O livro Corpos Mutantes mostra como a partir do culto pelo corpo, o homem busca modificá-lo. As tecnologias surgem então como um meio para satisfazer esta necessidade, de forma cada vez mais radical, através de cirurgias, como meio para atingir uma melhor saúde ou mesmo na busca pela beleza (Oliveira, 2011). Dito isso, o presente ensaio focará no capítulo “O corpo e a expressão videográfica: a videoinstalação como estratégia de uma narrativa corporal”, por Danillo Barata.
Raramente, nota-se o real significado do corpo, tanto nos dias atuais como em décadas passadas. O corpo vai muito além de uma estrutura óssea e muscular. Através dele é possível identificar traços de personalidade, sentimentos referentes à alegria, tristeza, ansiedade e assim por diante. A representação do corpo possui múltiplos significados. Significados esses profundos e complexos que constantemente são encobertos para que o seu mecanicismo seja evidenciado. Para tanto, a mídia, principalmente, impõe padrões de beleza e formatos de corpo, induzindo as pessoas a procurarem por transformações corpóreas, fortalecendo os modismos da atualidade.
Padrões de beleza que vivem em constante mutação se apoderam do homem, sendo que o mesmo vive em busca da adequação estética da atualidade, causando até mesmo mutilações em sua estrutura, como nos casos das mulheres que aderiam aos espartilhos para modificar a cintura no século XX. Esse exemplo não se diferencia da rotina das musas fitness do século presente, que passam horas exaustivas na academia e aderem a dietas milaborosas, tudo para ganhar a tão sonhada forma.
Fonte: https://br.pinterest.com/wadilie/kleding-zw-wit/
Todos esses parâmetros de beleza impostos e reforçados pela mídia, consideram que o belo é sempre jovem e esbelto. Segundo Barata, a vídeoarte em seus primórdios surge como agente potencializador das performances. Ou seja, ao se deparar com propagandas lançadas pela mídia, as pessoas ficam incumbidas pelo desejo de serem exatamente como os modelos apresentados, desejos esses vivenciados tanto pelo sexo masculino como pelo feminino. Essa manipulação ocorrente não é privilégio do século XXI. Ela já vem sendo utilizada desde o princípio do cinema, em que se recrutavam atores adolescentes para interpretarem adultos, passando a ideia de que o envelhecido já não possui mais utilidade e valor. Talvez, tais circunstâncias sejam algumas das causalidades do medo constante que a sociedade atual vive de envelhecer.
Envelhecer, engordar e/ou emagrecer demais, não ter o cabelo, as roupas, os calçados, o carro, o celular, etc. da moda, entre outros aspectos considerados inadmissíveis pela mídia, geram a busca pelo corpo perfeito através de cirurgias plásticas, implantes de próteses de silicone, cirurgias bariátricas, mudanças no visual a todo instante, sendo isso também uma perfeita contribuição para a dinâmica do consumismo. E se, mesmo com todos os esforços, a pessoa que deseja entrar nesses padrões não o conseguir (muito provavelmente por questões financeiras), certamente encontrará saída para seu desespero nas “amiguinhas bia e ana”, no intuito de melhorar sua forma física e/ou se atolar em dívidas (quando não praticar furtos) para adquirir os produtos in (termo retirado da saga Desventuras em série).
Tais métodos que são de fato uma mutilação (física e emocional) são considerados normais pela frequência que ocorrem e por serem divulgados como normais e necessários para o individuo, como se fosse crucial ele se encaixar no padrão das modelagens de programas televisivos, filmes e passarelas da moda. O corpo ganha destaque sobre todos os outros aspectos do ser humano, sendo considerado a razão da felicidade ou infelicidade, tornando-se algo totalmente maquinário e modificável.
Segundo Georges Canguilhem (1943), normal e patológico são duas instâncias opostas. O primeiro denota aquisição a um padrão estabelecido na sociedade de acordo com o que as estatísticas dizem a respeito dos comportamentos dos indivíduos. Já o segundo implica em um distúrbio emocional (pode ou não haver distúrbio físico) que apresenta sofrimento constante no indivíduo e esse não enxerga saída para esse sofrimento.
Fonte: http://munich2011com.livejournal.com/65295.html
Dessa forma, nota-se que há um paradoxo nesse padrão de corpo e de consumo. Isso por quê, justamente por ser um padrão, ele entra nos parâmetros de normalidade, algo já estabelecido para ser seguido. Porém, ao mesmo tempo, torna-se algo que gera constante sofrimento, principalmente por aqueles que não suportam não se encaixar no padrão, mas encontram muita dificuldade em fazê-lo, encontrando-se assim em uma “sinuca de bico”, ou seja, algo sem saída visível.
E para acentuar ainda mais a gravidade da situação, ela torna-se pior quando o indivíduo adota a ideia do dever de se transformar completamente como verdade absoluta, sem aceitar desvios ou contestações e ainda tentando, de certa maneira, obrigar as outras pessoas ao seu redor a fazer o mesmo. Isso foi cunhado por Canguilhem (1943) como norma inferior.
De acordo com Mariuzzo (2016)
(…) assim como as calças jeans, os carros e outros objetos de consumo são ‘customizados’, o corpo também é encaixado numa individualização em série, ou seja, cada vez mais atende ao interesse do dono que compra seu kit de personalização numa linha de montagem pré-determinada pelo mercado. É por isso que mesmo movimentos culturais que tentam burlar a busca pela beleza e eterna juventude são rapidamente cooptados, tornando-se, eles mesmos, novos objetos de consumo.
Mariuzzo vai ao encontro de Adam Curtis, que explana sobre a falácia do protagonismo. Com esse termo, ele explica que, na atualidade, as pessoas vivem sobre a égide de um falso destaque na sociedade. Ou seja, acreditam na sua existência como a mais importante de todas, sendo os outros ao seu redor apenas meros coadjuvantes. Curtis caracteriza tal situação como falácia, pois não há protagonismo único. Ora se é o principal, ora se é coadjuvante, a depender das camadas sociais ou pessoais em que o indivíduo está inserido. A relação entre os autores está no fato dos dois destacarem que as pessoas buscam se diferenciar do restante e dos padrões impostos, no intuito de alcançar o protagonismo, de serem únicos. Porém, nessa busca incessante, essas pessoas também acabam se enquadrando em um padrão, em um grupo, aquele dos que buscam serem diferentes.
Na tentativa de mostrar para os padrões normativos que as desigualdades existentes na cultura do magro, loiro, alto, olhos claros, roupas e acessórios da moda que intitula o corpo como um objeto para consumir e ser consumido pelas massas dominantes de produção e consumo os diferentes procuram o seu lugar ao pódio. Buscando evidenciar a arte como um processo além do estereótipo de corpo belo, promove-se uma reflexão sobre tais padrões. Vários artistas dos anos 60 e 70 se engajaram nesse movimento denominado por alguns como antiarte onde o objetivo era compreender os processos artísticos numa visão geral que engloba o inicio, os procedimentos, as causas, os problemas e não somente o objeto final como na arte conhecida até então. Tais acontecimentos fazem referência ao movimento Dadaísta que tinha como propósito protestar contra os conceitos vigentes chocando e provocando a sociedade da época.
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/256564509994537865/
Contestando uma maioria de elementos videográficos expostos na mídia existem aqueles que possuem um olhar atento à verdade vivida pela sociedade. Apesar dos modelos impostos por revistas, filmes e passarelas uma menor porcentagem condiz com a realidade. Basta caminhar alguns minutos pelas ruas ou até mesmo ao entrar em shoppings centers que promovem menção da cultura do consumismo e corpo perfeito constata-se que a realidade dos corpos da população não se adequa as normas vigentes, os corpos possuem medidas métricas bem maiores, os cabelos não são tão sedosos e brilhantes, as unhas não possuem formatos perfeitos e a pele não faz referência ao pêssego, mas mesmo assim ao passarem por outdoors que estampam modelos lindas de estruturas perfeitas não há estranhamento.
O estranhamento ocorre quando visualizam uma campanha de moda com pessoas de medidas e proporções mais fartas que atendem pela nomenclatura Plus Size. Tais modelos não aderem aos padrões da mídia, porém se encaixam perfeitamente nas medidas convivida constantemente no dia a dia, e mesmo apesar de tais configurações serem rotineiras são esses outdoors que causam estranhamento e são alvos de preconceitos.
Os padrões ditados pelo mundo fashion das celebridades apesar de não serem reais na vida da população causam uma espécie de culto ao que não se vive. Porém, é importante ressaltar que essa cultura de venerar o que é distante da realidade vem se modificando no século XXI, principalmente nos últimos anos, a partir do lançamento e sucesso do youtube, facebook, instagram e twitter as redes sociais mais comentadas e discutidas da atualidade, promove uma mudança no comportamento dos internautas.
Fonte: http://virgula.uol.com.br/modaebeleza/nova-campanha-pede-que-disney-crie-princesas-plus-size/
O foco que antes era apenas voltado para atores famosos de desempenho inigualável e insuperável vem sendo dividido com personalidades da internet nomeadas como youturbes. Essas personalidades são pessoas normais, com rotinas comuns, trabalham, estudam, vão ao supermercado, frequentam lugares públicos e por isso vem despertando tanto interesse. A visão de incrível que antes era tida como algo muito distante da realidade acaba caindo desse pedestal.
Essa nova modalidade de sucesso aproxima o comum da fama, da visibilidade, dos aplausos e da admiração que antes era voltada para um público selecionado. Tais fatores acabam gerando uma comoção a adesão de todos serem celebridades instantâneas da internet, pois se determinada pessoa que é exerce funções comuns conseguem fazer sucesso os demais que visualizam tais vídeos, assistem vlogs, se inscrevem em canais, curtem e compartilham fotos também acabam aderindo ao pensamento que podem desempenhar tais funções com eficácia e se tornarem famosos e admirados, tanto pelo novo público que irá surgir como também pelas figuras midiáticas que acompanham. Desenvolvendo assim o famoso processo vigente nas redes sociais de troca de likes, que em outros termos seria uma troca, eu acompanho o seu sucesso, porém em troca você terá que acompanhar o meu.
Os assuntos enfatizados em tais redes sociais são variados, existem opções para todos os gostos, desde assuntos sobre jogos, séries, músicas, comidas, filmes entre diversos outros. Porém os assuntos mais discutidos, que possuem uma maior gama de seguidores são relacionados à moda e ao corpo. Onde a pauta é sempre sobre a nova tendência de look ou de como manter um corpo sarado e definido com tutorias que prometem ajudar a conquistar o corpo dos sonhos. Mas afinal, não se sabe o que é realmente sonho ou o que é imposto.
Com a chegada das redes sociais, principalmente com o youtube mudou-se a forma de divulgar os padrões de beleza, porém não mudou o conteúdo, a beleza tanto nos telões de cinema como nas redes vigentes são caracterizadas pela perfeição ou pela tentativa de reproduzi-la já que a maioria dos canais do youtube tenta ensinar como adotar uma rotina de exercícios, como arrumar o cabelo e as unhas, como escolher roupas e acessórios. Enfim como se transformar em algo que você não é. Utilizando assim mais uma vez o corpo como uma finalidade de recursos estéticos e de consumo, pois se engana quem achou que as indústrias iria perder com isso, as mesmas apenas remanejou suas estratégias de marketing antes divulgadas nos telões e programas televisivos agora fazem parte dos anúncios de sites, vídeos e fotos. O corpo continua sendo apenas um cabide que necessita possuir medidas de simetria perfeita.
REFERÊNCIAS
BARATA, Danillo. O corpo e a expressão videográfica: a videoinstalação como estratégia de uma narrativa corpo. In: GOELLNER, Silvana V.; COUTO, Edvaldo S. Corpos Mutantes: ensaios sobre novas deficiências corporais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 105-120.
OLIVEIRA, Fernanda. Resenha do livro Corpos Mutantes. Versão Beta, 2011. Disponível em: http://umaversaobeta.blogspot.com.br/2011/03/resenha-do-livro-os-corpos-mutantes.html. Acesso em: 02 set 2016.
MARIUZZO, Patrícia. Saúde: crescimento de cirurgias plásticas demonstra fusão dos conceitos de saúde e beleza. Cienc. Cult. vol.64 no.3 São Paulo 2012. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252012000300006&script=sci_arttext. Acesso em: 01 set 2016.
LISBOA, Victor. As 7 doenças que estão matando nossa humanidade. Ano Zero, 2015. Disponível em: http://ano-zero.com/7doencas/. Acesso em: 01 set 2016.