Reflexões sobre o processo de individuação na perspectiva junguiana: relato de experiência

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O presente relato versa sobre a experiência vivenciada no encontro presencial do Grupo de Estudos em Psicologia Analítica do Tocantins – Quíron – do curso de Psicologia, do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA), realizado no dia 07 de maio de 2022, das 10h30 às 12h30, na Livraria Leitura, na Cidade de Palmas/TO. O encontro se deu no formato de roda de conversa, mediado pelo professor Sonielson Luciano de Souza, e teve como temática de discussão a obra de Murray Stein “Jung e o Caminho da Individuação: uma introdução concisa.” (STEIN, 2020), com objetivo de discutir sobre as etapas do processo de individuação.

No primeiro momento, o professor trouxe os principais recortes junguianos sobre o conceito de individuação, apresentados na referida obra. A partir de sua explanação, entendemos por individuação o processo de autoconhecimento que nos permite o encontro com nossa realidade e singularidade, com os nossos próprios desejos, para que possamos nos tornar uma pessoa autêntica e viver em busca de nossa autorrealização.

De acordo com Jung, a individuação é um processo dinâmico e permanente, uma tendência inata, de nos tornarmos conscientes e desenvolvermos a nossa consciência ao longo de nossa vida. Para isso, precisamos reconhecer e dialogar com o nosso self, isto é, com o nosso próprio “si-mesmo” (STEIN, 2020). No entanto, compreendemos que não é possível reconhecer toda a potencialidade do self, mas podemos identificar e integrar partes dele.

Fonte: Imagem de JL G por Pixabay

O self é a dimensão mais profunda do ser humano, uma estrutura psíquica que possui uma identidade consciente específica e gerencia a nossa personalidade, sobretudo os seus processos inconscientes (STEIN, 2020). Portanto, reconhecer e integrar o self consiste em “tomar consciência do que nos é dado, quer proceda da biologia, da história pessoal ou coletiva, ou do incessantemente criativo inconsciente, e desenvolver o que recebemos da melhor maneira possível” (STEIN, 2020, p. 12).

No segundo momento, foi proposto a discussão sobre três questionamentos relativos ao processo de individuação do paciente/cliente, percebido pelos psicólogos e estagiários de Psicologia na prática clínica: “se o paciente/cliente reduz a sua função egóica ou percebe que há algo além (self), se ele(a) está disposto(a)a fazer esse encontro com o self” e se está disposto(a) a pagar o preço. Através dos relatos percebemos que muitos pacientes/clientes tendem a persistir na não compreensão de si mesmo e a racionalizar o seu processo de vida, devido à dificuldade e/ou o medo de confrontar a sua realidade, de fazer o ‘mergulho’ em si mesmo e de reconhecer a sua sombra.

O termo “sombra”, na psicologia junguiana, diz respeito aos conteúdos reprimidos no inconsciente. Esses conteúdos são diversos e se referem a todos os aspectos de nossa personalidade que recusamos a reconhecer, tanto características negativas e positivas, quanto pensamentos, sentimentos, emoções, desejos e situações vivenciadas como traumáticas. Todavia, eles se manifestam de alguma forma para nós, sobretudo por meio dos sonhos e de nossas projeções (STEIN, 2006).

Nesse sentido, os diálogos nos possibilitaram uma reflexão importante: o processo de individuação é do paciente/cliente e cabe ao psicólogo reduzir a sua expectativa em relação ao processo terapêutico. Portanto, ele deve acolher o indivíduo (fazer a função ‘continente’), favorecer a construção do vínculo e da transferência positiva (que leva certo tempo e pode ocorrer ou não), e desenvolver sensibilidade e intuição para identificar o melhor momento e a melhor forma de intervir, por meio da dialética e de outras estratégias terapêuticas, sugeridas pelo método analítico, conforme as necessidades e as predileções de cada paciente/cliente.

Fonte: Imagem por storyset no Freepik

No terceiro momento, as discussões foram focadas na persona, um termo que Jung se apropriou e o amplificou no contexto psicológico. Nesse sentido, significa “pessoa tal como se apresenta, não a pessoa como ela é”. Trata-se de um “constructo psicológico e social adotado que se relaciona com o desempenho de papéis na sociedade” (STEIN, 2006, p. 102).

Na clínica, é comum a hiperidentificação do paciente/cliente com as suas personas e, muitas vezes, isso ocorre de forma inconsciente. A esse processo Jung denominou de fixação ou possessão, ou seja, quando a pessoa está fixada em uma persona ou possuída por ela (STEIN, 2006). Logo, é uma das metas da individuação reconhecê-las e aprender a transitar entre elas de acordo com as exigências de cada situação, de forma consciente, sabendo que elas são parte de sua personalidade e não a sua totalidade. A esse processo Jung denominou função transcendente – capacidade de transcender as fixações e encontrar o meio termo. E isso só é possível quando existe um diálogo entre o consciente (ego) e o inconsciente (self).

Por meio dessas reflexões compreendemos que a individuação é um processo constante e dinâmico, que envolve todos os aspectos de nossa vida e nos permite lidar com os conflitos intrapsíquicos e interpessoais, de modo que possamos negociar os nossos próprios desejos com as exigências sociais e viver uma vida que faça, verdadeiramente, sentido para nós.

REFERÊNCIAS

STEIN, M. Jung e o caminho da individuação: uma introdução concisa. Tradução de E. L. Calloni. São Paulo: Cultrix, 2020.

STEIN, M. Jung e o mapa da alma: uma introdução. Tradução de A. Cabral. 5ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

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O psiquiatra, o psicólogo e o psicoterapeuta como barqueiros do inferno

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No filme “Amor além da vida”, de 1998, Chris (Robin Willliams) e sua esposa Annie (Annabella Sciorra) perdem os dois filhos em um acidente de carro. Annie, então, é internada em depressão grave. Chris passa a visitá-la regularmente, como se tentasse resgatá-la de um buraco sem fundo, de onde ela própria não tinha forças nem esperança para sair. O golpe final para Annie, quando já se recuperava, é a morte do marido num acidente quatro anos após a morte de seus filhos. Daí em diante o filme passa a ser contextualizado num universo extrafísico, apresentado como uma manifestação externa do ambiente intrapsíquico.

Portanto, o cenário em que Chris é recebido por um antigo amigo e mestre, Albert, parece pintado à tinta, como se estivessem dentro de um dos quadros que Annie pintava e Chris amava. “Este é o seu céu”, explica Albert. Quando descobre que Annie cometeu suicídio, Chris quer ir até ela de qualquer jeito e não há como impedi-lo. Albert leva-o à presença de um guia, alguém experiente e capaz de conduzi-lo ao estado de “inferno” psíquico em que Annie se encontrava, juntamente com outros de estado semelhante. Chris será guiado através de uma espécie de inferno de Dante pelo mundo que seria resultado de uma construção psíquica conjunta de seus “habitantes”. O velho e sinistro guia lhe diz: “Você teme o que? Perigo físico?” e adverte que todo perigo ali é – e obviamente só poderia ser – psíquico.

Fonte: encurtador.com.br/bfuG5

A viagem é norteada pela ligação mental entre Chris e Annie, mas é momentaneamente perturbada por uma lembrança de quando, ainda em vida, ele disse ao filho o quanto o admirava, “se eu tivesse que ir ao inferno, não ia querer outra companhia que não a sua”. Percebe então que Albert é na verdade seu filho, que diz ter escolhido aparecer como Albert para ele porque pensou que só assim seria ouvido. Os três atravessam grandiosos cenários de dor e aflição, onde corpos, rostos, seres pálidos se despencam, se amontoam soterrados ou afundam no chão ou na água. Chris pergunta ao guia o que ele fazia na sua vida. Ele responde: “Na última? Eu tinha um trabalho parecido com esse”. “Era psiquiatra” – conclui Chris.

Mostrando grande familiaridade com aqueles caminhos, o guia demonstra tensão e bom humor, como se conhecesse algum belo sentido secreto de tudo que se manifestava ali. Quando se aproximam no local em que estava Annie, uma versão retorcida e sombria da casa deles, espaço mental onde ela havia se sepultado em total alienação, o guia diz a Chris que ele só teria cerca de três minutos com ela antes de enlouquecer. Como enlouqueceria? “Quando a realidade dela se tornar a sua” (compreensão fundamental para todo aquele que comparece diante do sofrimento do outro). Segue-se o esforço se Chris de salvar Annie de seu inferno psíquico, como o fez em vida quando ela estava internada. E a resistência dela ao retorno a si e à consciência da dor.

Fonte: encurtador.com.br/nGJT0

Guia do ambiente psíquico em seus vários níveis subterrâneos, o profissional “da mente”, é navegante experimentado porque tem intimidade com sua própria escuridão, a ponto de perceber que essa não é outra que não a escuridão da humanidade. O mitologema do psicopompo faz referência a esse arquétipo que move o psicoterapeuta em geral, como aquele que transita entre os mundos, constituindo, portanto, seu elemento de ligação. Um representante mais explicito é o deus grego Hermes, responsável pela “condução das almas, uma atividade que se estende até mesmo além da vida”.

Fonte: encurtador.com.br/htuU6

Hermes é o próprio devir, “o espírito de uma configuração da existência que sempre retorna nas mais diversas condições”, neste mundo e no outro, pois não transita nos caminhos prontos marcados no chão, mas sim em caminhos outros, por onde passa pairando, volátil, pelos abismos de amores incríveis, ilhas e cavernas. Seu estado “é o de estar sempre em suspenso”. “Tudo ao redor se torna fantasmagórico-improvável para ele”, livre que está para percorrer todos os caminhos levando clareza e alinhavando os mundos. Assim Karl Kerényi (Arquétipos da religião grega) descreve esse mitologema, a quem Bolen (Os deuses e o homem), citando Murray Stein, chama “o deus das passagens significativas”, para evocar o mesmo papel para os psicoterapeutas, em seu caminho fora dos caminhos, além dos mundos, para guiar almas em liberdade de ir e vir entendendo em si próprio o jogo de luz e escuridão como o próprio e natural devir da existência.

FICHA TÉCNICA

AMOR ALÉM DA VIDA

Título Original: What Dreams May Come
Origem: EUA
Ano de produção: 1998
Gênero: Romance/Fantasia
Direção: Vincent Ward
Elenco: Robin Williams, Max von Sydow, Cuba Gooding Jr.

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Aladim, os jogos de poder e o processo de iniciação da Alma

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Ao libertar o gênio, Aladim percebe que o Self e o sagrado não mais estão à disposição do ego, mas está disponível para o coletivo, para algo maior que se expande para o mundo.

Aladim é um filme de 2019, adaptado do desenho animado Aladdin, de 1992, e baseado no conto árabe As Mil e Uma Noites, de Antoine Galland. O conto Aladim na verdade só se uniu as Mil e uma noites a partir do século XVIII, anteriormente ele não fazia parte da narrativa do livro.

No conto o jovem Aladim é descrito como um adolescente que se recusa a aprender o ofício do pai, que é alfaiate, sendo descrito por sua mãe como imaturo, “esquecido que não é mais criança”. O nome Aladim pode significar em árabe a “nobreza da fé”. Ou ser advindo da mistura de Alá e Djin (gênio ou daimon).

Djin ou Jinn, significa gênio na religião muçulmana, e era uma entidade sobrenatural do mundo intermediário entre o divino e humano. Estava além do bem e do mal, e rege o destino de alguém ou de um lugar.

Ele é um espírito guardião designado para cada pessoa ao nascer. Portanto, o gênio é concebido como um ente espiritual ou imaterial, muito próximo do ser humano, e que sobre ele exerce uma forte, cotidiana e decisiva influência. Sendo ele o responsável pelo cumprimento do destino de cada ser humano. Ou seja, Aladim é o herói que liberta o espírito divino preso na lamparina. Libertar o gênio não é um processo fácil, é o processo da individuação que exige disciplina e coragem.

Fonte: encurtador.com.br/fgwO7

No filme Aladim é um órfão pobre e ladrão, que vive em Agrabah. Ele é chamado de “rato de rua” e seu amigo é um macaco que o acompanha em suas aventuras. Mas antes de adentrar a história mesmo, é importante comentarmos sobre um simbolismo muito importante: o da lâmpada mágica.

A lâmpada é uma figura presente em contos e lendas. Ela é um instrumento de iluminação associada ao ser humano, que contém em si o fogo do interno. Como lamparina ou lâmpada é transitória e o fogo dessa iluminação pode se extinguir, sendo necessário o tempo todo ser aceso. Ou seja, o ser humano precisa de tempos em tempos reacender o fogo da espiritualidade em si, pois enquanto matéria, somos levados a nos manter inconscientes e em nossa zona de conforto.

O fogo e o gênio são acionados quando nos esforçamos e decidimos adentrar em nosso interior. A lâmpada é na verdade uma lamparina semelhante àquelas utilizadas na iluminação doméstica.

Na Grécia antiga o culto da deusa Héstia, deusa representada pelo fogo, era feito em seu templo e em casa, por meio do fogo que deveria ser mantido aceso sempre. As sacerdotisas dos templos tinham que estar sempre atentas para que esse fogo não se apagasse.

Fonte: encurtador.com.br/aJOS4

Héstia também estava presente em cultos domésticos. A importância de Héstia é encontrada em rituais, simbolizada pelo fogo. Para que uma casa se tornasse um lar, a presença de Héstia era solicitada.

Ou seja, o fogo do espírito deve estar presente em nosso recôndito mais íntimo, no nosso lar interno. O fogo do espírito, ou seja, o conhecimento além da simples matéria, o fogo da essência divina (do Self) deve estar sempre presente no nosso cotidiano.

Aladim no filme é inquieto, está em busca de algo que o tire da rotina e não se preocupa em encontrar uma profissão e ganhar seu dinheiro. É tido como irresponsável e infantil. Porém, estamos falando de um herói. E como herói é necessário que olhemos para ele não como um ser humano comum, mas como uma imagem arquetípica.

O herói não necessariamente é aquele que luta e mata os monstros, dragões e bruxas. Ele muitas vezes pode se apresentar como um bobo, ou como alguém com caráter duvidoso (o anti-herói).

Fonte: encurtador.com.br/cdKL5

Como ladrão, Aladim apresenta características do deus Hermes. Hermes é o deus grego da inteligência, astúcia, magia, divinação, viagens, estradas e dos ladrões. Além de ser um guia de almas. Era o único deus capaz de transitar nos três mundos: deuses, humanos e dos mortos. Se tornando o mensageiro dos deuses. Mas o principal atributo de Hermes é a alquimia. Deus alquímico, transformador e guia da alma humana.

A alquimia representa a mais profunda transformação humana. É o processo de individuação projetado na transformação da matéria sem valor em algo valoroso. Podemos, portanto, observar Aladim como essa matéria bruta que irá se transformar em algo valioso.

Aladim tem como amigo um macaco, um animal que está muito próximo do ser humano. Para os Astecas e Maias o macaco estaria ligado às artes e à sabedoria. No hinduísmo havia um deus macaco chamado Hanuman. Ele era cultuado como uma encarnação do deus Shiva, que encarnou com a missão de ajudar um rei a derrotar um demônio. Hanuman representa a natureza instintiva do ser humano e a sua origem animal, que pode ser transformada e transmutada para o encontro com o divino.

Simboliza também a mente humana, que pula como um macaco para um lado e para o outro, de galho em galho, sem foco. Ao desejarmos tudo o que vemos nossa mente se atrapalha e se distrai nos tirando do que é essencial. Uma clara armadilha do ego humano. Hanuman transcende as paixões do ego e os sentidos e simboliza a disciplina da mente.

Fonte: encurtador.com.br/qtyZ9

No filme, Aladim parece não ter foco. Ele mesmo pula como macaco e vive distraído. Porém, seu macaco mostra a virtude do foco que acaba sendo essencial em diversos momentos cruciais, sendo um deles o encontro com a lâmpada mágica.

Aladim é escolhido então pelo vilão Jafar para ir buscar a lâmpada em uma caverna, pois esse possui as qualidades necessárias para poder entrar e sair vivo. O rapaz vai ao deserto com Jafar, confiante, e ele entra nessa gruta. Mas antes é avisado de que lá ele encontraria muitas jóias e tesouros, mas que não deveria tocar em nada. Ele deveria focar em encontrar uma lâmpada antiga e trazer para Jafar.

A entrada na caverna, ou descida, é um tema comum nos contos e jornadas heroicas. Trata-se de um mergulho do herói em si mesmo para buscar algo de valioso. Psiquê desce ao mundo de Hades para buscar a beleza de Perséfone, Orfeu para buscar sua amada, Héracles desce para pedir o cachorro Cérbero emprestado. Odisseu e Enéias também descem.

Descer exige coragem para enfrentar suas imperfeições, seus pesadelos. Deve-se ter foco para isso, pois é fácil se perder neste processo. Trata-se de um grande teste e de um processo de purificação para que o herói seja apto e digno de encontrar o tesouro e ser realizado.

Fonte: encurtador.com.br/azAIS

Cada vez que um ser desce ao submundo e enfrenta a provação, ele se despoja de um ou vários aspectos impuros de seu interior. Ele se purifica de aspectos egóicos e infantis para que possa retornar, ascendendo sua consciência. Trata-se da verdadeira iniciação, a da alma.

A descida de Aladim é a de se despojar dos desejos egóicos e focar no desejo do espírito (a lâmpada), que irá guiá-lo ao seu destino. Para isso só alguém puro (não necessariamente perfeito), ou seja, alguém que não tem pretensões egóicas, que se entrega a jornada sem imaginar qual será o resultado.

Após Aladim retornar da gruta, Jafar pede a ele que entregue a lamparina. Mas Jafar o engana e ele fica preso na gruta. No entanto, a lamparina também fica com ele. Ao friccionar a lâmpada suja, aparece então o gênio. Aquele que irá satisfazer seus desejos e será seu daimon. O gênio lhe concede três desejos, e ele então pede que seja tirado de lá.

Aladim antes de conhecer o gênio havia conhecido a filha do sultão. Ela diz a ele que é a empregada da princesa e ele se apaixona. Após saírem  da caverna, Aladim usa seu desejo de se tornar um príncipe para impressionar Jasmine (sem saber quem ela de fato é).

Fonte: encurtador.com.br/fozRX

Ele se transforma em um príncipe com muitas riquezas, mas não impressiona a moça. Ela deseja mais do que apenas riquezas e o seu pretendente precisa estar à altura de sua nobreza, não externa, mas interna. Jasmine, do ponto de vista do herói, pode ser a anima que desafia o homem a encontrar o seu valor. A olhar para dentro de si e não apenas para fora.

Mas Jafar descobre a verdadeira identidade do príncipe e o joga no mar. No entanto, o gênio o salva. Temendo que Jasmine descubra sua identidade e a presença do gênio, ele se recusa a libertá-lo, sucumbindo á sua sombra, que é o poder.

Além disso, o sultão, pai de Jasmine, está velho e cansado e sucumbe ao poder de seu aspecto sombrio, simbolizado por Jafar.

O reino também não possui uma rainha, ou seja, o aspecto feminino não está presente na consciência coletiva. Quando esse aspecto está reprimido há um endurecimento dos sentimentos e uma instalação de seu oposto, o poder!

As leis são embrutecidas e não há lugar para o lado humano. Vemos isso em uma cena que Jasmine permite que uma criança roube uma maçã e sendo então condenada a perder a mão.

Lei é lei apenas, não se faz nada pelo simples fato de amar alguém. E é esse o grande ensinamento de Jasmine. Ela simplesmente ama Aladim, e está disposta a quebrar as regras por amor.

“Você confia em mim?”
Fonte: encurtador.com.br/uyBF5

A princesa também tem de lutar com o preconceito contra seu gênero. Ela luta para que seus subordinados aceitem as ordens dela, pois quem dita as ordens é Jafar, o tirano ambicioso colocado pelo próprio rei como comandante. Além disso, ela só terá o poder de “se livrar” de Jafar quando for rainha, o que só acontece com o casamento. Isso mostra que até certo momento, em nossa sociedade, a mulher só tem valor com o casamento. De forma velada, isso perdura até hoje.

Outro aspecto do filme que é muito interessante, é a relação de Aladim com o gênio. Ao logo do filme, o gênio deixa de ser apenas aquele que satisfaz os pedidos do herói para se tornar um protetor e guia. Aladim passa a ouvi-lo e ao final o liberta da prisão.

Libertar o gênio significa libertar o divino para que possa ocupar o mundo. Enquanto está na lâmpada ele se mantém preso à ganância do ego.

Ao libertar o gênio, Aladim percebe que o Self e o sagrado não mais estão à disposição do ego, mas está disponível para o coletivo, para algo maior que se expande para o mundo.

Quando temos um dom, esse dom não é apenas para a nossa satisfação momentânea e do ego, mas para que possamos servir a humanidade através dele, uma vez que o dom veio pelo divino, pelo inconsciente.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

 

Aladdin

Diretor: Guy Ritchie
Elenco:Will Smith, Mena Massoud, Naomi Scott
Gênero: Aventura, Fantasia
País: EUA
Ano: 2019

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“Altered Carbon” e um sombrio futuro próximo

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Uma elite de abastados têm agora a eternidade para perpetuarem a fortuna e o poder, se afastando da realidade mundana através de “capas” cada vez mais aprimoradas, morando em palácios acima das nuvens, no topo de arranha-céus.

O sonho tecnognóstico por séculos, desde a Teurgia e Alquimia, foi transcender a matéria – abandonar os nossos corpos como condição para a verdadeira evolução espiritual. Mas como Santo Irineu de Lyon alertou no século II, “O que não é assumido não pode ser redimido”. E o sonho milenar pode se transformar em pesadelo com uma tecnologia que promete a imortalidade: a consciência digitalizada em “pilhas cervicais” que podem, a qualquer momento, serem transferidas para qualquer corpo (ou “capa”). Mas isso acabou provocando uma sociedade tremendamente desigual e violenta. Essa é a série Netflix “Altered Carbon” (2018-), um cyberpunk-noir que suscita profundas reflexões teológicas: se pudermos ser ressuscitados após a morte em uma nova “capa”, a alma persistirá entre os códigos que transcreveram nossa consciência e memórias? Ou nos transformaremos em “capas” ocas manipuladas por uma elite amoral? Uma elite que alcançou a verdadeira imortalidade – fazer backups da própria consciência via satélite.

No clássico Blade Runner (1982) de Ridley Scott, a grande questão que se colocava ao final para os espectadores era: o policial Deckard (Harrison Ford), especialista em eliminar androides fugitivos, era sem saber também um replicante? Como distinguir um replicante de um ser humano nas gerações cada vez mais avançadas de androides? Estava colocado o sonho tecnognóstico cujas origens milenares estão na Teurgia, Alquimia e Cabala: imitar Deus criando Vida. Tentar retornar a Deus imitando o próprio ato da Criação.

Mas na série Netflix Altered Carbon (2018 -) descobrimos como o milenar sonho tecnognóstico pode se transformar em pesadelo: aproximamo-nos de Deus quando descobrimos o segredo da imortalidade – nossas consciências podem ser digitalizadas e “baixadas” em “pilhas cervicais” ou simplesmente “cartuchos” armazenados nas vértebras das pessoas. Há qualquer momento, com a eventual morte do corpo, o cartucho pode ser transferido para uma nova “capa” ou corpo, para viver uma nova “encarnação”.

O cartucho mantém memórias das muito frequentes múltiplas vidas anteriores em diferentes “re-capamentos”. Porém, outra incerteza, ainda mais sinistra, surge: os cartuchos digitalizaram memória e consciência. Mas será que a alma persiste entre os bytes desses discos rígidos? Todos os personagens de Altered Carbon ainda permanecem “humanos”, com uma alma e consciência? Ou se tornaram invólucros animados unicamente por sombras do passado, memórias transcritas digitalmente? Zumbis bio-químico-digitais?

Essa é a dúvida que perpassa toda a primeira temporada de Altered Carbon: a realização tecnognóstica da alma finalmente transcender a matéria poderia ter resultado numa bizarra paródia – tudo o que conseguimos foi a imortalidade dos códigos que transcrevem nossas consciências em um disco rígido. E não mais a alma.

Uma elite brutal

Nesse cenário em que qualquer um pode se tornar imortal (a não ser que seja destruído o próprio cartucho invólucro da consciência), conhecemos através da série uma sociedade futura brutalmente desigual que se alastra em megacidades de luz néon, carros voadores, arranha-céus que alcançam as nuvens, sob uma constante chuva ácida que cai sobre becos e ruas estreitas. Relembrando o cenário distópico de Blade Runner.

Uma elite de abastados têm agora a eternidade para perpetuarem a fortuna e o poder, se afastando da realidade mundana através de “capas” cada vez mais aprimoradas, morando em palácios acima das nuvens, no topo de arranha-céus. Viveram centenas de anos, tempo suficiente para acumularem riqueza, conhecimento e sensação de estar sempre acima da Lei.

Por milênios o Gnosticismo aspirou a transcendência sobre o corpo, dentro da dualidade radical espírito/matéria: o corpo nada mais era do que uma prisão para a evolução espiritual, em um mundo cuja Criação resultou numa forma de prisão cósmica para a humanidade. Teurgia, Alquimia, Cabala e demais conhecimentos herméticos foram as tecnologias iniciáticas de cada época mobilizadas para a libertação espiritual.

A revolução tecnognóstica figurada em Altered Carbon é a realização dos sonhos alquímicos e cabalísticos – e os simbolismo do ouroboros (a serpente que morde a própria cauda) e Caduceus (a serpente subindo o corpo de uma mulher como a descrição esotérica da evolução espiritual) estão presentes desde a abertura dos créditos dos episódios para representar isso.

Porém, de uma forma pervertida, como estratégia de perpetuação de uma elite que detém o poder e dinheiro para dominar a tecnologia. A questão é que o tecnognosticismo esqueceu a afirmação de Santo Irineu de Lyon (séc. II) segundo a qual “aquilo que não foi assumido, não foi redimido”. O corpo perdeu a totalidade do seu valor sagrado (foi reduzido a “capa”) enquanto os demiurgos mantêm a ordem material que, em última instância, permanece sendo a prisão espiritual.

A Série

Com o cancelamento da série Sense 8 das irmãs Wachowski, do fracasso de bilheteria de Blade Runner 2049 e o resultado nada entusiasmante de Mudo do diretor Duncan Jones, a Netflix fez uma aposta arriscada em insistir mais uma vez com o universo cyberpunk-noir de Altered Carbon.

Como a maioria das séries atuais, a narrativa já começa em plena ação deixando o espectador sem saber as motivações dos personagens. O que nos obriga a buscar aqui e ali, em cada flash back ou flashs de memórias do protagonista, pistas para reconstruir os eventos anteriores ao enredo atual.

A estória acompanha Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman), um ex-membro de uma facção de elite de rebeldes (os “emissários”) que foi morto em um confronto contra soldados do “Protetorado” (governo totalitário comandado pela elite imortal). Seu cartucho foi extraído da cervical e mantido “no gelo” (como denominam o estado de prisão sem corpo) por 250 anos até ser dado a ele um novo corpo para ser “re-encapado”.

Takeshi descobre que sua nova “capa” foi uma liberdade condicional concedida pelo oligarca imortal Laurens Bancroft – James Purefoy. Ele foi recentemente assassinado antes de o backup feito a cada 10 minutos (sua consciência e memórias são transmitidos por satélite para bancos de dados para garantir a imortalidade, mesmo com a destruição da sua pilha cervical) ser feito. O que o impossibilitou de gravar em sua memória quem cometeu o atentado com a reinicialização subsequente em um novo corpo.

Sem a memória da própria morte, Bancroft acredita que as habilidades lendárias de um antigo rebelde “emissário” ajudará a descobrir quem foi o assassino. Aqui temos o início de todos os elementos dos clássicos filmes noir de investigação policial: um investigador estoico, uma detetive policial que nutre uma relação de suspeita com o investigador (Kristin Ortega – Martha Higareda), mulher fatal (esposa de Bancroft, Miriam – Kristin Leheman) e inúmeros vilões que aparecerão para tentar tirá-lo do caminho. Na medida em que a narrativa se expande, passamos a conhecer as regras e uma série de peculiaridades do universo de Altered Carbon.

Desprezo ao corpo

Em um mundo definido pela “imortalidade da alma” (e nisso que acreditam) o corpo foi rebaixado de identidade central a mera ferramenta. Pelo fato de os corpos poderem ser facilmente substituídos, prostituição, violência e agressões (principalmente contra as mulheres) se torna uma normativa. Enquanto consciências podem ser torturadas por dias e até anos em simulações de realidade virtual – o grande problema para alguém é despertar dentro do seu limbo sem corpo, no interior de um dos “cartuchos”. Mas essa imortalidade só é mesmo garantida para a elite de poderosos como Bancroft.

Os pobres podem geralmente trabalhar recebendo como cheque de pagamento um novo corpo (ou “capa”). Porém, esses novos invólucros são de baixa qualidade, provenientes de mercados negros. Mas apenas a oligarquia tem o privilégio dos backups via satélite que garantem a imortalidade sem o risco da perda da pilha cervical.

Mas há grupos de oposição como os chamados “Neo-cristãos” que se recusam a receber novas “capas”: acreditam que após a morte a alma abandonou o corpo e que os novos re-capamentos são sacrilégios aos olhos de Deus.

Os perigos do tecnognosticismo

O que não é assumido, não pode ser redimido”, com isso Santo Irineu quis dizer que Jesus não veio para esse mundo com uma pilha cervical, foi crucificado e o conteúdo do “cartucho” retornou ao seu Pai. Ele levou também as cicatrizes do sofrimento corporal.

As consequências do fato do tecnognosticismo não considerar a advertência de Santo Irineu estão representados em toda a primeira temporada de Altered Carbon. A finitude, temporalidade e senso de fragilidade não são meros limitadores da evolução espiritual.

Como observa Michael Heim, sem essas espécies de âncoras corporais para o Eu temos o crescimento da amoralidade a partir do momento que os limites físicos com o Outro desaparecem. O corpo é a base cinestésica de toda ética e moralidade – leia HEIM, Michael. The Metaphysics of Virtual Reality.

O resultado é o mundo de abusos, violência e desigualdade sem limites. O tecnognosticismo, a gnose sem ascese como uma espécie de atalho para o Satori. Em um mundo que não foi redimido, de nada adianta a evolução espiritual. Principalmente quando ela é pensada como simples negação da matéria.

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Para me encher de mim

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Eu tô precisando arrotar as palavras para calar dentro de mim.
Calar a voz que me soa ofegante nesse desespero de resolver a vida.
Calar pela espontaneidade e fazer as pazes com os sentimentos.
E saber que não vale tanto esse desgaste de explicar o que é melhor para mim.
É para mim e só para mim o meu bem maior.
É amar o meu sorriso e admirar os meus talentos.
É aprender com os meus desatinos.
É cuidar da minha dor e serenizar o meu coração.
É esvaziar de mim o que não mais me cabe.
Pra eu voltar a caber em mim.
Eu preciso esvaziar essa vontade de dizer “chega eu não aguento mais”.
Não posso absorver as bagagens que não são minhas.
E parar de pedir tanto para que não faz questão de entender a minha dor.
E aprender a me dar e me receber.
E lavar a minha alma de tudo o que me suja.
Eu preciso me desinfetar.
Eu preciso me desenhar, me reinventar.
Eu preciso esvaziar as desculpas descabidas. As palavras mal ouvidas.
Preciso esvaziar essa agressão de mim.
Isso é cuidar de mim.
Eu me esvazio de você!
Para me encher de mim.

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Seja apenas outra alma humana: (re)construção com um grupo de adolescentes

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Participar desta intervenção mudou completamente minha concepção de grupo, de adolescência, de família, de escola, mas principalmente do significado da palavra amizade e afeto.

Coordenar um grupo não é uma tarefa fácil. De adolescentes então? Será um dos meus maiores desafios! Foram exatamente esses os meus pensamentos quando soube qual seria o público ao desta intervenção. E realmente, não foi uma tarefa fácil, isso porque me deparei com 19 adolescentes, totalmente diferentes, mas com angústias praticamente iguais.

Fonte: https://bit.ly/2IEcGak

Vi a dor, o medo, a solidão, o desespero, desamparo, o ódio, a raiva, e tantos outros sentimentos que a maioria daqueles adolescentes compartilhavam. Mas também vi a vontade de viver, ser feliz, de amar, sonhar e o cuidado em cada um deles. E como me sinto grata por isso. Como me sinto realizada em saber que pessoas tão novas, mas que viveram tantos momentos de dor, se sentiram à vontade para compartilhar comigo momentos significativos de sua vida.

A cada encontro, a cada história, a cada lágrima e a cada abraço, eu via a certeza de que ações como essa podem mudar vidas, que o fazer a psicologia é muito gratificante, é construir novas possibilidades e isso, para mim, (re)constrói um novo significado do ser psicólogo, do ser gente.

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana. ”

(Carl Jung)

Fonte: https://bit.ly/2tJlFS0

Destaco também a importância do aprendizado em grupo, assim como as supervisões, discussões e escutas compartilhadas das experiências, em cada um dos grupos, pois foram muito enriquecedores, não somente pela troca de conhecimento, mas pela harmonia e afetos presentes nos encontros.

Concluo este semestre com o sentimento de realização e crescimento profissional e humano, confirmando minhas expectativas ao escolher esse campo e sabendo que as experiências vivenciadas nos últimos meses levarei para a minha vida e prática como futura psicóloga.

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