Os percursos do corpo feminino na contemporaneidade

O presente ensaio tem como objetivo mostrar a corporeidade ilustrada pelo corpo feminino idealizado, incorporado, de moda mais comum, em elementos relacionados a juventude e ao vigor referente a um corpo levado aos limites da potencialização de força e beleza. No que se refere às estratégias discutidas sobre o corpo nos meios de comunicação em geral, são justamente homens, mulheres, jovens e urbanas, objetos preferenciais. No entanto, esse corpo “ideal” é complexo, vivendo e afirmando-se como pessoa, cada um está em um contexto social e cultural por vezes marcado pela corporeidade canônica.

Com isso, para análise desse corpo ideal deve-se levar em conta a cena midiática, incluído os discursos da televisão, os meios em massa, principalmente os especializados em publicidade, sobretudo aquela voltada para o público feminino, comumente ancorada na valorização da beleza, da juventude, da sensualidade e da boa forma física. Na corporeidade, o corpo canônico é caracterizado pelo recurso de práticas gerais com propósito de reconfigurar o biológico, diluindo todo e qualquer “defeito” que esse alguma vez já possuiu. Nas concepções filosóficas, Aristóteles definira o corpo como instrumento da alma, um corpo sem alma não tinha funcionalidade. A existência do corpo físico estava intimamente ligada à alma.

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Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=XbotrqucYCg

O período em que nos encontramos, a referência de corpo nada mais é do que uma autoafirmação, a busca exacerbada por algo inalcançável, mas algo que está a venda, algo manipulado, de certa forma ao alcance da última proposta da medicina plástica, a aquisição sem esforço pelo corpo canônico, diferentemente da proposta de Aristóteles. No decorrer do século XX, o conceito de corpo em todos os âmbitos socioculturais sofreu mudanças radicais. Segundo Lipovetsky, o individualismo contemporâneo é uma fonte inesgotável de intensas e novas necessidades. A atenção voltada para o seu corpo, em forma de protesto ou não, pode esconder a falta ou ausência de alguns pilares de sustentação como a família, religião, política e escola (GOLDENBERG, 2002).

“Pode se dizer que, de modo panorâmico, ao longo do século XX o corpo passa por três estatutos culturais básicos: o corpo representado, o corpo representante e o corpo apresentador de si mesmo’’ (FONTES, p. 79). O corpo, na atualidade fala por si só, o lindo, o belo, o escultural é o que representa a pessoa. Jovens e adultos de periferias acreditam que esse padrão é uma forma de inserção no meio da sociedade com poder aquisitivo superior a eles. Porém, o que tem acontecido nos últimos anos é a busca rápida e efêmera desse padrão de beleza, e para isso as idas às academias já não são mais suficientes, por isso os jovens recorrem as cirurgias, um meio rápido mas nem sempre eficiente de adquirir a boa forma.

Segundo Sant’Anna (1995, p.61): “(…). O corpo é um jogo de armar, suscetível a todos os arranjos de combinações insólitas com outros corpos, ou a experimentações surpreendentes”. O jogo de armar citado por Sant’Anna, é a triunfal cartada das cirurgias plásticas que proporcionam a imagem não alcançada com os esforços frustrados das horas passadas nas academias de ginástica. Aos nossos olhos, esse “fenômeno” que temos presenciado, parece recente, mas nem tanto. Esse movimento pelos corpos construídos tomou força após o movimento da contracultura e guerra fria em que essa geração estava desiludida com os acontecimentos mundiais, onde buscavam m mundo sem guerra, solidário e livre. Nasce então a cultura narcisista, de corpos esculpidos, cultura da massa, não da massa popular, mas da massa muscular.

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Fonte: http://www.fcnoticias.com.br/cirurgia-plastica-abdominoplastia/

Os corpos inflados tornam-se atração, não há olhares que resistam, nem mesmo aqueles que são críticos. Hoje não há distinção do feminino para o masculino, elas disputaram e ganharam também esse direito de ter o corpo “ideal” ou o corpo da “atualidade”. Tal corpo feminino que antes, na Idade Média, era a fonte do pecado ou determinado somente a procriar, tem hoje, o título de canônico, ideal ou perfeito. Vivemos em uma sociedade onde a buscar pelo “corpo perfeito” é uma prioridade essencial. Para que uma pessoa (em especial as mulheres) possa se encaixar nesta sociedade ela tem que passar por algumas mudanças que são impostas, são normas e regras tidas muitas vezes como injustas e desleais. A mídia e a indústria da beleza somam foças juntas para que esta idealização deste “corpo perfeito” seja vigente na sociedade.

As mulheres são o alvo principal desta busca frenética por beleza estética e intervenções cirúrgicas. A autora Malu Fontes faz uma análise e denomina este corpo tão idealizado como corpo canônico que seria um corpo que segue as regras de “perfeição” imposta pela sociedade e mídia. Pessoas que não se encaixam nestes atributos são intituladas de corpos dissonantes, não tendo assim uma boa aceitação do grupo social em que vivem; estes indivíduos sofrem, pois seus corpos servem de elemento de angústia, pois não consegue se colocar no mercado de beleza para servir de atrativo e espetáculo para uma sociedade marcada pelo consumo de estereótipos.

Há um alto consumo de bens e produtos para se ter um corpo desejável, propagandas veiculadas na TV ajudam que esta busca não cesse. A mídia tem feito propagandas a uma “ditadura” de que o corpo ideal é aquele com perfeita formação, sem defeitos naturais. Modelos com corpos esculturais são utilizados como um padrão para toda uma sociedade, tal ato se torna injusto, pois para se ter este “corpo perfeito” tem que estar atento a todas as mudanças deste modelo corpóreo. Segundo o livro Corpos Mutantes, ressaltar os padrões que hoje definem o corpo canônico da mídia, significa aceitar que tal modelo sofre alterações ao logo do tempo, e tais alterações são muitas das vezes difíceis de ser obtidas.

O corpo canônico é a versão mais sofisticada do body-building dos anos 80/90, ele é a construção a partir de todos os artifícios e recursos disponíveis, seja por medicamentos, inibidores e suplementos alimentares, alteres e horas exaustivas de malhação e até pelo recurso do bisturi. As mídias de massa tem empurrado uma grande maioria ao desejo de consumo, na busca do corpo perfeito. Tem se cultivado o narcisismo e elevado a busca de afirmação da autoimagem. “Assim, o sujeito busca sempre a estetização de si mesmo, transformada na finalidade crucial de sua existência” (BIRMAN, 2001, p.84).

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Fonte: http://segredosdomundo.r7.com/selfie-na-academia-e-sinal-de-problemas-psicologicos/

O corpo canônico é um corpo que é capaz de atender às necessidades exigidas socialmente,”nesse contexto, a mídia se destaca como instrumento fundamenta para que se forje o polimento exaltado de si-mesmo pelo indivíduo, que se esmera então para estar sempre presente nos meios de comunicação de massa, em jornais ou televisão” (BIRMAN, 2001, p.167). O que não necessariamente seja sinônimo de beleza plena ou perfeição tendo em conta a subjetividade do ser humano, mas precisa ser um corpo magro e saudável.

(…) a cultura da imagem é o correlato essencial da estetização do eu, na medida em que a produção do brilhareco social se realiza fundamentalmente pelo esmero desmedido na constituição da imagem pela individualidade. Institui-se assim a hegemonia da aparência, que define o critério fundamental do ser e da existência do eu, o sujeito vale pelo que parece ser, mediante as imagens produzidas para se apresentar na cena social, lambuzado pela brilhantina eletrônica (BIRMAN, 2001, p. 167).

Com toda esta demanda pela busca da perfeição corporal, podemos observar que as pessoas estão cada dia mais vivendo um simulacro de existência; as mídias eletrônicas, propagandas e todos os tipos de veículos de comunicação de massa que reforçam ainda mais a busca por beleza, incentivam aqueles que querem estar na posição do corpo perfeito e desejável a irem ao encontro desse ideal.

A premissa de que corpos musculosos, esbeltos e saudáveis longe de qualquer sinal de velhice é o adjetivo ideal para se ter uma vida feliz e satisfatória, tem sido o slogan da nossa sociedade contemporânea. “O belo supremo está na Ideia, que equivale ao “belo em si”; quanto um ser humano pretende realizar algo belo, pode fazê-lo apenas a partir da Ideia. As almas e os corpos são belos apenas devido à sua proximidade em relação à Ideia do belo. Sua beleza é transitória: somente a Ideia do belo é eterna” (TATARKIEWICK apud KIRCHOF, 2003, p. 146).

Encerramos essa discussão de corpo ideal, com uma ligeira compreensão do que é belo, segundo a concepção de Platão, em que ele ressalta que a beleza está para além da imagem ou de paixões, ela se concretiza em um conceito abstrato que se perpetua pela eternidade. Então podemos dizer que o que hoje pode ser belo, amanhã não será ou será para sempre na ideia daquele que percebe a beleza, íntima e subjetiva pertencente a cada um que a idealiza.

REFERÊNCIAS:

BIRMAN, Joel. MAL-ESTAR NA ATUALIDADE: A PSICANÁLISE E AS NOVAS FORMAS DE SUBJETIVAÇÃO./ Joel Birman. – 3ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

 

CRISÓSTOMO, Nadjane et al. OS PERCURSOS DO CORPO NA CULTURA CONTEMPORÃNEA – Malu Fontes. 2010. Disponível em: <http://asticsnaformacaodosprofessores.blogspot.com.br/2010/07/os-percursos-do-corpo-na-cultura.html>. Acesso em: 07 de setembro de 2016.

 

KIRCHOF, Edgar Roberto. A ESTÉTICA ANTES DA ESTÉTICA: de Platão, Aristóteles, Agostinho, Aquino e Locke a Baumgarten./ Edgar Roberto Kirchof.- Canoas: Ed. ULBRA, 2003.

 

NASCIMENTO, Diego Ebling do; AFONSO, Mariângela da Rosa. Os corpos na sociedade contemporânea. 2014. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd190/os-corpos-na-sociedade-contemporanea.htm>. Acesso em: 05 de Setembro de 2016.

 

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de, Et al. POLÍTICAS DO CORPO. São Paulo: Estação Liberdade, 1995.