O surgimento da clínica psicanalítica

É sabido que clínica remete a características médicas e por isto as raízes do modelo biomédico são bem marcantes, mas esta dinâmica muda a partir da Psicanálise

A palavra Clínica é de origem grega –kline– que significa leito, ou seja, é a prática médica a beira do leito, um conceito totalmente biomédico. No entanto, outros autores conceituaram a atividade clínica visando o biopsicossocial. Canguilhem (1995, p. 16) afirma que a atividade clínica “[…] é uma técnica ou uma arte situada na confluência de várias ciências, mais do que uma ciência propriamente dita”.

É sabido que clínica remete a características médicas e por isto as raízes do modelo biomédico são bem marcantes. Procedimentos como escutar, observar, hipotetizar e diagnosticar provam tais raízes. Tanto que a clínica psicanalítica foi construída e dissipada por um médico, Sigmund Freud, que teve interesse em estudar diversos fenômenos que influenciavam no adoecimento do sujeito.

Freud iniciou sua carreira profissional na neurologia, realizando pesquisas em Viena, no laboratório de Ernst Brücke. Em seguida, no ano de 1882, foi trabalhar no setor de psiquiatria do Hospital Geral de Viena, adquirindo grande experiência técnica e prática com a psicopatologias. Sigmund passou um período em Paris, trabalhando com o neurologista Jean Martin Charcot, no Hospital Salpêtrière. Pouco tempo depois retornou a Viena, abriu um consultório particular e passou a atender doenças nervosas. Desta forma, mulheres histéricas chegaram até ele, sendo um marco importantíssimo e que abriria porta para uma nova ciência, a Psicologia. (Zimerman, 1999).

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Freud passou a ter interesse por doenças vistas como intratáveis por alguns médicos da época, o que lhe possibilitou a iniciar pesquisas sobre a histeria, estendendo-se a outras patologias e questões culturais. Sigmund conceituou o inconsciente, e hipotetizou que algumas patologias poderiam ter cura através da tomada de consciência. Logo, passou a estudar manifestações através de experiências traumática dos sujeitos, estas que eram recalcadas, de forma inconsciente. Com o objetivo de romper o recalcamento trazendo a consciência, e para isto passou a fazer uso do hipnotismo, técnica que aprendeu durante a experiência que teve com Charcot (Freud, 1913).

Em 1880 Freud conheceu Josef Breuer e teve a oportunidade de adquirir experiência sobre hipnose, que era aplicada em doentes nervosos, no laboratório de Bücke. A histeria deixou de ser classificada orgânica – “doença do útero” –  e passou a ser classificada como doença psíquica – “doença nervosa sem lesão anatômica apreciável” (Ferreira e Motta, 2014).  Freud intensificou sua investigação na histeria, afim de descobrir suas possíveis causas etiológicas, chegando a neurose, que chamou de “modificação patológica funcional”, tendo a vida sexual do sujeito como a etiologia do problema (Freud, 1896a).

No decorrer de seus estudos, Freud começou a desacreditar da hipnose, já que esta técnica não trazia resultados permanentes e nem sempre era bem-sucedida, sendo importante um bom vínculo entre médico e paciente (Freud, 1924).  A partir de então, Sigmund passou a fazer uso da escuta terapêutica, que é uma técnica muito importante para que se tenha um atendimento clínico eficaz.

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Os pacientes eram convidados a se acomodarem em um divã, e Freud ficava atrás do paciente, desta forma o paciente poderia falar o que viesse a mente, sem vê-lo, ou preso a algum tipo de campo visual e sem julgamento moral (Freud, 1904). Este método chama-se “associação-livre”, e partir dele tornou-se necessário a elaboração de uma técnica de interpretação das falas dos pacientes, de conteúdos latentes, isto por que a resistência impedia que o conteúdo viesse a consciência (Freud, 1913).

Assim, a partir da associação livre, os pacientes falavam de modo espontâneo, de forma a abster-se de reflexões conscientes. Em seguida Freud interpretava alguns conteúdos, isto porque muitas coisas ditas faziam parte do que era esquecido, em forma de alusões. (Freud, 1924). Baseado em estudos, Freud hipotetizou que o material recalcado está relacionado a conteúdos de satisfação proibida. Logo, os sintomas são substitutos de tais desejos de satisfação, que normalmente vai contra a moral social e religiosa do sujeito (Freud, 1924).

É importante ressaltar que ao avançar em suas pesquisas, Freud afirmou que determinados aspectos e fenômenos, de um indivíduo, se respaldam em vivências desde a tenra infância e de como tal sujeito simboliza e significa no momento atual em que vive. Dessa forma Freud (1940/2014) conceituou a constituição da nossa psique humana, e denominou três instâncias: Id, Ego e Superego.

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Segundo Freud o id é constituído por um conjunto de conteúdos de natureza pulsional e de ordem inconsciente, funcionando como uma reserva inconsciente dos desejos e impulsos de origem genética, com o intuito de preservar e propagar a vida. Parte dos conteúdos do id são hereditário e inato, assim como podem ser adquiridos e recalcados. Do ponto de vista “econômico”, o id é que opera o ego e o superego, pois é a fonte e o reservatório de toda a energia psíquica do indivíduo. Do ponto de vista “dinâmico”, o id interage tanto com a realidade exterior (ego), como com a introjetada (superego).  Do ponto de vista “funcional”, o id é procura resposta imediata pelo prazer, logo é regido por ele e tem a função de descarregar as funções biológicas.

O ego é o resultado da capacidade de diferenciação do real e do imaginário. Sendo parte consciente e parte pré-consciente.  Como sua capacidade de diferenciação incube diferenciação, seu objetivo é ajusta-se ao ambiente. De modo a solucionar conflitos entre o organismo e a realidade. Assim, o ego tem o papel de mediar o id e o mundo exterior, assim como lidar com o superego e suas memórias e necessidades físicas corporais. É como viver em um duelo, em que por um lado é pressionado pelos desejos insaciáveis do id e por outro pela repressão severa do superego, assim como as ameaças de ordem social do mundo exterior.

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O superego é o órgão psíquico da repressão, e se desenvolve a partir do ego, em um período situado entre a infância e o início da adolescência, em que Freud conceitua como período de latência. Isto por que de acordo com o psicanalista, é neste período que a personalidade moral e social é formada. Logo, o superego atua como uma espécie de juiz, que julga o certo e o errado. Desta forma é estabelecida uma censura de impulsos que a sociedade, a cultura e a religião proíbem ao id. O que impede o sujeito de satisfazer plenamente seus desejos e instintos.

Diante do exposto é possível ver que Freud saiu da postura de ´´dono do saber“, passando a escutar seus pacientes, e descobriu que apesar de o sujeito sofrer por algo que não sabe, o saber está contido em seus discursos de associações livres. Logo, é importante destacar que a construção da clínica psicanalítica foi dissipada por Freud, decorrente de sua experiência clínica, ao dar importância a etiologias psicológicas, e para isto formulou métodos clínicos como o de a associação livre, escuta flutuante, transferência e interpretações.

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Dessa forma, na visão psicanalítica, o ser humano é visto como “sujeito”, pois detém consciência de seu processo histórico, capaz de fazer reflexões sobre o espaço-tempo vivido, assim como se reconhecer e ser o protagonista de sua própria narrativa.

Referências

CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

FREUD, Sigmund. O ego e o id. Londres, Inglaterra, Imago, 1927.

FREUD, Sigmund. Compêndio de Psicanálise e outros escritos inacabados. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. Tradução de Pedro Heliodoro Tavares.

FREUD, S. (1940 [1938]). Compêndio de Psicanálise e outros escritos inacabados: edição bilíngue. Obras Incompletas de Sigmund Freud. V. 3. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

ZIMERMAN, David. E. Fundamentos psicanalíticos. Porto Alegre, Artmed, 1999.

Psicóloga egressa do Ceulp/Ulbra. Pós-graduanda em Terapia de casal: abordagem psicanalítica (Unyleya). Colaboradora do Portal (En)cena.