Em entrevista ao Portal (En)Cena, a Jornalista e Advogada Gleidy Ribeiro, que é especialista em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Tocantins, expõe sua opinião sobre os desafios e conquistas das mulheres na política e no mercado de trabalho.
(En)cena – De acordo com o IBGE, as mulheres possuem nível de escolaridade superior ao dos homens, representando 53,5% dos mestres do país. No entanto, as mulheres possuem um salário inferior, computando em torno de 30% menos que o dos homens. O que você tem a falar sobre este cenário?
Gleidy Ribeiro – A posição inferior de nós mulheres no mundo do trabalho é fruto de um processo histórico, cultural, social e econômico. Alguns estudos destacam a nossa contribuição histórica e rejeitam o discurso de que somos naturalmente pré-determinadas para trabalhos secundários e pouco valorizados em função do sexo. Ao contrario do que querem nos fazer acreditar, o trabalho, principalmente nas sociedades primitivas, sempre esteve presente em nosso cotidiano, seja na esfera pública ou privada. Fomos as primeiras cientistas, médicas professoras e artesãs, entre tantas outras profissões. No entanto, enfrentamos há séculos, sobretudo pós-revolução industrial, uma desvalorização do nosso trabalho, mesmo que tenhamos mais escolaridade. Este é um cenário perverso que só se descontrói investindo em educação para promoção de sociedade mais inclusiva e igualitária, sobretudo no mercado de trabalho.
(En)cena – Muitas instituições evitam a contratação da mulher por conta da maternidade. Diante deste cenário, para uma mulher construir uma carreira sólida muitas vezes se é preciso abdicar-se da maternidade? Qual o peso da maternidade na construção de uma carreira sólida? Há mais prós ou contra?
Gleidy Ribeiro – O Brasil possui uma legislação que busca proteger à maternidade. E essa legislação busca justamente dar estabilidade das mulheres no mercado de trabalho. Contundo, na pratica existem barreiras que acabam impedindo que as mulheres continuem trabalhando. Isso porque são as mulheres, em sua maioria, que se ocupam das responsabilidades domésticas e dos filhos. Não diria que a maternidade é um problema para a construção de uma carreira solida, mas sim a falta de compartilhamento de responsabilidades com a criação dos filhos e pouco investimentos públicos em políticas públicas que favoreçam a permanência das mulheres no mercado de trabalho.
(En)cena – Hoje, no Brasil, há apenas em torno de 10% de mulheres no Congresso Nacional. No México já chega em torno de 40% de mulheres no parlamento. Na Argentina se vê um número maior. Em sua opinião, o que acontece aqui no Brasil, e o que podemos fazer para reverter este quadro?
Gleidy Ribeiro – Li em uma entrevista da diretora de operações do facebook, Sheryl Sandberg, a executiva mais poderosa do setor de tecnologia da empresa, que as pessoas não sentem confortáveis com mulheres no poder. Porque o estereótipo das mulheres diz que devemos nutrir, ajudar, cuidar dos outros, enquanto os homens devem ser poderosos. Isso explica muito porque nós mulheres não estamos nos espaços de poder. Não fomos educadas para ocupar espaços públicos e sim espaços privados, sobretudo o espaço doméstico. Quando mulheres ocupam espaços públicos quase sempre elas são chamadas de agressivas, duras, insensíveis e intransigentes. Para reverter essa situação, volta a defender a necessidade de uma educação inclusiva e igualitária. Nossas meninas precisam entender desde cedo, que elas podem sim ocupar espaços na vida pública. Por outro lado, para mudar a curto prazo essa realidade, os partidos precisam investir na formação politica das mulheres para que de fato tenhamos mais mulheres nos espaços públicos de representação.
(En)cena – Muitas mulheres participam de eleições somente como ´´tapa buraco“, isto se dá por conta da obrigatoriedade de um número especifico de mulheres por partido, e quem devem fazer parte das chapas. São poucas mulheres que disputam com projetos, garra e visão de mudança? Você percebe que este cenário se dá por falta de oportunidade/apoio ou por falta de interesse/ação por parte da própria mulher?
Gleidy Ribeiro – Os partidos não investem a longo prazo na formação política das mulheres, por isso, quando tem eleições as mulheres surgem apenas para tapar buraco. Mas essa postura dos partidos reflete uma construção histórica e social, que sempre limitou a participação política das mulheres na política. Ao homem sempre foi dado o direito de definir os rumos da coletividade, a mulher a obrigação com cuidado e os afazeres domésticos. E mesmo no mercado de trabalho, não temos a mesma valorização econômica que o trabalho do homem. Esses papeis socialmente definidos acabam limitando a participação das mulheres na disputa eleitoral e consequentemente no baixo número de mulheres eleitas em nosso país.
(En)cena – Como você vê a eleição da Dilma Rousseff (PT), a primeira presidente mulher do país? O que é uma mulher no poder? Muda o jeito de governar?
Gleidy Ribeiro – Eu tive a oportunidade de trabalhar por dois anos no primeiro governo da Presidente Dilma. E posso dizer que foi uma honra e um grande aprendizado. Infelizmente, ocorreu com a Dilma a materialização do que chamamos de cultura machista. Infelizmente ela sofreu um impeachment por um Congresso, que a todo momento tentou desconstruir sua condição de mulher à frente da Presidência da Republica. Atualmente todos já entenderam que foi um golpe de estado, onde uma das estratégias era desqualificar sua capacidade para comandar a nação. Não era raro acompanhamos nos noticiários, os dirigentes de partidos políticos, mandatários, adjetivar a Presidente de autoritária e intransigente, buscando fortalecer no imaginário social o discurso de que o exercício do poder não é tarefa para as mulheres, pois são elas naturalmente despreparadas para comandar.
(En)cena – Na sua opinião, em que se concentrará a força feminista nesse ano de 2018?
Gleidy Ribeiro – Eu acho que não teremos muitas mudanças, continuaremos a ser minorias nos espaços de poder. Os partidos não estão trabalhando efetivamente para ampliar nossa participação. O trabalho tem que ser a longo prazo, investindo na formação politica das mulheres.
(En)cena – Como você avalia a sua atuação frente a Secretaria de Cidadania e Justiça. A senhora sofreu algum tipo de violência de gênero?
Gleidy Ribeiro – Fui a primeira mulher a ocupar esse cargo, então eu trabalhei muito para não decepcionar os tocantinenses, sobretudo as mulheres. E deixamos uma marca de competência e firmeza para enfrentar os problemas complexos dos sistemas penitenciário e socioeducativo. Coordenamos ações educativas de promoção dos Direitos Humanos, da Politica sobre drogas, mulheres e de defesa do consumidor. Captamos mais de 45 milhões de reais do Fundo Nacional Penitenciário garantindo equipamentos, armamento, veículos e recursos para construção da penitenciaria de cariri. Demos posse para o primeiro quadro de servidores para os sistemas penitenciário e socioeducativo. Foram quase 1200 servidores empossados. E sempre priorizamos o trabalho transparente, baseado no diálogo franco e verdadeiro. Nossa atuação foi reconhecida nacionalmente, e cheguei a ser eleita a vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Estado de Justiça, Direitos Humanos e administração penitenciária de todo brasil. Não posso dizer que não sofri violência de gênero, não é comum uma mulher na área de segurança, sobretudo na área de segurança prisional, mas nunca deixei me abater, mantinha o foco, e buscava ser reconhecida pelo trabalho e pela competência.
(En)cena – Você como mulher, de boa experiência, que estratégia você usa para não ser seduzida, a ponto de reproduzir a violência de gênero?
Gleidy Ribeiro – Tento me policiar e estudar para entender como funciona os mecanismos da cultura machista para tentar desconstruí-los na vida, mas não é fácil, porque estamos inseridas nessa sociedade e ninguém está imune a reprodução dessa cultura machista, inclusive nos mulheres.
(En)cena – O feminismo fragiliza a figura feminina ao mostrá-la como vítima da sociedade dominada por homens. É preciso deixar de pensar que a mulher é sempre uma vítima?
Gleidy Ribeiro – Não. Existe uma compreensão equivocada do feminismo. O feminismo não é o machismo ao contrário. É um movimento que busca tão somente a igualdade de condições entre homens e mulheres na sociedade. E muitas conquistas que nos mulheres usufruímos hoje vem dessa luta histórica do feminismo.
(En)cena – Enquanto conselheira Nacional dos Direitos da Mulher, fazendo uma analise, o que nos pode falar a respeito de sua experiência?
Gleidy Ribeiro – Fui empossada conselheira nacional dos direitos da mulher aos 29 anos representando a secretaria geral da presidência da republica, no primeiro governo Dilma. Foi uma honra ajudar a construir a agenda das políticas públicas para as mulheres. Participei ativamente da 3 conferências de políticas para as mulheres.