Projeto Flórida: o mundo mágico da infância

Concorre com 1 indicação ao Oscar:

Melhor ator coadjuvante (Willem Dafoe)

Verdadeiro e de partir o coração” foi como o crítico Tim Grierson definiu a mais nova obra do ousado Sean Baker, diretor de Tangerine, este conhecido por ter sido produzido em um aparelho celular. Agora, com mais recursos, Baker volta com Projeto Flórida, simples, mas cheio de detalhes que se complementam e prendem o espectador na trama, que com sua sequência cotidiana, denota um aspecto quase documental ao filme.

Situado na cidade de Orlando, na Flórida, o hotel Magic Castle é o pano de fundo principal do filme. Próximo ao parque Disney World, o hotel (barato) foi praticamente transformado em um conjunto habitacional por pessoas que não têm as melhores condições financeiras. Isso ocorre a contragosto do gerente Bobby (Willem Dafoe), que deseja alavancar seu negócio, mas também se mostra um homem compassivo e generoso com todos no estabelecimento, transmitindo um clima de vida em comunidade.

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Nesse ambiente (que Baker faz questão de atenuar cada detalhe, principalmente as cores vibrantes do hotel) logo nos deparamos com a sapeca Moonee (Brooklynn Prince), uma garotinha de seis anos que, junto de seus amigos Scooty (Christopher Rivera) e Jancey (Valeria Cotto) faz traquinagens deliberadamente pelo hotel, pelas ruas, pela sorveteria e em outro hotel abandonado (que de alguma forma acaba sendo incendiado…).

Ao conhecermos a mãe de Moonee, a jovem Halley (Bria Vinaite) logo percebemos que somente amor e carinho não são suficientes para uma boa educação de uma criança. Sem emprego e sem perspectivas para o futuro, Halley trata Moonee como irmã, sem impor limites em suas travessuras, o que certamente reflete na personalidade e atitudes da garota, que faz coisas como colocar um peixe morto na piscina e desligar o registro de energia do hotel só para ver o que acontece, tal como agir com certa petulância e desrespeito com as pessoas ao seu redor.

Fonte: https://goo.gl/2ky24q

Entretanto, essa liberdade e essa curiosidade de Moonee demonstram um aspecto inocente que encontramos apenas na infância, que fazem das crianças “pequenos cientistas” no intento de descobrir o que o mundo tem a oferecer. Jostein Gaarder, em seu livro “O mundo de Sofia” (1995), diz que para nos tornarmos bons filósofos precisamos unicamente da capacidade de nos surpreender, e atribui essa capacidade às crianças. A pequena Moonee representa muito bem esse trecho, sendo capaz de transformar coisas que geralmente passam despercebidas aos olhos de adultos em grandes acontecimentos por meio da imaginação, inclusive influenciando sua amiga Jancey a buscar o novo e o desconhecido.

Segundo Girardello (2011), a imaginação é para a criança um espaço de liberdade e de decolagem em direção ao possível, quer realizável ou não. A imaginação da criança move-se junto — comove-se — com o novo que ela vê por todo o lado no mundo. Sensível ao novo, a imaginação é também uma dimensão em que a criança vislumbra coisas novas, pressente ou esboça futuros possíveis.

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Com isso, percebemos a importância em se preservar esse aspecto da infância. No que tange à situação de Moonee, a imaginação, a inocência e a curiosidade de sua tenra idade parecem lhe conferir um arsenal de defesas para as coisas “adultificadas” demais, como os problemas financeiros, a falta de moradia fixa e o desemprego da mãe, que para conseguir o mínimo de dinheiro, finda-se por se prostituir em seu quarto no Magic Castle, o que leva a assistência social a visita-las a fim de levar Moonee para novas e melhores condições.

Em um ímpeto de desespero, Moonee se desvencilha da assistência social e foge para a casa de Jancey, dando início a uma das cenas mais marcantes do filme, na qual Moonee apenas chora na frente de sua amiga (a pequena atriz foi brilhante e muito autêntica) e essa entende que ambas precisam fugir. E fogem para onde? Para Disney World, o mundo da magia.

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Baker genialmente finaliza o filme dessa forma, com as duas crianças correndo em direção ao parque mais representativo da infância, o que pode levar o espectador a ter vários insights, mas, principalmente, entender ou até mesmo se lembrar da própria infância, período em que coisas simples são incríveis, em que o impossível não existe e em que correr para um mundo de magia e/ou imaginação é a solução para tudo.

FICHA TÉCNICA

PROJETO FLÓRIDA

Diretor: Sean Baker
Elenco: Brooklynn Prince, Willem Dafoe, Bria Vinaite
Gênero: Drama
Ano: 2018

Referências:

GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. São Paulo; Cia. Das Letras, 1995. GILES, Thomas Ransom.

GIRARDELLO, Gilka. Imaginação: arte e ciência na infância. Pro-Posições, Campinas, v. 22, n. 2 (65), p. 75-92, maio/ago. 2011.