Videoinstalação como uma estratégia de narrativa corporal

Atualmente, com base no que pode ser notado, percebe-se o quanto os meios de comunicações alcançam milhares de pessoas em um pequeno espaço de tempo, e como uma de suas consequências, induz o público a ser, pensar e agir a partir de um padrão que eles julgam o mais adequado. São pessoas que lutam contra a balança e o espelho constantemente, arriscam-se em dietas perigosas – disponibilizadas, intensa e qualitativamente, pela internet – vivem praticando exercícios físicos, buscam algumas vezes profissionais voltados a saúde física, e em casos mais extremos chegam a realizar cirurgias estéticas, mesmo sabendo que não precisam ou não podem no momento, mas sentem sede de poder, o mais rápido possível, alcançar o peso e o corpo ideal.

A influência midiática sob o corpo visual humano está cada vez mais forte e arraigada na nossa cultura, uma vez que pouco se têm consciência acerca dos males que isso traz e sobre a sua real finalidade, compra-se e usa-se sem um por quê individual. Isso é completamente notório em crianças, por exemplo, que desde cedo já acreditam que o padrão da boneca Barbie é o bonito, que falar em beleza é fazer referência a ela, e isso acaba por refletir em si quando os próprios pais inferem brutalmente no vestir-se de seus filhos, quando as meninas usam maquiagem e anseiam pelas roupas que são vendidas pela mídia.

Quando não se tem consciência dos males causados pelos padrões sociais a tendência é existir uma sociedade cada vez mais doentia e frustrada, que não conhece seus próprios limites e quer sempre mais, várias patologias então passam a se desenvolver de acordo com que o magro e o objeto vendido se tornam belo, e o que passa disso é anormal, automaticamente rejeitado; têm-se adoecimentos pelas duas esferas: no excesso e na falta.

O destaque que está sendo dado ao corpo humano em nossa sociedade atual tem gerado diversas discussões e reflexões de diversos autores, a apresentação do corpo na arte videográfica é o tema abordado em um dos capítulos do livro de Danillo Barata “Corpos Mutantes”, que em suma fala da fusão entre a arte e a tecnologia que por sua vez proporcionou o surgimento da videoarte que em seus primórdios foi o pontencializador das performances. Nos anos 60 e 70 a inquietação dos artistas tomados pela chamada antiarte, despertou novas maneiras de redefinir a estética e a instituição da arte através do corpo.

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Para fazer uma análise mais detalhada sobre o corpo é preciso entendê-lo como um corpo histórico, que segundo Barata (2009, p. 107) é o corpo que assume um lugar de acontecimentos e é fruto das transformações culturais, sociais, econômicas e estéticas. Na contemporaneidade podemos observar claramente as influências e destaques que o corpo vem recebendo principalmente no universo da moda e da publicidade. Os padrões estéticos ditados ao homem ocidental vão muito além do que somente o modo de se vestir mais também interferem na construção social do corpo. Em tempo algum se viu tanta banalização com o corpo, tantas dietas, exercícios físicos, tratamentos cirúrgicos e outras formas de se alcançar o corpo ideal que muitas vezes é inalcançável.

Dantas (2011, p. 4) afirma que este é um tema de fundamental importância para a Psicologia, pois o corpo se tornou centro de preocupação e investimentos no contexto atual. Barata (2009, p. 106) complementa esta ideia afirmando em seu trabalho que esta preocupação em atingir os padrões que a moda e a publicidade imporam geram um vazio que pode aumentar a insatisfação do homem moderno. Sendo assim este tema gera um possível campo de intervenção da psicologia.

Dentro das esferas públicas as regras e metas a serem alcançadas para um bom convívio social, e para alcançar a aceitação e admiração de todos tem se tornado cada vez mais cruéis. Barata (2009, p. 108) em sua obra relata um exemplo de totens midiáticos que exibiam modelos vigorosos de homens e mulheres em televisores na entrada de uma loja de roupas. As pessoas que ali entravam buscavam a aceitação através dos expositores daquela loja.

Os meios para conseguir o “corpo perfeito” vão desde academias com diversas atividades físicas, cosméticos “milagrosos”, dietas “infalíveis” a modificações corporais advindas de cirurgias plásticas. Sendo o homem contemporâneo mais imediatista, a segunda opção ganha mais destaque. No início do século XX as mudanças corporais partiam do externo, o uso de espartilho por exemplo, porém, nos anos 90 as cirurgias plásticas se popularizaram, dando inicio as modificações internas de forma desenfreada. Ter um corpo “jovial”, seios “siliconados”, uma pele “perfeita” se tornou mais simples e acessível, sendo essa prática não só restrita aos adultos, “…a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica apresenta uma estimativa de que cerca de 130 mil crianças e adolescentes submeteram-se no ano de 2009 a operações plásticas” (CAMARGO, 2012).

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Segundo a ISAPS (International Society of Aesthetic Plastic Surgery) o Brasil no ano de 2013, foi o numero 1 em cirurgias plásticas, totalizando 23 milhões de operações realizadas. Logo, o que se têm atualmente, é uma busca incessante para ter um corpo segundo os padrões videográficos, recorrendo a diversos recursos estéticos e assim, “os desfiles parecem não se resumir apenas às passarelas dos grandes eventos de moda, mas invadem também as ruas e avenidas…” (BARATA, 2009, p. 110).

Danilo Barata traz em seu ensaio, algumas imagens de corpos nus, masculino e feminino. Através das imagens que foram mostradas do seu trabalho, foram formados discursos sobre conceitos morais e o que realmente poderia ser designado como o corpo perfeito. A promessa atraente de um corpo ideal e as possibilidades de adiar a velhice, ter o corpo esbelto, vêm cada vez mais conquistando milhares de pessoas. A mídia, os cientistas, em todos os meios, traz essa possível realização da tal juventude deseja.

Esse corpo inacabado considerado como um objeto sempre disponível a reformas devem aumentar os seus níveis performáticos. Para vencer os perigos crescentes de tornar-se obsoleto, o corpo deve ser continuadamente turbinado para acompanhar a sofisticação das máquinas, atender as novas demandas de prazer e liberdade próprios da atualidade (SANT´ANNA, 2001).

O propósito de ter um corpo nomeado como perfeito, vem acompanhando a modernidade, o vicio de mudar o corpo em movimento, a busca incansável e cada vez mais precoce, requer uma conduta de disciplina rigorosa, envolvendo alimentação e disposição física.

Em diversas ocasiões passa de um processo sadio para um ato de doença. O atual momento é o que glorifica o emagrecer, e em contrapartida existe uma sociedade que se torna cada vez mais obesa. Uma sociedade que exalta a beleza física, e considera-se saudável apenas pela aparência. Conforme assegurou Barata, “podemos disfarçar as inscrições dos acontecimentos na superfície da pele. Mas por trás do aparente, dentro de nós, estão todas as marcas, sofrimentos e alegrias perdidas, imperfeições e incompletudes que traduzem o que somos” (Couto, 2003, p.133 a 148).

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Para Bauman (2011), a preocupação com o corpo não está relacionada com saúde, mas com a forma física.

Diferentemente da saúde, que pode ser identificada como normal ou anormal, a boa forma não pode ser mensurada e quantificada; é pertencente à individualidade do sujeito, o qual está fadado a jamais atingir o nível desejado de perfeição em relação ao seu corpo. Sempre é possível receber novas sensações, e o Mercado está empenhado para oferecer o maior número e as mais variadas possibilidades de prazeres e sensações corporais (BAUMAN, 2011, p. 157).

A forma física “não conhece limite superior; na verdade, ela é definida pela ausência de limites – mais especificamente, por sua inadmissibilidade” (BAUMAN, 2009, p. 122). Não há meios em que possa separar o estético da saúde, mas a sociedade está vinculada a essa necessidade constante de mudanças, que abusa dos limites do próprio corpo. Danillo Barata, em sua amostra, conseguiu demonstrar através de fotografias e vídeos, o corpo real. A mudança constante do corpo, causando impacto a todos os participantes do evento.

É possível perceber que durante a pesquisa do autor Danillo Barata, que a ênfase dada ao corpo humano na atual sociedade, principalmente quando se trata do universo da moda e publicidade, onde o corpo é o principal instrumento de trabalho e é necessário ser “perfeito”, constitui-se um objetivo de frequente reflexão e pesquisa artística. Esses padrões ditados por esse universo da moda e publicidade vão além do que a pessoa deve ou não vestir, comer ou não comer e interfere na construção social do corpo, fazendo com que o homem se torne escravo da sociedade de consumo desenfreado onde é possibilitado às pessoas a construção de uma imagem ideal onde se encaixe nos padrões atuais.

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Dentro da esfera pública do mundo moderno, é possível observar que ser uma pessoa notada e consequentemente admirada, tem se virado um alvo a ser alcançado e quem não se adéqua a esses padrões e exigências desse universo de beleza, não alcançam aceitação e admiração sendo seguidamente excluídos. Beleza, vigor, juventude. Em torno desses vetores são elaborados os discursos e os modelos do corpo considerado perfeito. Para atingir os padrões de perfeição, cada vez mais o corpo vital se alimenta com técnicas estimulantes capazes de construir e acentuar os traços tidos como graciosos, a resistência e a aparência sempre jovem e saudável. De diversas maneiras, é necessário acelerar o organismo, extrair dele mais movimento e prazer. É preciso testá-lo, perseguir o máximo de rendimento, superar obstáculos, romper limites, quebrar recordes (Couto 2002).

O uso do corpo como meio de expressão artística tende hoje a retomar as pesquisas das artes no caminho das necessidades humanas básicas. A forma de se expressar através da mídia e fotografias, que permitiu o rompimento de valores pictóricos, revelaram a dinâmica moderna e suas mudanças. Buscou-se entender e dialogar e compreender através das imagens, os medos e revelações do universo moderno. Segundo Milton Santos (2002, p.21): “Esse momento no qual vivemos, para repetir Chesnaux, é de uma sociedade sincrônica, integral, na qual o homem vive sob a obsessão do tempo, sociedade essa que é, ao mesmo tempo cronofágica.”

A abordagem do corpo no decorrer da pesquisa de Danillo Barata, direcionou sempre ao desejo, e à busca de sua identidade. Por fim, foi constatado que o corpo é uma fonte inquietante e transversal de comunicação, sendo palco de apresentações e de celebrações na cultura ocidental, ampliando o sentido do fazer artístico e trabalhando as potencialidades dos novos meios.

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Z. Vida em Fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, pag. 157. 

 

BAUMAN, Z. Vida Líquida. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, pag. 122.

 

COUTO, Edvaldo Souza. Corpos interditados: notas sobre anatomias depreciadas. Em STREY, Marlene Neves e CABEDA, Sonia T. Lisboa. Corpos e Subjetividades em Exercício Interdisciplinar. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2004, pp. 133-148.

 

DANTAS, Jurema Barros. Um Ensaio Sobre o Culto ao Corpo na Contemporaneidade. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/8342/6136/>

 

SANT´ANNA, Denise. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo, Estação Liberdade, 2001.

 

CAMARGO, Orson. “Mídia e o culto à beleza do corpo”; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/a-influencia-midia-sobre-os-padroes-beleza.htm>. Acesso em 06 de setembro de 2016.