Kupfer (2004) traz uma importante observação sobre os problemas de aprendizagem ao afirmar que são em sua maioria determinados pelo funcionamento egóico, e, portanto, amplamente determinados pelas relações vividas pelas crianças no interior da instituição escolar. Tal afirmação reforça nossa ideia de observar as crianças em seu contexto e não individualmente. Kupfer (2004) traz-nos uma importante colocação do espaço da psicologia dentro da escola, não como sendo uma sala de atendimento, mas um espaço de escuta e de promoção de diálogos possíveis entre escola comunidade, família, alunos. Torna-se papel do psicólogo ouvir e articular o diálogo.
A autora faz, ainda, um transporte de princípios da psicanálise para a prática da psicologia escolar, admitindo que se toda instituição está estruturada como uma linguagem, deve estar sujeita às leis de funcionamento da linguagem.
Se as instituições seguem essas regras, também podemos ler os discursos que ali se desenrolam da mesma maneira como se lê o discurso de um sujeito em análise. Embora não estejamos psicanalisando as pessoas da instituição, estaremos aplicando as regras de funcionamento da linguagem à instituição como um todo (KUPFER, 2004).
Sobre a escuta e análise dos discursos institucionais, Kupfer (2004) alerta que tendem a reproduzir repetições a fim de manter a ordem instituída, sendo assim, cabe ao psicólogo buscar rachaduras nos discursos para ver o que se esconde além da palavra. Para ela, a falta de circulação discursiva é o início do fim de uma instituição.
Note-se ainda outra consequência do fato de encarar a instituição como linguagem. As modificações sofridas por um grupo, podem provocar modificações em outros grupos da instituição, sem que estes outros tenham sido tocados ou mencionados, já que a instituição está sendo encarada como uma rede de relações interligadas e em constante movimento, na qual a mudança de um elemento provocará necessariamente uma alteração de posição nos demais (KUPFER, 2004).
Falam os professores em um grupo, as crianças em outros, os pais em uma reunião, e os discursos vão dando contorno ao espaço do psicólogo escolar que os articula. Sobre o desafio de não interferir no espaço da pedagogia, Kupfer (2004) coloca que o que está em jogo é o modo como os professores imaginam seu papel e quais discursos em torno desse papel impedem seu exercício eficaz, muito mais que a verdade última daquele sujeito inconsciente que habita o professor.
Outros fatores apontam ainda para a necessidade de se prestar atenção na vida psíquica do professor, e não apenas do aluno, no contexto escolar. Pereira, Marinnotti e Luna (2004) nos apontam várias contingências que interferem na atuação do professor e em suas relações interpessoais na escola. As exigências institucionais, pressões do sistema, normas e prazos a serem cumpridos, competição, expectativas profissionais, planos de aula, condições diversas de trabalho, dentre muitos outros aspectos interferem na eficiência do professor e muitas vezes o fazem sentir-se culpado pelo fracasso.
Há que se considerar ainda os desafios da educação inclusiva, que não abordamos diretamente nesta análise. Verificamos, portanto, que o papel do psicólogo escolar não é clínico, mas sua atuação demanda um posicionamento crítico, considerando a visão sócio-histórica, e uma capacidade política de articulação do diálogo entre diversos públicos que culpabilizam um ao outro pelos fracassos na vida escolar. Cabe ao psicólogo escolar, então, buscar a harmonia entre os públicos para promover a saúde mental da comunidade escolar como um todo.
REFERÊNCIAS:
BOCK, A M. B.; GONÇALVES, M. G. M e Furtado. Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo, Cortez: 2001.
KUPFER, M C Machado. O que toca à psicologia escolar. In: MACHADO, Adriana Marcondes; PROENÇA, Marilene (Orgs). Psicologia escolar em busca de novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
PEREIRA, Maria Eliza Mazzili; MARINOTTI, Mirian; LUNA, Sérgio Vasconcelos de. O compromisso do professor com a aprendizagem do aluno: uma contribuição da Análise do Comportamento. In: HüHNERE, Maria Martha C.; MANNOTTI, Miriam. Análise do Comportamento para a educação. ESETec. Santo André, SP: 2004.