Além do Ocidente: práticas do Bem Viver nos estudos decoloniais

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O conceito de “Bem Viver” em que iremos discutir neste texto é arraigado por uma perspectiva que proporciona a chance de edificar uma sociedade diferente, fundamentada na convivência cidadã marcada pela diversidade e harmonia com a natureza, por meio do entendimento dos variados povos presentes no território e globalmente e tem se demonstrado como uma relevante vertente, de origem latino-americana, que se contrapõe às filosofias hegemônicas que dominam a racionalidade ocidental contemporânea (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

Citado por Bontempi, Camargo Neto & Alvarado (2022), Acosta (2016, p.69) evidencia que, “O Bem Viver” apresenta-se como uma oportunidade para construir coletivamente novas formas de vida, “é, por um lado, um caminho que deve ser imaginado para ser construído, mas que, por outro, já é uma realidade”. De tal modo o “Bem Viver se denota um pilar fundamental para novas perspectivas acerca de novas práticas decoloniais nos territórios da América Latina”. Tendo em vista que urge necessidades quanto às questões ambientais e as suas práticas danosas ao bem estar da sociedade, a decolonialidade é um pilar fundamental para a sobrevivência da humanidade e da natureza.

No que com Escobar (2018), nos apresenta é evidente que hoje enfrentamos um mundo sendo transformado por mudanças climáticas antropicamente aceleradas, evidenciado pelas duas últimas partes publicadas do sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2021; 2022). Nessa tese, os seres humanos estão diante da imperativa necessidade de questionar o prejudicial modelo de desenvolvimento que atualmente guia a política econômica dos Estados capitalistas. Torna-se crucial envolver-se com alternativas que não incentivem a devastação ambiental. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

                                                                             Fonte: https://www.greenpeace.org/brasil

Em sua perspectiva, Gudynas (2014) o Bem Viver tem uma função de servir como alicerce para posturas críticas e alternativas em relação aos avanços modernos. Logo mais, Acosta (2016, p. 76) destaca que, na visão de José María Tortosa “o Bem Viver é uma oportunidade para construir outra sociedade, sustentada em uma convivência cidadã em diversidade e harmonia com a Natureza, a partir do conhecimento dos diversos povos culturais existentes no país e no mundo”. Nesse caso, ao atribuir valor ao conhecimento desses povos, não se trata de uma proposta de “retorno à idade da pedra” ou a uma época primitiva, tampouco de negar a tecnologia – interpretação equivocada que alguns críticos podem fazer. Pelo contrário, a ideia é incorporar valores e estruturas sociais significativas que destacam a interconexão entre a sociedade humana e a natureza. Isso visa assegurar que a relação entre ambos permaneça equilibrada, possibilitando, assim, a prosperidade da humanidade. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

O Bem Viver, portanto, é uma “alternativa ao desenvolvimento, é uma proposta civilizatória que reconfigura um horizonte de superação do capitalismo” (Acosta, 2016, p. 76). É crucial ressaltar que o conceito de “Bem Viver” emerge como parte de um processo que impulsionou e fortaleceu a luta pela reivindicação dos povos e nações, alinhado com iniciativas de resistência e construção por parte de diversos segmentos de populações marginalizadas e periféricas. (Acosta, 2013). O conceito de “Bem Viver” é intrinsecamente subversivo, sugerindo abordagens decolonizadoras em todas as esferas da existência humana. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

Sendo assim, o “Bem Viver” se apresenta como um alicerce essencial na edificação de práticas decoloniais para a América Latina, conforme discutido anteriormente. Em síntese, esse movimento visa introduzir perspectivas diversas que desafiam a lógica de desenvolvimento linear global imposta pelas potências dominantes e colonizadoras. Ao adotarmos e aplicarmos a cosmovisão do “Bem Viver”, nos engajamos nos diálogos decoloniais e buscamos coletivamente alternativas socioambientais de experiências contra-hegemônicas. Isso amplia as possibilidades de sobrevivência diante de desafios como as mudanças climáticas.(Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

As iniciativas do “Bem-Viver” não devem ser limitadas apenas a ações voltadas para o campo ou áreas menos urbanizadas, uma vez que a cidade também requer atenção e uma reformulação de seu funcionamento sob os mesmos princípios. Finalmente, ainda enfrentamos muitos desafios. Conforme destacado por Acosta (2016), não existe uma única visão do Bem Viver. Este conceito não representa uma proposta monocultural; é, na verdade, plural – uma expressão de “bons conviveres”. Originário das comunidades indígenas, o Bem Viver não nega as vantagens tecnológicas do mundo moderno nem as contribuições de outras culturas e saberes que questionam diferentes pressupostos da Modernidade. Contudo, apesar dessa diversidade, o Bem Viver implica em profundas rupturas culturais, sua formulação é sempre provisória, sujeita a diversas provações e explorações, repleta de erros e acertos. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

REFERÊNCIAS

ACOSTA, Alberto. El Buen Vivir, Más Allá Del Desarrollo. In: RAMOS, Gian Carlo Delgado (Organizador). Buena Vida, Buen Vivir: imaginarios alternativos para el bien común de la humanidad. México, 2014. 447 p.

ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução de Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária, Elefante, 2016. 264p.

Bontempi, R. M., Camargo Neto, L. de, & Alvarado, H. É. dos R. (2022). Bem Viver: Movimento estrutural para o estudo decolonial na América Latina. [Conferência]. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no Mundo Pandêmico.

ESCOBAR, Arturo. Designs for the Pluriverse: radical interdependence, autonomy, and the making of worlds. Durham: Duke University Press, 2018. 158 p.

GUDYNAS, Eduardo. El postdesarrollo como crítica y el Buen Vivir como alternativa. In: RAMOS, Gian Carlo Delgado (Organizador). Buena Vida, Buen Vivir: imaginarios alternativos para el bien común de la humanidad. México, 2014. 447 p.

IPCC. AR6 Synthesis Report: Climate Change 2022. [S.l.]: https://www.ipcc.ch/report/sixth- assessment-report-cycle/, 2022.

IPCC. Climate Change 2021: The Physical Science Basis. [S.l.]: https://www.ipcc.ch/report/sixth- assessment-report-working-group-i/, 2021.

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As narrativas fotográficas de Pedro Martinelli

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   “A fotografia é uma bela ferramenta para contar histórias”
Pedro Martinelli

O testemunho visual do fotógrafo Pedro Martinelli confirma a sua própria fé, paciência, persistência em realizar através da fotografia, suas grandes realizações. Martinelli ao se tratar de fotografia, sempre buscava superar seus limites. Pois, experiência já havia de sobra. Então com calma, paciência e sem pressa caminhava em busca de seus objetivos. Assim, ele utilizava sua câmera mecânica, ou seja, artesanal, para realização do seu trabalho, tentando capturar fatos, na qual a maioria dos indivíduos muitas vezes não conseguiria enxergar. Dado que, essas câmeras são leves, discretas para não parecer que seja um fotógrafo, porque ele detesta.

Pedro Martinelli, 1986 – Fonte: https://goo.gl/3beoCG

Dessa forma, essa decisão de fotografar artesanalmente, veio após um balanço de sua carreira: cobriu guerras, cinco Copas do Mundo, duas Olimpíadas, morte de Papas e muitos outros eventos internacionais.

Deste modo, no ano de 1970 que teve início a construção das rodovias que cortariam a floresta Amazônia. Martinelli foi convidado pela Globo, onde ele trabalhava, para fotografar esse atentado. Assim, cobrir a célebre expedição de contato com os chamados “índios gigantes”. E ao ver que a mídia não fotografava a verdadeira história do povo da Amazônia decidiu por ele mesmo, se encarregar desse trabalho. Uma vez que, a essa altura já havia deixado o emprego fixo e estava andando por sua própria conta.

Primeiro contato Kranhacãrore, Panara Sokriti,1973 – Fpnte: https://goo.gl/GmSWaC

Assim, os movimentos das fotografias de Martinelli eram devagar e discretos, fazendo com que focalizasse dia-a-dia, gestos e a essência dos fatos, permitindo assim, uma noção de envolvimento, como se estivéssemos participando juntamente com ele desses momentos cruciais. Sempre resgatando as coisas boas e sensibilidade pura. Uma das fotografias que Martinelli fotografou, foi piabeiros de Barcelos e pau-rosistas do Nhamundá.

Piabeiros de Barcelos e pau-rosistas do Nhamundá – Fonte: https://goo.gl/T1V2k7

Em vista disso, Martinelli gostou da cultura e como o povo da Amazônia vivia, sendo assim, não gostava de esconder a verdadeira vida, dia-a-dia e essência desse povo. Como a mídia sempre queria esconder, apenas mostrando os índios, fauna e flora. Sem mostrar de como eles são trabalhadores e lutam pelo que querem, como o pessoal do norte, nordeste e etc. Martinelli acreditava que isso deveria ser retratado mundialmente. Não podia ser calado. Portanto, ficou morando na Amazônia por um bom tempo, realizando esse trabalho, que para ele é gratificante.

Mulher da Amazônia realizando seu trabalho – Fonto: https://goo.gl/5Hiktp

Deste jeito, Martinelli prefere suas fotografias no preto e branco, pois transmite sua alma e pode detectá-la da forma como ele quiser, pode expor mais ou menos, como: glamoroso, sofisticado, contundente. Se errar a luz, vai ter uma péssima imagem, será questionado. Quer mostrar aquilo que ninguém tem capacidade de enxergar, entender nos meios-tons. Pois segundo Martinelli, o leitor não aguenta mais o óbvio. Assim, passando a informação sem ser explícito.

Mulheres da Amazônia andando de barco – Fonte: https://goo.gl/6rDNJc

Em vista disso, Martinelli para realizar esse belíssimo trabalho, morou na Amazônia por 2 anos e depois decidiu morar mais 5 anos para confeccionar todo o trabalho, que estava realizando. Passou fome, frio, sede e ficou doente. Recebeu patrocínio de laboratório Imágicas e de Kodak.  Vale ressaltar que, Martinelli antes de realizar esse trabalho, leu vários livros sobre o assunto.

Pedro Martinelli – Fonte https://goo.gl/V2X9dK

Curiosidades:

  • Seu nome completo é Pedro José Martinelli, nasceu na cidade de Santo André- São Paulo, no ano de 1950. Aprendeu a pescar, cozinhar e andar no mato. Desde a infância esteve disposto a encarar pautas difíceis, gol e mato. Fez buraco na rua e treino do Madureira, antes de chegar no FLA, FLUS, copas do mundo, olimpíadas dentre outros.
  • Pedro começou sua carreira no final dos anos 1960, em São Paulo, como repórter fotográfico na Gazeta Esportiva e no Diário do Grande ABC.
  • Em 1970, foi morar no Rio de Janeiro, onde trabalhou nos jornais O Globo e Última Hora.
  • No ano seguinte foi enviado peloO Globo à região do rio Peixoto de Azevedo, na fronteira do Mato Grosso com o Pará, para acompanhar a expedição chefiada pelos irmãos Cláudio e Orlando Villas Bôas em busca dos chamados “índios gigantes”, que só foram contatados quase três anos depois. Na mesma expedição se encontrava o fotógrafo italiano Luigi Mamprin, que trabalhava para a revista Realidade.
  • Em 1975, tornou-se fotógrafo do Palácio do Governo de São Paulo. Dois anos depois, começou a trabalhar na revistaVeja, onde foi fotógrafo e editor. No período de 1983 a 1994, tornou-se diretor do Serviços Fotográficos do Estúdio Abril.
  • Nesse período, faz trabalhos avulsos para revistas de moda e de turismo. A partir de 1994, trabalha como fotógrafo independente, dedicando-se à sérieO Homem na Amazônia, publicada pela Folha de S. Paulo no ano seguinte.
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O balão de Maria: um conto da Amazônia

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Nunca entendi direito porque Papai Noel passava sempre na casa dos vizinhos e nunca, na nossa. Minha mãe também não sabia nos explicar. Por isso, eu e minha irmã, na pureza de nossas inocências da infância, acreditávamos que o “Bom Velhinho” não nos visitava porque fazíamos estrepolias que eram merecedoras daquele castigo do esquecimento na Noite de Natal. Isso, para nós, justificava o fato de nunca havermos ganhado nenhum presente naquela noite tão mágica.

Então, resolvemos brincar do que eu denomino hoje de “jogo do merecimento”. Esforçamo-nos para sermos as crianças mais obedientes do mundo, naquele ano. Eu pescava com meu pai, carregava água, molhava o jirau de verduras, colhia a mandioca, ajudava a fazer a farinha e não desrespeitava ninguém. Maria, minha irmãzinha, ajudava a mamãe nas “lidas do dia-a-dia”. Varria a casa de chão batido, dava comida para as galinhas no quintal, fazia roupas para todas as suas bonecas de palha de milho e, ainda, estava aprendendo a cozinhar no fogão de barro.

Não era possível que tanto esforço e dedicação não fossem recompensados com a visita do Bom Velhinho. Dessa forma, quando chegou a Noite Natalina em Brasília Legal, cidadezinha ribeirinha do Pará, nossos coraçõezinhos se iluminaram de esperanças, assim como se acenderam os lampiões e lamparinas nas casinhas de nossa pequenina cidade, às margens do Rio Tapajós.

Recordo-me que fomos dormir mais cedo, cada qual na sua rede que, naquela noite, foram embaladas pelo sonho de que ganharíamos nosso primeiro presente do Papai Noel. Acho que acordamos juntos, pela manhã, e, imediatamente, olhamos para debaixo de nossas redes, ansiosos pela surpresa. Mas não havia nada lá. Pulamos para o chão e a esperança ainda nos fez vasculhar os dois cômodos da casa. Talvez Papai Noel tivesse deixado o presente em outro lugar.

Ainda sinto uma ponta de tristeza quando recordo que não havia presentes em lugar algum da casa, nem no quintal, nem no galinheiro, nem no jirau, nem no roçado, nem dentro da canoa, o último lugar onde procuramos. Quando voltávamos, da beira do rio para casa, tão quietos como as aves que emudecem com a calada da noite, encontramos com o Seu Zé Bechara, o dono do único comércio da cidade. E, surpreendentemente, ele nos entregou dois balões, um verde-mata e outro azul-celeste, dizendo-nos que era nosso presente de natal.

Então Papai Noel não nos esquecera. Acho que, na noite anterior, ele encontrara a porta de japá da nossa casa fechada. Como ficara impedido de entrar e deixar o presente  debaixo de nossas redes, pedira ao Seu Bechara para nos entregar Como estávamos felizes com essa constatação. Maria dançava em pequenos saltos na minha frente, feito tucumã quando cai da árvore, brincando com seu balão azul-celeste. Estava tão contente correndo, saltando e dançando que, sem querer, soltou a linha e o balão subiu para o céu. Ainda corri para tentar pegá-lo, mas ele voou como se tivesse asas de gavião.

Ficamos parados observando-o voar para as nuvens até se confundir com o azul do céu. Maria chorou e suas lágrimas fizeram com que meu coração ficasse igual ninho de passarinho, todo emaranhado, mas querendo proteger minha irmã daquela tristeza, Decidi dar meu balão verde de presente a ela. Os dois brincaram até o balão ir murchando e morrer espetado por um espinho da laranjeira do quintal.

Depois dessa história, nas nossas conversas, antes de dormir, para espantar o medo da Matinta-Pereira, sempre nos perguntávamos para onde teria voado o balão azul-celeste. Minha irmã sempre dizia que um dia iria reencontrá-lo, mas, dessa vez, seguraria firme na linha para que nunca mais se separassem. Algum tempo depois, minha irmã faleceu. Nunca esqueci Maria nem do seu sonho de reencontrar seu balão cor do céu.

Outro dia, vendo uma foto, surpreendentemente, tantos anos depois, reencontrei o balão de Maria. Ele cresceu e vive na Capadócia transportando pessoas e realizando sonhos, assim como fez naquele longínquo e inesquecível natal de nossas infâncias. Meu coração está calmo como os igapós da Amazônia em noite lua cheia. Afinal, tudo está esclarecido agora. O balão azul-celeste voou primeiro para o céu para esperar por Maria. E minha irmãzinha está, finalmente, brincando com ele. Só que dessa vez, Maria segura bem firme na linha, para que o balão azul-celeste nunca mais voe sozinho.

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Congresso de Saúde Mental: políticas, formação e atenção a saúde mental em diversos eixos temáticos

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Formação e a Produção do Conhecimento em Saúde Mental é um dos eixos do Congresso


O 4º Congresso de Saúde Mental que ocorrerá em Manaus(AM), de 4 a 7 de Setembro traz o tema: “Navegando pelos rios da Saúde Mental na Amazônia: Diversidades culturais, saberes e fazeres do Brasil”. Serão trabalhados durante o congresso 16 eixos temáticos que envolvem saúde, políticas publicas, arte, cultura e economia no âmbito da saúde mental.

Veja alguns dos eixos: Formação e a Produção do Conhecimento em Saúde Mental, Políticas em Saúde Mental: Primazia do Público Sob (re) o Privado, Atenção Psicossocial e novas formas de cuidado no contexto da Saúde Mental, Práticas Cidadãs: Participação Social (des)construção dos Sujeitos e Processo de Trabalho no cotidiano dos serviços: experiências em Saúde Mental.

Para participar das discussões os interessados deverão se inscrever pelo site do Congresso (http://www.congresso2014.abrasme.org.br/inscricoes/capa) e garantir sua vaga e ver mais sobre a programação.

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IV Congresso Brasileiro de Saúde Mental pretende a integralização das diversidades culturais

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O evento discutirá vivências culturais e histórias de iniciativas e produções para o fomento e a integralização do campo da Saúde Mental


Nos dias 4 a 7 de setembro de 2014, a sociedade através de seus pesquisadores, estudantes e profissionais das áreas da saúde, poderão participar do 4º Congresso Brasileiro de Saúde Mental: Navegando pelos rios da Saúde Mental na Amazônia: Diversidades culturais, saberes e fazeres do Brasil. O Evento é organizado pela Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME) e será sediado na cidade de Manaus-AM.

De acordo com ABRASME, a realização do Congresso de Saúde Mental é uma iniciativa dos profissionais de saúde mental do Amazonas, que assumiram o desafio de realizá-lo na região norte do Brasil com a participação de atores da saúde mental tais como comunidade científica, trabalhadores, usuários, gestores, e movimentos sociais. O Congresso pretende agregar e contar histórias de iniciativas e produções para o fomento e a integralização do campo da Saúde Mental.

A programação, contará também com palestrantes de níveis internacionais, que colocarão em pauta assuntos de vivências interculturais, promovendo debates, para futuras ações concretas, com a intenção de potencializar os estudos e estratégias em saúde mental e a valorização das formas tradicionais de atenção à saúde presentes na diversidade cultural

O (En)Cena, antecipando os debates do congresso, entrevistou ainda no primeiro semestre de 2014, o psicólogo, Marcelo Pimentel Abdala Costa, 37, que trabalha com o Programa de Atenção em Saúde Mental no Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro (AM). Na ocasião, o psicólogo destacou a oportunidade de participar da organização e comissão do congresso e enfatizou a problemática da Saúde Mental em Contexto Indígena. “Como profissional do campo da saúde mental e da saúde indígena, espero que este Congresso possa oferecer amplo debate sobre temas como atenção à pessoa indígena e, sobretudo, problematizar categorias médico psiquiátricas, considerando os modelos de origem da humanidade, visão de mundo, processo saúde/doença e formas tradicionais de atenção à saúde presentes em diferentes culturas”, diz.

A Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), tem por finalidades atuar como mecanismo de apoio ao trabalho e aos profissionais da área de saúde mental e no desenvolvimento da formação, do ensino e da pesquisa em saúde mental, bem como à articulação entre os centros de treinamento, ensino e pesquisa e os serviços de saúde mental, para o fortalecimento das entidades e membros, e intensificando a ampliação do diálogo com as comunidades técnica e científicas e a partir destas, com os serviços de saúde, organizações governamentais e não governamentais e com a sociedade civil.

Histórico

O Congresso Brasileiro de Saúde Mental aconteceu nos anos de 2008 em Florianópolis-SC, 2010 no Rio de Janeiro-RJ e 2012 em Fortaleza-CE

Serviço

Inscrições

Através do portal: http://www.congresso2014.abrasme.org.br

Sócios da Abrasme   R$ 200,00

Estudantes Sócios da Abrasme R$ 100,00

Não-Sócios R$ 250,00

Estudantes Não-Sócios R$ 125,00

Leia a entrevista com o psicólogo Marcelo Abdala: http://ulbra-to.br/encena/2014/04/02/Saude-Mental-em-contexto-indigena-Convivendo-com-as-diferencas-culturais

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Saúde Mental em contexto indígena – Convivendo com as diferenças culturais

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A população indígena no Brasil sempre lutou para preservar cultura, crenças e valores. O uso de plantas das florestas e até mesmo “benzimentos” são conhecimentos ancestrais, que os povos indígenas adotaram para curar doenças e são curiosidades até mesmo para a ciência secular.

A saúde mental em contexto indígena é um desafio para o Sistema de Saúde Pública no Brasil (SUS). Mesmo com uma forte influência espiritual, os povos indígenas apresentam carências de atendimento preventivo e humanizado no tratamento de casos de uso e abuso de substâncias e até mesmo suicídios.

Nos dias 4 a 7 de setembro de 2014, na cidade de Manaus(AM), o IV Congresso Brasileiro de Saúde Mental (ABRASME) – Navegando pelos rios da Saúde Mental da Amazônia: Diversidades culturais, saberes e fazeres do Brasil” – promoverá debates, para futuras ações concretas, com a intenção de potencializar os estudos e estratégias em saúde mental e a valorização das formas tradicionais de atenção à saúde presentes na diversidade cultural.

Para entender um pouco mais a problemática que vem afetando na saúde em contexto indígena, o (En)Cena, entrevistou o psicólogo, Marcelo Pimentel Abdala Costa, 37, que trabalha com o Programa de Atenção em Saúde Mental no Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro(AM).

Marcelo Abdala e Cacique Raoni, durante a V Conferência Nacional Saúde indígena em Brasília/DF – dezembro 2013 – Foto: Acervo Pessoal

Psicólogo, poeta e autor de produções científicas – destaque para o capítulo de um livro no âmbito da Terapia Comunitária Integrativa – Marcelo Abdala, acumula conhecimento e vivências nas culturas indígenas. O psicólogo lamenta a falta de conhecimento por parte da sociedade sobre as formas de viver indígenas, relata casos de cura por plantas medicinais, ainda, conta detalhes de crenças espirituais e comenta sobre os recentes casos de suicídio em aldeias na Ilha do Bananal (TO).

(En)Cena – O IV Congresso Brasileiro de Saúde Mental (ABRASME) tem como  tema “Navegando pelos rios da Saúde Mental da Amazônia: Diversidades culturais, saberes e fazeres do Brasil”. O que o senhor espera de conquistas pelo evento?

Marcelo Abdala – Fico feliz de estar participando mais uma vez da Comissão de Organização do Congresso e, sobretudo, de ser responsável pela discussão indígena.

Um dos eixos temáticos, que tive a oportunidade de escrever, problematiza ‘Saúde Mental no Contexto Indígena’ e, tem como proposta promover um diálogo entre a saúde mental e a saúde indígena, abordando questões conceituais como a utilização do termo ‘saúde mental indígena’ e a reflexão sobre sofrimento psíquico e a Atenção Psicossocial neste contexto. Desejamos refletir, ainda, sobre a atuação da psicologia no contexto indígena, uso de medicamentos psicotrópicos, possibilidade de atender a alteridade indígena nos serviços de referência  – CAPS,  Pontos de Atenção, Hospitais e Hospitais Psiquiátricos – e problematizar categorias médico-psiquiátricas, tidas como universais, como relativas e culturais. Destaca-se a relação do processo saúde/doença propondo diálogo entre formas diferentes de atenção à saúde (tradicional x científica) e o trabalho dos profissionais de Saúde Indígena a partir do Programa de Atenção à Saúde Mental em diferentes Distritos Sanitários (DSEI´s), do país, instituídos pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASISUS).

(En)Cena  – Quando e o que motivou o senhor a trabalhar saúde mental com indígenas?

Marcelo Abdala – O contato que tive com os povos indígenas teve início no Estado do Ceará, a partir de 2009, quando tive a oportunidade de trabalhar no Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária (Projeto 4 Varas) e em Movimento de Saúde Mental Comunitária. Considerando a minha história de vida, a partir do trabalho voluntário em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), em diferentes Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) até em um Projeto de Formação de Lideranças Indígenas… O que me motivou a trabalhar com o tema da saúde mental em contexto indígena, foram os olhares diferentes sobre o mundo e formas tradicionais de cuidado que não as que estamos acostumados. Para mim, benzimento, ‘pajelança’, uso de plantas, ervas e raízes e todo um conjunto de instrumentos ritualísticos para a atenção e o  cuidado  constituem, também, formas legítimas de se cuidar da saúde e por isso devem ser integradas, reconhecidas e valorizadas.

(En)Cena – Como é a aceitação e conhecimento por parte dos indígenas com as equipes de saúde mental? Existe alguma dificuldade para aceitar os programas de saúde pública?

Marcelo Abdala – Quando cheguei no Rio Negro (AM), havia desconhecimento do que era o trabalho do profissional de psicologia e das ações referentes ao Programa de Saúde Mental. Todavia, ao contextualizarmos a prática e sua diferença em relação às atividades de outros profissionais, ela tem sido aceita, sobretudo, porque escuta os olhares, respeita as diferentes culturas e reconhece o processo de saúde e doença de cada povo.

Reunião de Conselho distrital de saúde indígena na aldeia
Foto: Acervo Pessoal

(En)Cena – Devido distância das aldeias indígenas dos centros urbanos, quais são as estratégias das equipes de saúde da família em atendimento a saúde mental indígena?

Marcelo Abdala – O que especifica a Saúde Indígena  – e a diferencia de outra estratégia – é exatamente chegar até à pessoa indígena em lugares de muito difícil acesso. As equipes se deslocam de ‘voadeira’, avião, ‘rabeta’ e algumas vezes caminham na mata para acessar outros povos que residem no interior da floresta. Em relação ao que chamo de ‘Saúde Mental em Contexto Indígena’, as diferentes equipes procuram realizar rodas de conversa, com orientação do profissional de psicologia, notificar situações de violência, suicídio e tentativa de suicídio e acompanhar usuários de medicação psicotrópica. Todavia, a estratégia que mais se aproxima das diferentes complexidades é a compreensão de diferentes práticas indígenas e o trabalho conjunto com os cuidadores tradicionais.

(En)Cena – Há uma prática de saúde mental especificamente indígena em sua área de trabalho, ou podemos pensar o conceito de saúde mental para os mesmos parâmetros da população em geral?

Marcelo Abdala – Não podemos pensar em ‘saúde mental em contexto indígena’ tal como pensamos em saúde mental para a população em geral. Os modelos e representações de mundo, de humanidade, pessoa, animal, espírito, como disse, são diferentes para cada povo e, sobretudo para a população em geral, que se baseia, por sua vez, em um modelo biomédico, considerando a sociedade capitalista e tardo moderna. O que consideramos como prática de ‘saúde mental em contexto indígena’, constitui tudo aquilo que , segundo as tradições, crenças e valores indígenas, promovem ‘integração’ e é estruturante para o povo. Por exemplo: Poderíamos considerar como uma prática de saúde mental em contexto indígena um ritual de passagem, uma prática ‘xamânica’, o benzimento da criança que lhe confere um nome e proteção durante à vida, ou mesmo, uma associação de mulheres indígenas que produz artesanatos coletivamente.

(En)Cena – Como são percebidas questões altamente complexas como o sexo e adolescência na sua área de atuação?

Marcelo Abdala – Os jovens indígenas iniciam sua vida sexual “cedo”, de acordo com  nossos parâmetros e costumes sociais. Para eles está no momento certo. É preciso entender que os povos indígenas possuem modos de organização social diferentes da sociedade moderna. Sendo assim, a iniciação à vida sexual acontece mais cedo do que acontece, talvez, hoje, com a sociedade envolvente. Todavia, a cultura dá as normas e sentido (referências),  a partir dos ritos de passagem, que a personagem mulher deve concretizar. Muito diferente da sociedade tardo moderna que erotiza a infância com a moda e as propagandas. Na cidade, é um problema, porque tem outro sentido. Na aldeia, tem resguardo, reclusão, dieta alimentar e rito de passagem. A questão é simbólica. Adquire sentido. Não tem para os indígenas o mesmo sentido que tem para a sociedade não indígena. Essa é a questão.

(En)Cena – A Ilha do Bananal, no estado do Tocantins – considerada a maior ilha fluvial do mundo – tem características de povoamento indígena, e nos últimos anos foram registrados casos sucessivos de suicídio indígena, causando preocupação em certa parte da sociedade que tomou conhecimento do assunto. Diante disso, o senhor tem conhecimento desses relatos, e como seria o diagnóstico da situação e as primeiras estratégias de ação da saúde pública?   

Marcelo Abdala – A questão do suicídio indígena, assim como a ‘alcoolização’ constituem problema grave entre a população indígena na contemporaneidade. E isto tem a ver como a sociedade tardo moderna se (des)estrutura hoje. Isso tem a ver com a RELAÇÃO entre o ‘branco’ e o indígena. No meu ponto de vista, chega a ser um paradoxo, a causa de “preocupação”, se pensarmos como a sociedade não indígena se vê, em relação à violência, ao consumo de álcool, à personagem adolescente, idoso, negro, indígena… Basta refletirmos sobre o que a sociedade pensa sobre as terras indígenas e modos de vida tradicionais. Isso, certamente, influencia o modo de vida de diferentes povos, inclusive o indígena. A sociedade em que vivemos é uma sociedade perversa, capitalista, individualista, canibal. O diferente, para eles – indígenas – não são eles mesmos. Somos nós, estrangeiros… O que o Estado realiza para dar conta de um mal que ele produziu foi criar, provavelmente, um sistema (Lei Arouca) que prevê atenção diferenciada aos povos indígenas. Ações concretas se definem em potencializar a cultura, crenças e valores que a história negou, e reforçar o que é positivo e que produz ‘saúde’, claro, a partir do ponto de vista do outro (indígena).

(En)Cena – Qual a relação entre espiritualidade e saúde mental indígena? 

Marcelo Abdala – O conceito que construímos para ‘espiritualidade’ também é outro para os povos indígenas. É por isso que não uso o termo  ‘saúde mental indígena’ e sim ‘saúde mental em contexto indígena’. Entretanto, ainda buscamos um termo que se aproxime das diferentes realidades culturais. Quero dizer, que não há essa conotação em nenhuma cosmologia indígena. Todavia, o ‘benzimento’, a ‘pajelança’, o ‘xamanismo’, o uso de substâncias psicoativas utilizadas pelos pajés, os espíritos, por promover saúde e tratar de doenças, tradicionais ou não, constituem, para nós,  práticas de ‘saúde mental em contexto indígena’ e que portanto, devem ser valorizadas e reconhecidas, também como práticas de sua espiritualidade. Para os indígenas, os espíritos estão nos animais, nas plantas, na floresta. Para eles,  a relação com os espíritos, é que vai determinar a possibilidade de ‘cura’ das doenças. A doença, provavelmente não existe no corpo, é causada por um espírito,  por um feitiço, por um ‘estrago’. E a saúde também seguirá por aí.

(En)Cena – Sua vivência com terapia comunitária chegou além da técnica e da prática, o senhor usa dos artifícios da arte para expor a saúde mental e suas complexidades. No seu poema “A Terapia do Cotidiano”, o que o senhor espera transmitir para o leitor?

Marcelo Abdala – Antes de tudo, agradeço a leitura do poema! Preciso dizer que este poema está relacionado, precisamente, à metodologia da Terapia Comunitária enquanto lugar de encontro de pessoas, de humanidades. Falar das coisas da vida junto com os ‘outros’ constitui o que o título do poema nomeia: ‘A Terapia do Cotidiano”. Todavia, se pudéssemos transpor o motivo do poema para o tema da entrevista, poderia dizer que precisamos conviver com a diferença, conhecer os contextos, vivenciar a alteridade, reconhecer pontos de vista diferentes. No contexto indígena, precisamos vivenciar a relação, fazer “(…) o cotidiano com eles”, comer sua comida, tomar sua bebida, nadar no rio e ouvir suas histórias. É isso.

Reunião de responsáveis técnicos do Programa de Saúde Mental dos distritos sanitários especiais indígenas do Brasil – em Brasília – Foto: Acervo Pessoal

(En)Cena – Qual relato de tratamento da saúde mental indígena que o faz tornar inesquecível em toda a sua experiência?

Marcelo Abdala – Bom, considerando o uso de plantas, ou seja, a medicina tradicional como uma prática de saúde mental em contexto indígena, relato aqui a que ouvi esta semana de um enfermeiro. Trazia uma criança de dois meses de vida, quase sem vida. Faltava-lhe o sopro. Seu coração batia cada vez mais devagar. Ao pararem em outra aldeia, rapidamente uma senhora pegou uma folha e tirando a seiva dela, com uma seringa, deu para a criança beber. Espalhou um pouco no peito e no nariz. Em menos de 30 minutos a criança já dava sinais de vida que antes perdia. Em outra ocasião estávamos em uma aldeia realizando um Projeto de Saúde Mental para as populações indígenas. Numa noite, todos se reuniram em volta do fogo, velhos, crianças, mulheres, para relembrar as histórias, tomar o Caapi (conhecido popularmente como Ayahuasca). As mulheres cantavam as ‘lamentações’ em suas línguas, falando do amor de uma indígena por um ‘branco’. Encorajavam, seus filhos, a beberem o Caapi, por se tratar de bebida de conhecimento. O mais velho, benzia o cigarro e contava as histórias sobre a origem da humanidade, do mundo, das doenças, da vida…

(En)Cena – Na sua opinião, qual a perspectiva do futuro da saúde mental indígena?

Marcelo Abdala – Atualmente, o tema da ‘saúde mental em contexto indígena’ tem sido discutido amplamente em Conselhos Regionais de Psicologia, em encontros regionais e agora em um Congresso Brasileiro de Saúde Mental, não por acaso, mas no Norte do País. Espero que a partir daqui, possamos ampliar nossa visão de mundos e agregar outras práticas não convencionais de cuidado e atenção à saúde. Para isso, precisamos compreender, nós todos, que terra, planta, rio e peixe, maloca, fumaça e espírito, também é saúde mental!

“A Terapia do Cotidiano”

Farei meu cotidiano com eles,
Nossa terapia comunitária.

Se não houver cadeiras,
Usaremos tijolos.
Se não houver salas,
Sentaremos à beira do riacho,
Debaixo de uma mangueira…

Trataremos apenas do possível, sem segredos.
Falaremos de coisas simples,
Do nosso dia-a-dia.
A noite mal dormida,
Um amor que partiu,
Um sonho que não se realizou…

Cantaremos juntos, nossas cantigas,
Aquelas que ouvimos desde criança,
Ou aquelas que encantam os nossos corações
E embalam nossa carência afetiva…

Vamos celebrar a vida,
Cantando e batendo palmas…
Pois é assim que se celebra,
Com alegria e felicidade, ritmo e poesia…

Autor: Marcelo Pimentel Abdala Costa

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