O impacto do contraste entre eterno e efêmero na percepção experiencial

Nada é para sempre. Tudo o que possui início apresenta consigo o meio e o fim – ainda que de forma implícita, rejeitada ou ignorada. Esse evento pode ser expresso nas seguintes disposições: “…sem saber que o ‘pra sempre’ sempre acaba” (RUSSO, 1984) e “mesmo sabendo que um dia a vida acaba, a gente nunca está preparado pra perder alguém” (SPARKS, 2010). E, então, o que fazer diante de algo tão desafiador? Qual a forma mais adequada de lidar com as mudanças que a vida nos impõe? De que forma resistir a não retornar às fases de desenvolvimento anteriores, que contavam com a presença do objeto de amor perdido? Canguilhem (1966) afirma que, quanto mais maleável, adaptável e ajustável às transformações pertinentes à vida o indivíduo for, maior é sua manutenção de condição saudável.

O estado patológico é caracterizado exatamente pela normatividade (regularidade) da não-habituação à constante transição. Nesse momento, nos deparamos com outra ambivalência: o desejo de eternizar o momento e o consolo de que a dinâmica presente na relação ou na condição permeada por satisfação apresentou pontos que propiciaram desenvolvimento, que ajudaram na constituição da história individual. Quando a primeira opção é satisfeita trazendo o advento de sentimentos de impotência, insatisfação ou mesmo de negação, raiva e depressão (como já explanados por Kubler-Ross em 1969), que tipo de comportamento se deve emitir, aumentar ou diminuir a frequência?

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Temos diversas alternativas. Como: fugir/se esquivar de toda probabilidade de desprazer; se revoltar com o novo contexto apresentado; experimentar processos ou pessoas similares até conseguir alcançar determinado nível de estabilidade emocional; criar para si representações de alegria e incorporar o medo e a insegurança de se doar a novas vivências, visto que a efemeridade temporal se encarregou de afastar para longe a experienciação apreciada. Pode-se compreender o quão delicado é o desenvolvimento de um afeto, de uma ligação a partir do que Bowlby (2001, p. 172) afirma: “A formação de um vínculo é descrita como ‘apaixonar-se’, a manutenção de um vínculo como ‘amar alguém’ e a perda de um parceiro como ‘sofrer por alguém’ ”.

Frankl (1984, p 107-108) se atentou para a segurança que a recordação, a convicção de que um acontecimento existiu, consegue proporcionar:

Aquilo que viveste nenhum poder do mundo tirará. Aquilo que realizamos na plenitude da nossa vida passada, na abundância de suas experiências, essa riqueza interior nada nem ninguém nos podem tirar. Mas não só o que vivenciamos; também aquilo que fizemos, aquilo que de grandioso pensamos, e o que padecemos, tudo isso salvamos para a realidade, de uma vez por todas. Essas experiências podem pertencer ao passado; justamente no passado ficam asseguradas para toda a eternidade! Pois o passado também é uma dimensão do ser, quem sabe, a mais segura. (FRANKL, 1984, p 107-108)

Além disso, é perceptível nossa falta de controle e domínio no que tange àquilo que se descortinará no futuro. Não é possível controlar o devir. Skinner (1955-1956) ressalta que a base da epistemologia é a iniciação do movimento a partir das forças que são opostas ao sujeito, ou seja, a ação conforme as contingências instauradas no ambiente.

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Assim, o medo vem à tona. Mas “o que pode um corpo com medo? Pouco, ou quase nada (…) precisamos ultrapassar as forças reativas, agir mais do que reagir, aumentar nossa capacidade de ser afetado, em vez de se fechar” (TRINDADE, 2016). Para lidar com a situação adversa ainda vale ressaltar que Rogers (1961), para a relação terapêutica, questiona quanto à capacidade de a pessoa respeitar de forma corajosa os sentimentos e necessidades tanto dela quanto do outro e a verificação do eu quanto a estar apto ou não a lidar com as possíveis necessidades de dependência e escravização de amor geradas por outro ser. Existindo, é claro, de forma conjunta, os sentimentos e direitos que são pertinentes ao indivíduo. Nesse caso, podemos nos referir a relacionamentos interpessoais de forma geral.

Havendo tais características, os processos de fortalecimento do ego, diferenciação e diferenciação do self tornam-se possíveis. O tão eminente encontro conosco, com o que há de mais autêntico em nós! Processo que está disponível nas modalidades intra e interpessoal, como já maravilhosamente previu Sartre (1943): “(…) nos descobrimos na rua, na cidade, no meio da multidão, coisa entre coisas, homem entre homens”.

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REFERÊNCIAS:

CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996. 129 p. Disponível em: Disponível em: <http://observasmjc.uff.br/psm/uploads/GeorgesCanguilhem-ONormaleoPatologico.pdf>. Acesso em: 18/10/2016.

COSTA LEITE, Lúcio Flávio Siqueira. ‘Pedaços de pote’, ‘bonecos de barro’ e ‘encantados’ em Laranjal do Maracá, Mazagão – Amapá: Perspectivas para uma Arqueologia Pública na Amazônia. Dissertação de Mestrado. Disponível em:  http://ppga.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/dissertacoes/LucioCostaLeite%20(Dissertacao_de_Mestrado)%20revisada.PDF>. Acesso em: 19/10/2016.

ESPINOSA, Baruch de; SKINNER, B. F. (Revisão: Johny Brito). Espinosa e Skinner – Clínica da Experimentação. (Texto da série: Contra-história da Psicologia.)  Disponível em: <https://razaoinadequada.com/2016/08/14/espinosa-e-skinner-clinica-da-experimentacao/>. Acesso em: 19/10/2016.

FRANKL, Viktor Emil. Em busca de sentido. 37° ed. Petrópolis: Vozes, 1984.

KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1969.

RUSSO, Renato. Por enquanto. In: Legião Urbana. 1984. Brasília.  EMI-Odeon. 1 CD.           Disponível em: <https://bibliotecadaeca.wordpress.com/2011/07/01/citando-musica/>. Acesso em: 19/10/2016.

SHERLOOCK. Info: A Última Música – Nicholas Sparks. Disponível em: <http://www.sobrelivros.com.br/info-a-ultima-musica-nicholas-sparks/> Acesso em: 19/10/2016.

SPARKS, Nicholas. A Última Música. Novo conceito, 2010. 408 p.

SKINNER, B. F. — “Freedom and the control of men”, A mcc. Scholar, inverno de 1955-1956, 25, pp. 47-65. Disponível em: <https://psicologadrumond.files.wordpress.com/2013/08/tornar-se-pessoa-carl-rogers.pdf>. Acesso em: 19/10/2016.