Henry David Thoreau – Somos realmente livres?

Tomai a resolução de não mais servirdes e sereis livres. Não vos peço que o empurreis ou o derrubeis, mas somente que não o apoieis: não tardareis a ver como, qual colosso descomunal, a que se tire a base, cairá por terra e se quebrará. – Étienne de La Boétie, em “Discurso da servidão voluntária”.

Fonte: http://www.comshalom.org/portal/wp-content/uploads/2015/10/14/vitoria/liberdade1.jpg

Em 1845, um jovem de 27 anos de idade, insatisfeito com o modelo de sociedade e o modo como as pessoas viviam subordinadamente ao Estado, decide morar no meio da floresta, em um terreno que pertencia a Ralph Waldo Emerson. Segundo ele, queria “viver deliberadamente”, se “defrontar apenas com os fatos essenciais da existência, em vez de descobrir, à hora da morte, que não tinha vivido”. Em seu período na floresta, ele queria “expulsar o que não fosse vida”. Este jovem era Henry David Thoreau, um homem autêntico, inconformado e cético com as regras e padrões que lhe eram impostos, trazendo à tona questões que até hoje intrigam, perturbam e influenciam a mente e ações de uma gama de pessoas. Estas questões são acerca da liberdade versus tirania. Em sua estadia na floresta, Thoreau buscou um modo de vida mais livre, onde a simplicidade é vigente, criticando o modelo capitalista, escravagista e bélico da época, opondo-se ao Estado.

Quando pensamos no conceito de liberdade ficamos a mercê das influências externas que implicam na conquista de ser livre, somos remetidos à ideia do autoritarismo, domínio, poder, opressão e usurpação da lei. Sobre a égide deste contexto, Étienne de La Boétie, em seu livro Discurso sobre a servidão voluntária traz o questionamento: Por que abrimos mão da nossa capacidade de decisão?

Ele mesmo responde esta questão, dando uma “pista perigosa para nós”, como diz Leandro Karnal (Unicamp), em palestra sobre o medo, liberdade e a alma humana, ao dizer que “a servidão pode ser uma zona mais confortável que a liberdade”. Ser livre significa também fazer escolhas, o que denota grande angústia e responsabilidade, cujos – muitos – indivíduos não desejam assumir. Quanto a isso, Leandro Karnal usa metaforicamente o exemplo do filme Cinquenta tons de cinza, onde ele diz que “aquilo que me prende também me seduz”, enfatizando essa questão de atribuirmos sempre ao outro a responsabilidade de nossas escolhas.

E é por este grupo de pessoas com medo da liberdade, com medo da escolha e com medo da responsabilidade que é formada a tirania. Não que estas pessoas sejam os tiranos, mas elas dão as bases que os tiranos necessitam, pois estes não existiriam se não houvesse quem os aceitassem e apoiassem.  “O fogo do poder só arde por que há quem jogue lenha na fogueira” (Étienne de La Boétie).

Fonte:http://pantokrator.org.br/po/wp-content/uploads/2013/04/marionetes.jpg

Étienne de La Boétie divide a posse do poder em três categorias: pela eleição, pela violência ou pela sucessão. O que nos importa neste momento é o poder de sucessão, em que Étienne compara as pessoas alienadas e que abriram mão de sua liberdade à cavalos acostumados ao arreio. Karnal, partindo desta visão, compara a sociedade atual a potros, que já nasceram acostumados ao arreio. Ou seja, a maioria de nós está dando continuidade a uma servidão voluntária iniciada por nossos antecessores sem nem mesmo questionar tal imposição.

Para Henry David Thoreau, em seu livro Desobediência Civil, aqueles que se submetem a pagar impostos ao governo sem ao menos se questionarem a importância disso, não sabem qual é o seu papel dentro da sociedade, ao passo que a liberdade para essas pessoas está atrelada ao conforto de possuírem casas, roupas e acolhimentos providos pelo próprio Estado e modelo capitalista. Thoreau rebate expondo que o homem deve reivindicar a sua liberdade em relação ao Estado, não permitindo que um mande em milhões.

Ao fazermos uma contextualização acerca da liberdade, lançamos a pergunta: Estamos exercendo a nossa liberdade tal como Thoreau, La Boétie e tantos outros pensadores do século XIX sonhavam? Uma época onde as pessoas são livres para expressar suas opiniões, questionar os legisladores e suas leis, seria uma época de plena liberdade? Em resposta a esses questionamentos, Leandro Karnal diz que estamos agora nos deixando aprisionar pelas mídias sociais, referindo-se a elas como “coleiras eletrônicas destinadas aos humanos”. Não podemos ser quem queremos ser, sentir o que queremos sentir, já que estamos incansavelmente pregando falsas felicidades nas redes sociais, implicando assim numa utopia de liberdade.

Karnal usa outra metáfora com aspecto cinematográfico, desta vez sobre os zumbis, descrevendo que, assim como na maioria das cenas em que eles aparecem em shoppings, somos nós em busca de sempre adquirir cada vez mais coisas materiais. Ou seja, assim como os zumbis andam seguindo sua “manada”, somos nós seguindo a moda ou o que a grande massa nos impõe como certo. As pessoas se sentem sujeito ao escolher. Porém, esta escolha está voltada para o celular de última geração, para a roupa que está sendo mais usada, para os tênis da moda. Nenhuma escolha que envolva subjetividade e autenticidade, então, ao contrário do que pensam ser (sujeito), tornam-se, na verdade, objetos.

Fonte: http://scienceblogs.com.br/haeck/files/2014/01/zumbisnoshopping.jpg

Karnal em sua palestra cita a frase de Étienne de La Boétie, “parem de reclamar do Estado como tirano e pensem na sua liberdade diante desse Estado”. Ou seja, é preciso que saibamos a nossa posição e direitos diante de tudo o que nos governa, tendo em mente que há condições em que não se torna possível escolher fazer ou não, simplesmente se é obrigado a obedecer. Porém, deixar que essas regras e normas mudem o próprio modo de ser, a sua subjetividade, isso é de inteira escolha de cada um. É preciso pensar na nossa liberdade como resultado do extermínio da nossa servidão voluntária. É fazer com que Thoreau se revire no túmulo ao constatar que mudamos a forma de ser como ele afirma em seu livro Desobediência Civil: “A massa de homens serve assim ao Estado, não realmente como homens, mas com os corpos transformados em máquinas”. Não deixar que o legislador nos manipule a fazer o que não concordamos, pois, como Thoreau mesmo disse: “A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de fazer em qualquer tempo o que julgo ser correto”.

 

Referências

THOREAU, Henry David. A desobediência civil.  Porto Alegre: L&PM, 1997.

ETIENNE DE LA BOÉTIE. Discurso da Servidão Voluntária. Editora Brasiliense. São Paulo, 1982.

Saber filosófico, Karnal. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GGeWvC-iKyc. Acesso em: 06 mar. 2016