Qual a relação entre loucura e razão? Elas têm algo em comum ou não? E o desatino por sua vez, trata-se de uma característica da loucura ou pelo contrário, é o caminho para razão? E o delírio e o seu parentesco com o sonho. Como é visto nesse contexto? Qual o novo sentido da loucura no mundo moderno? Existe um novo sentido? É sobre essas questões que o filósofo francês Michel Foucault se desdobrará em sua obra “História da Loucura”, na sua terceira parte. A qual analisaremos nesse trabalho.
Na introdução da terceira parte de “História da Loucura” ele aborda a questão da loucura, do desatino e do delírio. Em seguida abordará a questão do grande medo, depois nos apresentará a nova visão a cerca desse problema, em seguida a questão do bom uso da liberdade, depois falará do nascimento do asilo e por fim do círculo antropológico. Nesse sentido é importante salientar a diferença que o autor fará entre loucura, desatino e delírio. Estes dois últimos é muitas vezes vistos na modernidade como características da loucura. Tanto que quem desatina logo é taxado de louco. Será mesmo?
Segundo Foucault (1978) “é do próprio fundo do desatino que nos podemos interrogar sobre a razão. E está novamente aberta a possibilidade de reconquistar a essência do mundo no torvelinho de um delírio que totaliza, numa ilusão equivalente à verdade, o ser e o não-ser do real”. Logo podemos afirmar que o desatino não é o mesmo que loucura. É preciso, portanto para não cair nesse erro e se libertar das noções patológicas a cerca do deliro do desatino, o que é recorrente na visão positivista da loucura. Foucault, portanto nos apresentará uma nova visão da loucura partindo dos seguintes problemas:
Por que não é possível manter-se na diferença do desatino? Por que será sempre necessário que ele se separe de si mesmo, fascinado no delírio do sensível e encerrado no recuo da loucura? Como foi que ele se tornou a tal ponto privado de linguagem? Qual é, então, esse poder que petrifica os que uma vez encararam-no de frente, e que condena à loucura todos os que tentaram aprovação do Desatino? (Foucault, 1978; 386).
Essas são as questões centrais que o autor abordará e que analisaremos nesse trabalho.
HISTÓRIA DA LOUCURA – TERCEIRA PARTE
O Grande Medo:
O desatino ainda não pode ser totalmente compreendido no século XVIII. Sendo ainda visto não a partir da “interrogação secreta, é apenas o hábito social: as roupas rasgadas, a arrogância em farrapos, a insolência que se suporta e cujos poderes inquietantes são calados através de uma indulgência divertida”. (Foucault, 1978; 387). Dessa deficiência em interpretar o desatino corretamente é que surge o grande medo. Medo que surgi de uma vizinhança estranha que lhes trazem um traço de quase-semelhança e por conseguinte um duplo, onde ao mesmo tempo se reconhece e se anula. O medo se espalha, sobretudo com o aparecimento das casas de internação, sobretudo por que qualquer pessoa está sujeita a ser taxada de louca, já que não há claramente uma distinção se se trata ou não de uma doença, do que é ou não loucura ou desatino.
A falta de conhecimento é um campo aberto para proliferar e espalhar o medo. Foucault (1978) alerta:
Todas essas formas do desatino que haviam ocupado, na geografia do mal, o lugar da lepra e que se havia banido para bem longe das distâncias sociais, tornaram-se agora lepra visível, e exibem suas chagas comidas à promiscuidade dos homens. O desatino está novamente presente, mas agora marcado por um indício imaginário de doença atribuído por seus poderes aterrorizantes.
Percebe-se, portanto que esse grande medo que assola o século XVIII não tem fundamentação na ciência. Não será através da medicina que procuraram resolver as doenças, mas no fantástico, isto é, no não-real. Dessa forma não buscavam saber em que medida o desatino é patológico. Nessa linha Foucault ressalta:
É importante e talvez decisivo para o lugar que a loucura deve ocupar na cultura moderna que o honro medicus não tenha sido convocado para o mundo do internamento como árbitro, para fazer a divisão entre o que era crime e o que era loucura, entre o mal e a doença, mas antes como um guardião, a fim de proteger os outros do perigo confuso que transpirava através dos muros do internamento.
Logo podemos afirmar que a questão da loucura não foi abordada como se deveria, tal como tantas outras questões aonde a repressão vem antes da política. Percebe-se que no século XVIII o que se imperava era um grande medo, de que aquilo contaminasse toda a sociedade e em vez de encarar o problema resolveu-se reprimi-lo, isola-lo, trancafia-lo.
Segundo Foucault (1978):
Na época clássica, a consciência da loucura e a consciência do desatino não se haviam separado uma da outra. A experiência do desatino que guiara todas as práticas do internamento envolvia a tal ponto a consciência da loucura que a deixava, ou quase, desaparecer, em todo caso arrastava-a por um caminho de regressão onde ela estava prestes a perder o que tinha de mais específico.
É só a partir do final do século XVIII com a publicação de obras de pensadores que tratavam a cerca desse tema que essa realidade foi se modificando e começou-se a perceber que era necessário fazer certas diferenciações – nem todos que eram internados eram de fato loucos.
A loucura e a liberdade, a loucura mercantil, a loucura, a civilização e a sensibilidade são alguns aspectos que foram analisados. Segundo Foucault (1978) a loucura no século XVII foi descoberta,
na perda da verdade: possibilidade inteiramente negativa na qual a única coisa em questão era essa faculdade de despertar e de atenção no homem, que não é da natureza, mas da liberdade. O fim do século XVIII põe-se a identificar a possibilidade da loucura com a constituição de um meio: a loucura é a natureza perdida, é o sensível desnorteado, o extravio do desejo, o tempo despojado de suas medidas; é a imediatez perdida no infinito das mediações.
No século XIX Foucault ressalta:
a loucura se tornou possível em virtude de tudo aquilo que o meio pôde reprimir, no homem, que dependia da existência anima. A partir de então, a loucura se vê ligada a uma certa forma de devir do homem. Enquanto era sentida como ameaça cósmica ou iminência animal, ela dormitava ao redor do homem ou na noite de seu coração, dotada de uma eterna e imóvel presença. (Foucault, 1978; 409)
A partir dai, logo percebemos o surgimento de uma nova concepção da loucura, que passará a não ser mais a perda absoluta da verdade, mas sim a sua verdade. Essa virada se dá no final do século XVIII.
Do Bom Uso da Liberdade;
Para Foucault a loucura volta a ser devolvida a solidão. Não a solidão que lhe era peculiar até a renascença, mas uma solidão que levava para uma zona neutra e vazia. Assim percebemos portanto que no século XVIII o que desaparece não é a forma desumana como o louco é tratado mas sim a evidência da internação. Foucault (1978) coloca que a era do internamento se encerrou. No entanto permanece apenas uma detenção onde se colocam, lado a lado, criminosos condenados ou possíveis criminosos e os loucos.
Tal fato se deu por que como bem ressalta o autor “Durante muito tempo, o pensamento médico e a prática do internamento haviam permanecido estranhos um ao outro”. Nessa linha apesar dos avanços que ocorreram “se se prescrevia aos pobres válidos a obrigação de trabalhar, se se confiava às famílias o tratamento dos doentes, estava fora de cogitação deixar que os loucos se misturassem à sociedade”. (1978; 466).
Os loucos são tratados como outros prisioneiros. Nesse contexto percebe-se a farsa do internato. Os interesses do mercado se sobrepõem as questões sociais, logo as saídas apresentada pelo campo da caridade não conseguem responder aos problemas satisfatoriamente. Dai que o internato toma um novo caráter tornando-se,
um espaço de verdade quanto espaço de coação, e só deve ser este para poder ser aquele. Pela primeira vez é formulada essa ideia que tem um peso único na história da psiquiatria até o momento da liberação psicanalítica: a ideia de que a loucura internada encontra nessa coação, nessa vacuidade fechada, nesse “meio”, o elemento privilegiado no qual poderão aflorar as formas essenciais de sua verdade. (1978; 476).
É com o surgimento da psicologia que teremos uma nova abordagem a cerca dessa questão “propondo uma nova descrição das relações do homem com as formas ocultas do desatino”. Foucault ressalta, no entanto que tal psicologia não surgiu a partir de uma preocupação da humanização da justiça, mas sim por uma questão moral – uma espécie de estatização dos costumes. Esta psicologia é, antes de mais nada, a imagem invertida da justiça clássica. (Foucault, 1978; 490).
Segundo Foucault (1978) nesse contexto, a loucura não é mais uma coisa que se teme, ou um tema indefinidamente renovado do ceticismo. Tornou-se objeto. Mas com um estatuto singular. No próprio movimento que a objetiva, ela se torna a primeira das formas objetivastes: é através disso que o homem pode ter uma ascendência objetiva sobre si mesmo. Com isso passa-se a ter uma perspectiva enigmática o que persiste não apenas no século XIX como também na modernidade. A esse respeito Foucault (1978) afirma “para o pensamento do século XIX, para nós ainda, ela tem a condição de uma coisa enigmática: inacessível, de fato e no momento, em sua verdade total, não se duvida, contudo, que ela um dia se abra para um conhecimento que poderá esgotá-la”.
Nascimento do Asilo:
O retiro é visto como um aparelho fundamental para recuperação dos loucos como também a quebra das correntes. Para isso o positivismo contribuirá ao defender que “todo domínio objetivo sobre a loucura, todo conhecimento, toda verdade formulada sobre ela será a própria razão, a razão recoberta e triunfante, o desenlace da alienação”. Nessa linha o autor ressalta:
as correntes estão se rompendo, o louco é libertado. E, nesse momento, recupera a razão. Ou melhor, não: não é a razão que reaparece em si mesma e por si mesma; são espécies sociais já constituídas que dormitaram durante muito tempo sob a loucura, e que se levantam em bloco, numa conformidade perfeita com aquilo que representam, sem alteração nem caretas. (Foucault, 1978; 521).
Percebemos, portanto que não há triunfo da razão sobre a loucura, pelo contrário, mas sim uma espécie de conformismo, alienação. Logo portanto, o retiro nada mais é do que um espaço de segregação, de dominação da razão sobre a loucura – para tanto a religião contribui de forma significativa. O asilo, no entanto não deixa de gerar medo tal como a internação no século XVIII. Foucault afirma (1978) que vigilância e Julgamento: já se esboça uma nova personagem que será essencial no asilo do século XIX.
E para Foucault não só a religião cumpre um papel central como também os cientistas positivistas. “À medida que o positivismo se impõe à medicina e à psiquiatria, singularmente essa prática torna-se mais obscura, o poder do psiquiatra mais milagroso e o par médico-doente mergulha ainda mais num mundo estranho”. (1978; 552). Na contramão dessa visão surgi Freud. Para Foucault (1978) Freud desmistificou todas as outras estruturas do asilo: aboliu o silêncio e o olhar, apagou o reconhecimento da loucura por ela mesma no espelho de seu próprio espetáculo, fez com que se calassem as instâncias da condenação.
O Círculo Antropológico
Acerca dessa questão Foucault ressalta que Pinel ou Tuke não deram nenhuma liberdade ao louco, além da que ele já tinha. É por isso que ele afirma que:
E essa liberdade que o internamento, no momento de suprimi-la, apontava com o dedo? Libertando o indivíduo das tarefas infinitas e das consequências, de sua responsabilidade, ele não o coloca, nem de longe, num meio neutralizado, onde tudo seria nivelado na monotonia de um mesmo determinismo. É verdade que muitas vezes se interna para fazer alguém escapar ao julgamento: mas interna-se num mundo onde o que está em jogo é o mal e a punição, a libertinagem e a imoralidade, a penitência e a correção. (1978; 556)
Essa afirmação de Foucault é fundamental para que compreendamos como a questão da loucura é abordada ainda nos dias atuais. Apesar de todos os avanços é inegável que ainda prevalece uma visão moralista a esse respeito. Logo podemos afirmar que há uma enorme carga repressiva nesse processo.
O autor vai destacar portanto a visão antropológica que passa a dominar sobre o tema da liberdade do louco – “A loucura sustenta agora uma linguagem antropológica visando simultaneamente, e num equívoco donde ela retira, para o mundo moderno, seus poderes de inquietação, à verdade do homem e à perda dessa verdade e, por conseguinte, à verdade dessa verdade”. (Foucault, 1978; 560). O que coloca o problema da loucura no campo da linguagem. Mas uma linguagem diferente do que era compreendida no período clássico, apesar de reaproximar delírio e sonho.
O louco se coloca como um objeto de estudo e se transforma portanto em coisa. Percebe-se então no correr do século XIX uma visão dualista a cerca da loucura. Porém vão surgindo ao longo da história diferentes abordagens e perspectivas de como se deve encarar essa questão. Por exemplo, Foucault destaque essas diferentes concepções e os conflitos decorrentes que vai desde o conflito entre uma concepção histórica, sociológica, relativista da loucura; Conflito entre uma teoria espiritualista, que define a loucura como uma alteração da relação do espírito consigo próprio e um esforço materialista para situar a loucura num espaço orgânico diferenciado; Conflito entre a exigência de um juízo médico que mediria a irresponsabilidade do louco pelo grau de determinação dos mecanismos em atuação nele e a apreciação imediata do caráter insensato de seu comportamento; Conflito entre uma concepção humanitária da terapêutica, à maneira de Esquirol, e o uso dos famosos “tratamentos morais” que fazem do internamento o meio maior da submissão e da repressão. (1978; 566 e 567).
Foucault concluirá a terceira parte de sua “História da Loucura” abordando filósofos e artistas famosos que enlouqueceram. Analisando a questão da loucura com a obra desses autores. Nesse sentido ele afirma que “a loucura é ruptura absoluta da obra; ela constitui o momento constitutivo de uma abolição, que fundamenta no tempo a verdade da obra; ela esboça a margem exterior desta, a linha de desabamento, o perfil contra o vazio”. (1978; 583). A obra e a loucura, uma contra a outra, mas uma se alimentando da outra. Dai que não se pode ater a seus traços patológicos, pois elas estão em consonância com o tempo do mundo. Isso, é, são frutos da sociedade. Logo cabe a sociedade o papel de regenerar obra e loucura.
Foucault salienta (1978) “ali onde há obra, não há loucura; e, no entanto a loucura é contemporânea da obra, dado que ela inaugura o tempo de sua verdade. No instante em que, juntas, nascem e se realizam a obra e a loucura, tem-se o começo do tempo em que o mundo se vê determinado por essa obra e responsável por aquilo que existe diante dela”. Cabe, portanto não despreza-la, mas conservar o seu legado, pois tanto uma como a outra não podem ser apagadas da história da humanidade. Isso mostra o triunfo da loucura – e esse triunfo se dá justamente através dessas obras. Dai que para Foucault não é a psicologia que deve se preocupar em avaliar ou julgar a loucura, é o contrário.
Uma análise do conceito foucaultiano no filme “Bicho de Sete Cabeças”
Na terceira parte de seu livro, “A História da Loucura”, Foucault descreve as condições presentes da “loucura” na segunda metade do século XVIII ao início do século XIX. Fazendo um paralelo com o filme “Bicho de Sete Cabeças” (2001), dirigido por Laís Bodanzky, podemos observar algumas ideias em comum.
Foucault na parte 3 de seu livro descreve a passagem de uma experiência moderna da loucura, objetivando o sujeito louco e interpretando a loucura como uma doença mental, ele não enxerga mais uma ausência do ser, mas uma alteração das faculdades humanas, uma alienação da verdade do homem. Assim como na visão foucaultiana, o filme mostra através de seu protagonista, jovem chamado Neto, um alienado sendo aprisionado, castigado e submetido a mecanismos de remodelação simplesmente por não fazer parte da “normalidade” imposta por aqueles que estão no poder.
O “Bicho de Sete Cabeças” relata um retrato duro e cruel da realidade vivenciada pelos internos de hospitais psiquiátricos. Este filme conta a história de um jovem (Neto) que é internado contra sua vontade pelo pai após ter sido flagrado com cigarro de maconha. Adolescente, vivendo uma fase tão conturbada de sua vida seus pais nem sequer tentam dialogar com o rapaz para entender o que se passa em sua mente e é simplesmente deixado em um manicômio. Internado, Neto é submetido à administração de medicamentos e procedimentos que o reduzem à condição animal sendo tratado de maneira agressiva, impiedosa e desumana. Enfermeiros usavam de violência fazendo uso de camisa de força, quarto “forte” e eletrochoque.
Para justificar a internação, a imposição do padrão de normalidade, assim referida na terceira parte do livro de Foucault “A História da Loucura”, foi utilizada pelos pais. Para seus pais, Neto fugia do padrão da normalidade da sociedade e por isso deveria ser internado. Dessa forma, a família passa a ser responsável pela vigilância do alienado, impedindo que este cometesse desordens. Assim, o louco continua sem liberdade, ele se encontra sob as ordens da família.
No filme, assim como retratado por Foucault na terceira parte de seu livro, a figura do médico é de autoridade competente. Com a psicanálise, o louco agora pode falar, ao contrário do período anterior, mas é tratado como objeto de estudo e não como um ser coberto de razão. O louco continua a ser vigiado e confinado pela razão. Os médicos, serão a autoridade que atua sobre os loucos, ditam o poder da razão em confinar a loucura. O que vemos é a razão exercendo poder sobre a loucura, como se a tudo o que o louco estivesse falando houvesse o julgamento da razão. Superar a autoridade psiquiátrica seria superar a razão.
Pode-se também fazer uma comparação do filme com o período que é abordado no livro em sua terceira parte, em relação ao papel a que se destinavam os hospitais. Na parte 3 do livro, no século XVIII, assim como no filme o hospital se apresenta como um meio de exclusão social, onde se internavam loucos, prostitutas, leprosos, criminosos, entre outros. Lá dentro estas pessoas eram “docilizadas” e disciplinadas, controladas constantemente. Nesse período, o hospital passa a assumir a responsabilidade de uma instituição destinada a promover a cura, diferente da Idade Média que o hospital não era visto como meio de cura. Apesar da coerção física e os maus-tratos contra a loucura estarem mais camuflados e maquiados, o conceito social que trouxe uma relação de dominação à loucura permanece e permeia a nossa sociedade até os dias atuais.
Mesmo após ser liberado da internação Neto ainda sofre sequelas de tudo que viveu ali dentro. Ele não consegue se adaptar ao modelo imposto pela sociedade e pela família, e é novamente encarcerado no hospício. A cada vez que ele é internado ele sofre mais, perde a razão, a liberdade, é degradante. Ele somente consegue sair depois de incendiar a cela em que está, e finalmente chamar a atenção do pai. No final do filme vemos Neto envelhecido pela dor e sofrimento.
Em sua obra, Foucault atentou para as condições de possibilidade para o aparecimento da psicologia, fato cultural que é próprio do mundo ocidental desde o século XIX e produziu o louco do mundo moderno. O filme também revela possibilidades do surgimento da insanidade mental surgida no louco moderno e é representada por Neto. E mesmo que essa “insanidade mental” não tenha partido do interior de Neto o filme aborda todo um envolto psicológico para tratar do assunto. O “Bicho de Sete Cabeças” é um filme que nos faz refletir sobre tudo que Foucault escreveu em sua obra e nos dá subsídio para estudar melhor a psicologia.
Percebemos que em “História da Loucura”, o Filósofo Michel Foucault mostra como a questão da loucura vem sendo abordada ao longo da história. Sendo que nessa terceira parte da sua obra ele falará como esse problema era visto no século XVIII e XIX até chegar à modernidade. A esse respeito é importante ressaltar a confusão que se tinha a cerca da loucura, especialmente no inicio do século XVIII – onde o que predominava era uma visão fantasiosa. O caminho da internação levou ao que ele denominou de o grande medo – que surge justamente da falta de clareza e da perspectiva fantasiosa com que a loucura era vista. Nesse contexto há uma grande confusão entre loucura e desatino, que como vimos que não se trata da mesma coisa. É em fins do século XVIII que surge, portanto uma nova divisão a cerca da loucura.
Segundo Foucault (1978) A loucura encontrou uma pátria que lhe é própria… algo que isola a loucura e começa a torná-la autônoma em relação ao desatino com o qual ela estava confusamente misturada. O que vem com a descoberta de que os internatos de nada serviam, a não ser para repressão e perseguição. Nesse contexto o positivismo acaba influenciando fortemente a cerca de uma nova abordagem a cerca da loucura. Já com a psicologia vemos um retorno à concepção clássica, preocupando-se, ao contrario do positivismo, com questões mais humanistas, não a cerca da justiça, mas da moral – assim investe a concepção clássica. Nesse contexto o autor falará a cerca do surgimento do asilo no século XIX, que surge em contraposição a internação, mas o que se percebe é que os asilos apesar de não haver mais correntes, não dá a liberdade prometida.
Por fim vimos a questão do círculo antropológico, a liberdade do louco, a tentativa de resumir a loucura a questão da linguagem, e as diversas concepções conflitantes que foram surgindo no final do século XVIII e durante o século XIX. Vimos a grande contribuição de Freud desmistificando várias questões a cerca da loucura e por fim vimos à relação entre loucura e a obra de diversos autores. E é nessa relação que percebemos o triunfo da loucura, dai que não adianta a psicologia buscar avalia-la ou justifica-la. As obras estão aí servindo justamente para que a sociedade busque redimir a loucura. Muito esforço foi feito nesse sentido, mas nenhum conseguiu dá uma resposta pronta e acabada. Pelo que vimos será mesmo necessários essa resposta? Uma coisa é fato, não confundindo loucura com desatino, alienação entre outros que a compreenderemos. É claro, se é que ela possa ser compreendida.
REFERÊNCIA:
FOUCAULT, Michael. História da Loucura. Tradução – José Teixeira Coelho Netto. Editora Perspectiva S.A. – São Paulo – Brasil; 1978. Págs. 376 a 584.