Fonte:http://blogs.atribuna.com.br/euestudocerto/wp-content/uploads/2013/07/Sem-tempo.jpg
Atualmente, a palavra “Trabalho” possui vários significados. Segundo Albornoz (1986) é possível achar o significado desta palavra a partir de duas formas: a de realizar uma ação que expresse a identidade do ser humano em um determinado contexto; e a de esforço diário, sem liberdade e autonomia.
A tradução da palavra, quando carregada de significados e emoções, pode suscitar (variável de acordo com a cultura) lembranças de formas de atuar diferentes, remetendo a imagens de alguém que produz e recebe uma remuneração por isso (capital). Muito se associa também à dor, fardo e esforço, pois o homem realiza e transforma algo (matéria prima) em prol de sua sobrevivência na sociedade, criando e reciclando instrumentos (Albornoz, 1986).
Independentemente do significado cultural que é atribuído à palavra trabalho, muito se diz sobre os benefícios e\ as consequências (longas jornadas de trabalho a fio) que a atividade humana para determinados fins pode proporcionar. O filósofo Bertrand Russell (1872- 1970) relata que os seres humanos deveriam ter uma jornada de trabalho menor, e que isso propiciaria mais tempo para a manifestação e desenvolvimento de habilidades artísticas e educacionais de cada um. Essa redução da jornada de trabalho, para Russell, deixaria a população menos submetida à alienação e a grandes rotinas que proporcionam grandes desgastes físicos e mentais.
Fonte:http://euquerotrabalho.com/files/2011/06/Tempo1.jpg
Olhando para a história, é possível perceber que a luta pela redução da jornada de trabalho é tão antiga quanto o próprio capitalismo, afinal no século XIX, surgem às primeiras obras de grande repercussão sobre o tema. A luta pela redução da jornada de trabalho é apresentada por Marx como um direito dos trabalhadores, que têm parte de sua força de trabalho roubada pelo capital, sendo esta a base da construção da riqueza na sociedade capitalista. A redução da jornada de trabalho, por outro lado, aparece como um importante instrumento na construção de uma sociedade socialista em que homens e mulheres possam dedicar seu tempo livre para atividades mais prazerosas de caráter cultural, artístico.
Outro pensador que aborda a mesma proposta de Karl Marx é Bertrand Russel, em O Elogio ao Ócio, publicado em 1935. Russel critica o que ele chama de “crença na virtude do trabalho”, que seria responsável por uma série de malefícios vivenciados pela humanidade. A ideia da virtuosidade do trabalho poderia ter seu sentido em um período em que as forças produtivas fossem pouco desenvolvidas, mas, depois do advento da revolução industrial, passariam a carecer de qualquer forma de sentido. Russel ponta que a solução definitiva estaria no socialismo internacional. Com uma unidade central os erros poderiam ser evitados. Ao invés dos lucros, as indústrias teriam como motivação o planejamento governamental. Com o socialismo pode se encontrar o equilíbrio impossível no sistema capitalista. Acabará a insegurança econômica, que faz com que surjam as guerras. E as pessoas democraticamente eleitas seriam responsáveis por garantir o equilíbrio entre o lazer e o conforto. “Quando o socialismo tiver se generalizado em todo o mundo civilizado, os motivos para guerras em grande escala não deverão ter força suficiente para superar as razões, muito mais óbvias, de se preferir a paz.” (RUSSELL, 2002: 124).
Existiriam, para Russel, dois tipos de trabalho: o primeiro tipo é o executado por aqueles que efetivamente trabalham, e em segundo lugar, o trabalho que consiste em mandar os outros executarem as tarefas para si. Russel propõe que a jornada de trabalho ficasse restrita á quatro horas, em que o trabalho executado neste período de tempo seria suficiente para que os indivíduos pudessem, no entender do autor, satisfazer suas necessidades elementares, bem como as suas necessidades de conforto exigido pela vida. Como todos de sua época, Russell foi criado com a mentalidade do trabalho, onde o ócio seria algo negativo.
Como muitos homens da minha geração, fui educado segundo os preceitos do provérbio que diz que o ócio é o pai de todos os vícios. E, como sempre fui um jovem virtuoso, acreditava em tudo que me diziam, e foi assim que a minha consciência adquiriu o hábito de me obrigar a trabalhar duro até hoje (RUSSELL, 2002:23).
Fonte:http://www.blogdacidadania.com.br/wp-content/uploads/2013/07/marionete.png
A partir da dedicação de apenas quatro horas diárias ao trabalho. Russel acredita que as pessoas poderiam dedicar mais tempo ao desenvolvimento de sua educação, de diversas habilidades, como a pintura e as artes em geral, alcançando a humanidade, enfim, a alegria de viver, ao invés de todo o desgaste físico e emocional à exaustão, a que a população é submetida pela estressante faina a que são obrigados a enfrentar diariamente, por quase toda a vida. E como não estariam cansadas, as pessoas poderiam buscar diversões que fossem exclusivamente monótonas.
Fonte: https://espacoviryasp.wordpress.com/2015/01/27/para-que-serve-o-ocio-criativo/
Os pensadores que seguem a linha marxista acreditam que a redução da jornada de trabalho é, senão a única, ao menos a principal proposta a ser tornada prática para equacionar a problemática da diminuição do trabalho vivo e, em consequência, do aumento acelerado do desemprego. Segundo Russell “A técnica moderna tornou possível a drástica redução da quantidade de trabalho necessária para garantir a todos satisfação de suas necessidades básicas” (RUSSELL, 2002:28)
Ainda nos dias atuais o modo de produção capitalista, é muito difícil os patrões aceitarem de bom grado a redução da jornada de trabalho, mesmo que o empresariado possa obter alguns benefícios com a diminuição da jornada, como o aumento da produtividade do trabalho, que propicia a expansão do consumo tanto pelos novos assalariados, bem como pela ampliação do consumo do ócio, por parte dos trabalhadores com maior tempo livre. Assim mesmo, a lógica do capital é opor-se à medida, se não for seguida da redução dos salários. A aceitação da redução da jornada de trabalho por parte da classe capitalista, com manutenção de salários, mostra-se pouco provável de ocorrer até nos dias atuais. Da mesma forma, nada indica que pelo fato de estarem ocorrendo transformações aceleradas no mundo do trabalho, fruto das inovações tecnológicas, com a necessidade da utilização de menos trabalhadores para a produção de uma mesma quantidade de mercadorias, que a diminuição da jornada de trabalho será posta em prática com maior facilidade. Para Russell
[…] A moderna técnica trouxe consigo a possibilidade de que o lazer, dentro de certos limites, deixe de ser uma prerrogativa de minorias privilegiadas e se torne um direito a ser distribuído de maneira equânime por toda a coletividade. A moral do trabalho é uma moral de escravos, e o mundo moderno não precisa da escravidão. (RUSSELL, 2002:27)
O que se verifica é que o trabalho encontra-se cada vez mais precarizado, através da flexibilização dos direitos trabalhistas, e é nestas formas de organização produtiva que se observa a convivência entre as mais arcaicas formas de exploração do trabalho, acompanhadas pelas modernas. Assim sendo, pode-se concluir que a redução da jornada de trabalho e a ampliação do tempo livre a que o trabalhador poderia usufruir somente seria realmente viabilizada em proveito dos próprios trabalhadores sob a organização de uma sociedade em que não houvesse o predomínio da propriedade privada dos meios de produção. Do contrário, sempre alguém irá pagar pela redução da jornada de trabalho, e no caso do capitalismo, sempre o custo recairá sobre os trabalhadores de forma direta ou indireta. Para Russell, as pessoas precisam de maior tempo de lazer:
[…] Os prazeres das populações urbanas se tornaram fundamentalmente passivos: ver filmes, assistir a partidas de futebol, ouvir rádio e assim por diante. Isto ocorre porque as energias ativas da população estão totalmente absorvidas pelo trabalho. Se as pessoas tivessem mais lazer, voltariam a desfrutar prazeres em participassem ativamente (RUSSELL, 2002: 33).
Fonte: http://obviousmag.org/archives/2009/02/trabalho_no_mundo.html.jpg?v=20151117184946
Se trouxermos o tema redução do trabalho e ócio para os dias atuais, é possível dizer que o homem deixou de trabalhar para viver e passou a viver para trabalhar, houve uma queda criativa da capacidade do individuo, pois, ele não tem o ócio para realizar as coisas que realmente gosta. É possível dizer que hoje, o ócio é visto com maus olhos, com mediocridade, hoje, o ócio um sinônimo de vagabundagem ou de férias, de não fazer nada. É irônico que no próprio grego a palavra tenha sofrido essa distorção. Em grego, é psykhagogía, o que significa originariamente condução da alma. Por quê? Porque o ócio é o momento em que o indivíduo para refletir sobre a alma. No livro Sobre o Ócio, Sêneca mostra que esse é o momento da contemplação, da reflexão, do encontro do sujeito consigo mesmo, de pensar no sentido da sua existência – o que estou fazendo aqui, de onde vim, para onde vou. A função do ócio é renascer de si próprio e recriar-se constantemente no caminho da evolução. Em Fedro e em O Simpósio (erroneamente traduzido como O Banquete), Platão nos dá reflexões excelentes sobre isso. Ele queria recuperar o saber da verdadeira Paidéia, a arte de formar um homem não pelo conhecimento, mas pela ética e pela verdade – os princípios por excelência do pensamento arcaico como forma de educação. Portando, o ócio significa o momento de fazer uma viagem exterior e outra, interior, como dizia Sócrates. A viagem interior rumo à descoberta de si, para a pessoa se pôr para fora, a serviço do social e da realização – a fim de que ela parta daqui mais evoluída e deixe uma contribuição para a criação.
Com o passar do tempo, novas formas de trabalho são impostas e configuradas na sociedade. Atualmente, no Brasil, com a implementação do sistema capitalista, os homens devem produzir a fim de adquirir o lucro (capital). Quanto mais se produz, mais se ganha. Isso pode gerar indivíduos que buscam longas jornadas de trabalho a fio para poder adquirir mais recursos e adentrar ainda mais ao sistema vigente do país.
Hoje, uma grande discussão que envolve o trabalho como apenas mais uma atividade do homem é a qualidade de vida. Devido aos desgastes causados pela busca incessante de lucros, a qualidade de vida nos países emergentes tem se degradado. “A trama em que essa questão está envolta é quase evidente: a luta pela sobrevivência leva a uma jornada excessiva de trabalho, e as condições em que o trabalho se realiza repercutem diretamente na fisiologia do corpo.” (HELOANI; CAPITÃO, 2003)
Fonte: http://lainnois.blogspot.com.br/2007/09/captulo-ix-do-domnio-real-rousseau-fim.html
Bertrand Russell definiu o trabalho em duas esferas diferentes; A primeira tratava-se da esfera de trabalho braçal onde o trabalhador tinha como meta alterar a posição de uma matéria ou de transforma-la. Sendo este trabalho menosprezado e pouco valorizado. E a segunda é o daqueles que supervisionam os trabalhadores que fazem o serviço braçal, supervisionando e dando ordens, sendo este tipo de trabalhadores mais valorizados e melhor remunerados que os outros.
Russell argumentava que as pessoas trabalhavam dura a vida inteira, recebendo o mínimo em troca, somente o necessário para a sobrevivência. Enquanto as classes dominantes falavam na honra do trabalho como uma forma de lavagem cerebral das categorias trabalhistas que pegavam no pesado. Deste modo o homem passa a trabalhar mais para conseguir se manter.
Lembre-se que o tempo é dinheiro. Para aquele que pode ganhar dez shillings por dia pelo seu trabalho e vai passear ou fica ocioso metade do dia, apesar de não gastar mais que seis pense em sua vadiagem ou diversão, não deve ser computada apenas essa despesa; ele gastou, ou melhor, jogou fora mais cinco shillings (WEBER, Max, 1904).
Sendo que este trabalho excessivo pode acarretar desgaste físico, criativo, intelectual e emocional. Assim o trabalhador se afasta da cultura em geral acarretando em um cidadão leigo, sem opinião. Estes conceitos apresentados por Russell refletem-se nos temas atuais sobre o trabalho como é o caso do estresse e síndrome de Burnout.
A síndrome de Burnout trata-se de um desgaste do indivíduo frente as atividades exercidas no âmbito de trabalho podendo provocar um desgaste emocional e estresse crônico, muitas vezes é confundido com a depressão, por isso torna-se necessário um diagnóstico detalhado. Comumente ocorrem mudanças de comportamentos como irritabilidade, tristeza, pessimista, falha de memória entre outros.
Fonte: http://apranchetadoguerreiro.blogspot.com.br/2006_10_01_archive.html
Alguns estudos demonstram que “[…] sobre as condições de trabalho na União Européia, informa que 28% dos trabalhadores tinham problemas de saúde relacionados com o estresse” e “São quase 41 milhões os trabalhadores por ano da União Europeia, de todos os ramos de atividades, afetados pelo estresse relacionado com o trabalho, o que equivale a 600 milhões de dias de trabalho perdidos devido a doenças relacionadas com a atividade laboral.” (AREIAS E. Q; COMANDULE).
Na sociedade em que vivemos, o trabalho assume um papel elementar na socialização como um todo, uma vez que se apresenta como um campo de relações e consequentemente de elaboração da subjetividade humana. Além disso, a profissão escolhida e suas características passam a fazer parte da identidade do indivíduo perante a sociedade.
A partir de então, percebe-se que a produtividade, a visão de respeito, a eficiência e competência do indivíduo tornam-se também importantes pontos de manutenção da autoestima. Logo, o ambiente em que o trabalho se dá e suas condições precisam ser favoráveis e as relações precisam ser construídas de maneira saudáveis, mesmo que isso seja desafiador na maioria das vezes.
Percebe-se então, que esse cenário atual foi configurado aos poucos e hoje abriga patologias psicológicas das mais diversas naturezas, como: depressão, ansiedade, síndrome do pânico, síndrome de Burnout, entre outros. Essa realidade contrasta com o ideal de qualidade de vida no trabalho e corrobora com a visão filosófica de Russell, que acredita que o homem não pode ser verdadeiramente feliz tendo o seu trabalho como atividade principal na vida e que precisa ter tempo para se desenvolver em outros campos.
Diante do assunto exposto nesse trabalho, podemos perceber que a felicidade passa necessariamente pela redução da jornada de trabalho. Buscamos a felicidade, e ela vem à medida que somos donos do nosso corpo, mente e tempo. Reduzir a jornada de trabalho é uma conquista que se faz necessária, embora seja difícil, por vivermos em uma sociedade capitalista que prega a todo instante que precisamos ser mais e mais.
Porém, ao pensar sobre a redução da carga horária de trabalho é preciso falar acerca dos benefícios que isso traz, afinal, são horas livres para o lazer, ócio, prática de esportes, estudo, descanso e até mesmo viagens. Sabe- se que o trabalho interfere diretamente no bem estar das pessoas. Se elas estão sobrecarregadas ou se o trabalho não lhe permite tempo de sobra para outras atividades, a qualidade de vida será afetada.
Essa interferência do trabalho na qualidade e quantidade de tempo tem favorecido um comportamento de consumo que não é apenas autodestrutivo, mas é extremamente prejudicial ao planeta. Constantemente somos bombardeados pelas propagandas que nos dizem a todo o tempo que o bem estar consiste em consumir coisas, bens materiais, tudo volta- se ao consumir.
Como resultado, consumimos mais na tentativa de atingir ao ideal, um estilo de vida mediada por coisas e não por relações e momentos. O que gera o sentimento de insatisfação e vazio. Sem contar que este estilo de vida caro nos exige cada vez mais tempo de trabalho, que agora também ocupa nosso tempo livre. Chegamos a um ponto de diluição de fronteiras entre tempo livre e tempo de trabalho e com o avanço da tecnologia, essas fronteiras tendem a ser tornar ainda menos claras.
Todo esse ciclo vem sendo convenientemente sustentado por nosso modelo econômico, que obcecado por crescimento e riqueza, ignora os altos custos sociais e ambientais envolvidos. Portanto, acredita- se que com uma jornada de trabalho reduzida, sem afetar bi salário do trabalhador, ele poderia se dedicar mais ao lazer, aos seus projetos pessoais o que geraria menos pessoas doentes, mais felicidade e disposição para trabalhar.
REFERÊNCIAS
Antônio Flavio Pierucci (Ed.). São Paulo: Companhia de letras, 2004.
Albornoz, Suzana. O que é trabalho. 1ª edição. São Paulo: Brasilense, 1986.
Russell, Bertrand, O Elogio ao Ócio, ed. Sextante, ano de edição 2002.
WEBER, M. WEBER, Max. A Ética Protestante e o “espírito” do capitalismo.
AREIAS E. Q; COMANDULE, Alexandre Q. Qualidade de vida, estresse no trabalho e síndrome de Burnout. Disponível em: http://www.fef.unicamp.br/fef/sites/uploads/deafa/qvaf/fadiga_cap1.pdf – Acessado em 29/03/2016
HELOANI, José Roberto; CAPITÃO, Cláudio Garcia. Saúde mental e psicologia do trabalho. São Paulo em Perspectiva,[s.l.], v. 17, n. 2, p.102-108, jun. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392003000200011&script=sci_arttext>. Acesso em: 29 mar. 2016.
http://www.universopsi.com.br/dc036.html – Acessado em 04/03/2016
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/psicagogia%20_1029179.html – Acessado em 04/03/2016
Artigo sobre o ócio: http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2010/Filosofia_e_Educacao/Trabalho/08_02_32_.OS_VICIOS_E_O_OCIO_NO_PROCESSO_FORMATIVO_DO_SABIO_SENEQUIANO.PDF – Acesso em 05/03/2016.
O Sétimo Continente. Disponível em http://www.osetimocontinente.com/2010/02/o-banquete-platao.html – Acesso em 05/03/2016.