com um dos reféns do assalto a Casa da Moeda da Espanha palestrando para milhares de pessoas, como um best seller, e já mostrando a capacidade que o homem tem de tirar proveito de qualquer situação. Até então, em duplas, a equipe se espalha por diferentes partes do mundo, mas através do erro de ´´Rio“, o mesmo é capturado e a equipe resolve se unir, não só para salvar Rio, mas para desafiar e demonstrar resistência ao Sistema.

Logo no início o poder do dinheiro é destacado, assim como a identificação de ideais. É distribuído ao povo milhões de euros, acompanhado de um discurso de persuasão, anunciando que farão um novo assalto, mas este terá um significado ainda maior, já que alegam resistência contra o Estado, favorecendo o povo, deixando a mensagem principal: um governo contra um povo e um povo contra o Governo. Dessa forma, a população vai às ruas em manifestação.

Fonte: encurtador.com.br/ruFI2

Um fato importante é sobre como as duas primeiras temporadas influenciaram o povo a ir às ruas lutar contra o sistema, prova disto são manifestações reais em  que o povo vestiu o macacão vermelho, colocou a máscara e tomou conta das ruas. O diretor aproveitou registros destas manifestações, e usou cenas reais, inclusive do Brasil. Isto só confirma o impacto da série no cenário político e social.

Através da capturação de Rio, o tema de Direitos Humanos é abordado. No regime militar a tortura foi um dos meios que serviu para o governo alcançar os seus interesses políticos. Mas, através da Declaração dos Direitos Humanos, Artigo V, a mesma é banida: “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Diante de tal cenário, na série é feito o questionamento: em pleno século XXI o Sistema ainda faz uso de tortura para conseguir informações de pessoas que apresentam conduta negativa em relação ao regime?

Apesar da equipe se mostrar, muitas vezes, totalmente perdida, os temas ´´companheirismo, irmandade, fidelidade e lealdade“ são abordados, até mesmo com os antepassados. No novo plano de assalto o alvo agora é o Banco da Espanha e uma cena marcante é o momento em que o líder (dentro do banco)  Palermo diz a um dos guardas costas do Presidente do Banco: eu sou o sul-americano que veio buscar o ouro que vocês, europeus, nos roubaram. Um ato de justiça ou de vingança? Eis a questão.

Ao ser solto, Rio é ovacionado pelo público que cerca o Banco. É atribuído a ele uma cena com temática heróica por ter sobrevivido a tortura. Ao adentrar ao banco, o ex prisioneiro do Estado faz um discurso de gratidão pelo fato da equipe ter abdicado da liberdade para ir salvá-lo. Diante disto é abordado o amor sexual, mostrando, também, que vilões têm sentimentos, ou poderia ser uma tentativa de confundir ainda mais os fãs de La Casa de Papel? São vilões ou mocinhos?

Outro tópico de resistência é a homessexualidade. É mostrado romance entre dois integrantes do grupo comandado pelo professor, frisando a representatividade e desconstruindo a estereotipação ao apresentar um homem grande, robusto, assaltante, romântico e sentimental. Enquanto o outro se apresenta como opressor e tóxico, justificando seu comportamento como regra da equipe para que o plano funcione, no entanto a temporada é cheia de sentimentalismo do início ao fim.

Outro assunto em evidência é o feminismo. Tóquio, Nairóbi e Estocolmo (o novo nome de Monica) são expostas as cenas em que a mulher é humilhada, subjugada e sexualizada. As personagens se apresentam empoderadas, enfrentam os ataques machistas e ocupam papel de liderança dentro da equipe. Além disso, Lisboa (o novo nome da inspetora Raquel) e a nova inspetora Sierra também ganham papel de destaque acompanhadas de sentimentalismo, pulso firme e humor. É importante frisar, que mesmo grávida e prestes a parir, Sierra comanda a operação.

Fonte: encurtador.com.br/eoyA1

Se nas duas primeiras temporadas a música ´´Bella Ciao“ era a trilha sonora, nesta temporada a música é outra, mas apresenta características em comum. A primeira trilha sonora aborda resistência, sendo uma canção da representação da Guerra Italiana: “E se eu morrer como um membro da Resistência, querida, adeus! Querida, adeus! Querida, adeus, adeus, adeus!”. A nova trilha sonora “Guantanamera” também aborda coragem e luta pelos ideais: “Eu sou um homem verdadeiro desta terra de palmeiras. Antes de morrer eu quero compartilhar esses poemas da minha alma”.

O roubo também ganha uma característica poética maior, além da temporada ser gravada em diferentes cenários paradisíacos, citações filosóficas também fazem parte do roteiro. O ato de roubar é romantizado e fica evidente no momento em que Berlim cita Michelangelo para representar o plano ´´impossível“ de se assaltar o Banco Europeu: “continue cultivando a beleza.. esse golpe é a nossa beleza. É a nossa obra prima”.

Por fim é mostrado como o fator psicológico é importante e pode ser peça chave para se ganhar uma guerra. Em alguns momentos é mostrado Sierra frisando a importância  de analisar o perfil psicológico de cada assaltante, e declara: Nós temos que atacar, ir direto pro coração. Quebrá-los por dentro. Sierra consegue desestabilizar toda a equipe, inclusive o professor, que cai em sua própria armadilha. O que valida a fala  de Tóquio no início da temporada: “Esta é a missão. Nada é de graça, tudo que se faz tem consequência”.

A temporada termina cheia de drama e suspense. Ao final o professor declara: isto não é mais um roubo. É um desafio ao sistema. É uma guerra. Diante de tal final, com gostinho de quero mais, fica entendido que a 4º temporada está a caminho.

Ficha Técnica

Título Original: La Casa de Papel

Duração: 376 minutos

Ano produção: 2019

Distribuidora: Netflix

Gênero: Suspense

Elenco: Úrsula Corberó, Itziar Ituño, Álvaro Morte, Pedro Alonso, Paco Tous, Alba Flores, Miguel Herrán, Jaime Lorente, Esther Acebo, Enrique Arce, María Pedraza, Darko Peric

 

Psicóloga egressa do Ceulp/Ulbra. Pós-graduanda em Terapia de casal: abordagem psicanalítica (Unyleya). Colaboradora do Portal (En)cena.