A Teoria de Tudo: Stephen Hawking e seu universo com Jane

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Com cinco indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Ator (Eddie Redmayne), Melhor Atriz (Felicity Jones), Melhor Roteiro Adaptado (Anthony McCarten) e Melhor Trilha Sonora.

“Desde o começo da civilização, as pessoas tentam entender a ordem fundamental do mundo. Deve haver algo muito especial sobre os limites do universo. E o que pode ser mais especial do que não haver limites? Não deve haver limites para o esforço humano. Enquanto houver vida, haverá esperança.” (Stephen Hawking)

 

Mesmo sem entender as teorias de Stephen Hawking, muitos já ouviram falar sobre os conceitos apresentados em seus livros, que vão desde buracos negros e o início do universo, até a teoria das cordas. Isso porque Hawking conseguiu a proeza de colocar o livro de um cientista teórico na lista de best-sellers (Uma breve história do tempo). Essa façanha só foi possível porque, seguindo o conselho de seu editor, elaborou um livro sobre alguns dos princípios da física teórica sem o uso de fórmulas matemáticas nas explicações (ou melhor, com uma única fórmula: E=mc2). Um livro que deu ao público em geral a oportunidade de apreciar conceitos complexos sem a estranha sensação de estar olhando para um enigmático conjunto de números e símbolos.

Mas quem buscou encontrar no filme longos relatos sobre as teorias de Stephen, provavelmente foi surpreendido. Em “A teoria de Tudo” vimos a história de Stephen e Jane (sua esposa) que, como muitas matérias que se atraem na natureza, parecem estar em campos opostos. Ele, um estudante de Física, que só acredita na ciência como forma de entender os mistérios do universo, ela, estudante de artes e uma cristã devota.

 

Jane: Você não falou por que não crê em Deus.
Stephen: Um físico não pode deixar que a crença em um criador sobrenatural atrapalhe seus cálculos.
Jane: É um argumento contra físicos, não contra Deus.

 

O filme foi baseado em um livro publicado por Jane Hawking, Travelling To Infinity: My Life With Stephen, e roteirizado por Anthony McCarten. Nele, vimos duas pessoas compartilhando uma vida com desafios complexos. A premissa da história poderia muito facilmente cair em uma ode piegas à superação humana e ao amor conjugal, mas graças a atuação impecável do casal principal, ao roteiro e a bela fotografia, o que presenciamos é um filme mais crível, logo mais interessante.

Claro, é uma história real contada em um filme hollywoodiano e isso já muda a perspectiva de muitos fatos, mas, ainda assim, com o desenrolar dos acontecimentos podemos ver o ser humano por detrás do gênio ou da pessoa portadora de uma doença tão devastadora, logo podemos enxergar, além de tantos aspectos positivos (perseverança, resiliência etc.), uma dose de egoísmo e orgulho. Aos poucos, vimos também que há uma certa melancolia crescente em Jane por algo que ela tem a impressão de ter deixado para trás, talvez um pouco de sua própria vida.

 

 

Jane e Stephen se conheceram no início da década de 1960 e foi logo depois disso que os sintomas da doença que iria mudar a vida de Hawking começaram a aparecer, primeiro em forma de pequenas dificuldades motoras até o momento de sua queda em Cambridge e do diagnóstico fatal: a doença do neurônio motor (DNM), ou de Lou Gehrig, que dava-lhe, no máximo, dois anos de vida (ele estava com 21 anos).

Observação: a denominação atual (e mais específica) da doença de Hawking é Esclerose Lateral Amiotrófica.

A esclerose lateral amiotrófica (ELA), também conhecida como doença de Charcot ou doença de Lou Gehring, e pertencente ao grupo das doenças do neurônio motor, é caracterizada pela progressiva degeneração dos neurônios motor superior (NMS) e inferior (NMI), geralmente associada ao envolvimento bulbar e do trato piramidal.Os sinais clínicos da ELA são evidenciados nos membros inferiores, superiores e, posteriormente, nas demais regiões do tórax e pescoço.(LIMA & GOMES, 2010)

 

 

O que vimos depois disso é a história de Stephen e Jane como casal, mesmo que todas as predições lógicas tentassem mostrar que tal história seria impossível na realidade. Eles se casaram em 1965, acreditando que o amor que sentia um pelo outro merecia ser vivido, mesmo que brevemente. E o “breve” imaginado pelos médicos e pela família só teve sentido se pensarmos que talvez todas as histórias humanas na Terra sejam breves, considerando o tempo e o espaço que nos cercam.

Tão difícil quanto explicar as teorias sobre as estrelas que entram em colapso ou a singularidade é entender como as pessoas se conectam, vivem juntas e superam dificuldades quase intransponíveis. O desempenho excepcionalmente crível de Eddie Redmayne transporta-nos através da trajetória de dor, vitórias e perdas (não somente a muscular) vivida por Stephen Hawking. Enquanto isso, vimos em Jane, interpretada no tom certo por Felicity Jones, toda a complexidade que é viver um casamento em que sua entrega e dedicação têm que ser tão intensa.

 

“Então Einstein estava errado quando disse que ‘Deus não joga dados’. Considerando o que os buracos negros sugerem, Deus não só joga dados, Ele às vezes nos confunde jogando-os onde ninguém os pode ver”. (Hawking)

 

No início da década de 1970, Hawking não conseguia mais falar, nem se movia sozinho da cadeira. Seus três filhos, ainda pequenos, mais sua necessidade de cuidados básicos, exigiam de Jane uma dedicação extrema. Talvez fosse mais poético se na história o amor superasse todas as barreiras, mas o amor é interessante justamente porque não nos dá certezas. É mais provável que entendamos através dele nossa própria fragilidade e os artifícios que criamos para nos reinventar a cada dia.

Se na teoria clássica, segundo Hawking, “não há como escapar de um buraco negro” porque as leis são regidas pela teoria da relatividade; na teoria quântica esse cenário é mudado radicalmente, o que tornaria possível, por exemplo, “que energia e informação escapassem”. Não havia como sobreviver, naquela época, com um diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica, ao menos, a medicina até aquele momento não permitia enxergar além da primeira conclusão, ou seja, o diagnóstico fatal. Hawking talvez seja a melhor metáfora para a analogia da informação que escapa do buraco negro. O seu amor pela vida, por Jane e pela ciência contribuíram para sua sobrevivência, foi o movimento necessário para sua fuga da morte.

 

 

Hawking refutou sua própria tese de doutorado, ou melhor, ampliou as premissas mudando o alcance de suas concepções iniciais. Fez isso porque tudo é dinâmico, principalmente, o conhecimento humano. Seu casamento com Jane também sofreu modificações, por um tempo viveram uma relação aberta até se separarem na década de 1990. Mas mesmo sem um “viveram felizes para sempre”, a sensação que fica depois do filme é de termos presenciado uma profunda história de amor. De um amor que, como as teorias da física, não é estático, nem totalmente compreensível, mas essencial para mantermos o mínimo de equilíbrio nessa vida em constante movimento.

A Teoria de Tudo, ou melhor, a explicação do universo através de uma fórmula matemática geral, ainda não foi encontrada por Hawking. O menino de caligrafia terrível que nasceu exatamente no dia dos 300 anos da morte de Galileu e que ocupou a cadeira que antes havia sido ocupada por Isaac Newton em Cambridge, está com 73 anos e continua, como ele mesmo costuma dizer, com uma curiosidade infantil pelo universo. Seus filhos com Jane e sua própria história de vida evidenciam uma de suas principais teorias, que o universo não tem limites (nem a natureza humana).

 

Referência:

LIMA, S. R.; GOMES, K. B. Esclerose lateral amiotrófica e o tratamento com células-tronco. Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2010 nov-dez;8(6):531-7.

 

Mais filmes indicados ao OSCAR 2015: http://ulbra-to.br/encena/categorias/oscar-2015


FICHA TÉCNICA DO FILME

A TEORIA DE TUDO
Título Original: The Theory of Everything
Direção: James Marsh
Roteiro: Anthony McCarten (screenplay), Jane Hawking (book)
Elenco Principal: Eddie Redmayne e Felicity Jones
Ano: 2014
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Amor e entrelaçamento quântico no filme “Interestelar”

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Com 5 indicações ao Oscar 2015:

Melhor design de produção; Melhores efeitos visuais; Melhor trilha sonora; Melhor edição de som; e Melhor mixagem de som.

Depois de desafiar os espectadores com desconstruções narrativas como “Amnésia” e articular sucessivas camadas de mundos oníricos em “A Origem”, agora Christopher Nolan em “Interestelar” (Interstellar, 2014) nos desafia com os paradoxos da mecânica quântica e relatividade.  Aqui não há mais heróis tentando salvar a Terra, mas pessoas que se sacrificam na procura de um caminho para a humanidade abandonar um planeta agonizante. E a única saída será através de buracos negros e “buracos de minhoca” cósmicos. Porém, as equações falham em tentar conciliar a dimensão quântica e a relatividade. Qual a solução proposta por Nolan? Amor e Comunicação, os únicos elementos que atravessam os diferentes espaços-tempos e que resolveriam o enigma do chamado “entrelaçamento quântico”. Tudo com muitas alusões gnósticas e religiosas, criando uma poderosa atmosfera mística.

John Smith trabalha como projetista em um cinema nos EUA. John fez um curioso relato no início desse mês: ao receber a cópia do filme Interestelar percebeu que ela veio embrulhada e rotulada como “Flora’s Letter” – The Hollywood Reporter, 22/10/2014.

Já é bem conhecida essa estratégia onde os filmes são distribuídos ou mesmo produzidos com títulos falsos a fim de dificultar a pirataria ou roubo.

Mas também é conhecido que muitos produtores não resistem à tentação de deixar nesses falsos rótulos pistas inteligentes e sugestões. É o exemplo de filmes anteriores de Nolan que foram distribuídos dessa maneira, com intrigantes pistas: “Backbreaker” para o filme Batman – O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008) e “Be Kind, Rewind” para Amnésia (Memento, 2000).

Ora, Flora’s Letter oficialmente seria uma alusão a uma das quatro filhas de Nolan, Flora. Mas também poderia ser uma sincrônica referencia a “Carta para Flora” ou “Epístola para Flora”, texto gnóstico atribuído a Ptolomeu, discípulo do professor gnóstico Valentino no cristianismo primitivo, onde assume que Jesus fora enviado não para destruir a Lei Mosaica (materializada nos Dez Mandamentos), mas para completa-la. Por ser obra não de Deus mas de um Demiurgo, a Lei era imperfeita e necessitava ser completada.

 

Simbolismos religiosos

Coincidência ou Sincronismo? O fato é que Interestelar de Nolan lida com os paradoxos das leis da Mecânica Quântica e da Teoria da Relatividade. Passamos as quase duas primeiras horas do filme acompanhando todo o esforço de um projeto que tenta salvar a raça humana da extinção baseado nas equações do Professor Brand (Michael Caine). Porém, as equações do professor falham por não encontrar a solução para aquilo que toda a Física até agora não conseguiu: achar o chamado “Campo Unificado” que conciliaria a relatividade com a dimensão quântica.

Porém, assim como no texto gnóstico Carta para Flora, um Salvador deve chegar para completar a Lei imperfeita, acrescentar o componente que falta na equação. E para Nolan, aquilo que ultrapassaria o Tempo e o Espaço, conciliando as dimensões relativísticas e quânticas, seria o Amor – Jesus?.

Assim como essa sincrônica referencia gnóstica, Interestelar possui uma série de simbolismos religiosos: os doze apóstolos (Dr. Brand teria enviado anteriormente através do buraco de minhoca cósmico “doze bravas almas” que lá estariam à espera do salvador da humanidade); lá existe uma espécie de Arca de Noé; o primeiro planeta com ondas gigantescas (dilúvio bíblico?); há um anjo caído (Dr. Mann que vira um demônio em uma espécie de Jardim do Éden invertido); todo o projeto secreto da NASA se chama “Lázaro” (referência ao personagem bíblico que ressuscitou dos mortos); a heroína salva a humanidade aos 33 anos de idade (a idade de Jesus).

Nolan parece espalhar esses simbolismos na narrativa para fazer a delícia dos críticos de cinema. Porém, o filme vai mais além do que essa lista de simbolismos mais evidentes: Interestelar lida com o tema do amor de uma forma bem peculiar – como o elemento mais importante da equação, capaz de atravessar o contínuo tempo/espaço, ir além da atração gravitacional. Para tanto, veremos como Nolan introduz o conceito de entrelaçamento quântico, conceito que curiosamente Jim Jarmusch também introduz no seu último filme Amantes Eternos.

 

O Filme

A maioria dos filmes de Hollywood baseia-se em narrativas sobre o amor romântico ou sexo. Mas Interestelar quase não tem casais para se obter o tradicional par romântico que salvará o mundo. Ao invés disso, vemos diferente formas de amor, de geração em geração, ao longo do tempo e espaço.

O filme começa em uma fazenda onde vemos o amor do avô Donald (John Lithgow) pelo seus netos e o amor dos filhos pelo pai viúvo e astronauta aposentado da NASA Cooper (Matthew McConaughey). Eles estão metidos em uma crise ambiental global onde os alimentos desaparecem e tempestades de areia arrasam com plantações.

Por meio de uma estranha anomalia gravitacional que a filha Murph (Jessica Chastain) descobre em um cômodo da casa (ela pensa que há algum fantasma derrubando livros da estante) , eles descobrem coordenadas que levam a um laboratório subterrâneo e secreto onde a NASA planeja uma forma de salvar não o planeta, mas a humanidade: Dr. Brand desenvolve equações para solucionar problemas relativísticos e quânticos para levar a humanidade para um novo planeta do outro lado do Universo por meio de um “buraco de minhoca” (wormhole) encontrado nas cercanias de Saturno. E tudo leva a crer que esse buraco cósmico foi uma criação artificial de alguma outra civilização disposta a nos ajudar.

Cooper é convocado para o Projeto Lazaro para ser o piloto de uma espaçonave que atravessará o “buraco de minhoca” em busca de uma nova Terra. Com isso, a narrativa passa a ser movida pelo amor mesclado com raiva da filha Murph, ressentida pelo pai abandonar a família por décadas. Para ela, o pai abandonou a família em um planeta à beira da extinção.

Há ainda outra forma de amor: doze “apóstolos” ou astronautas saíram sozinhos na vanguarda do Projeto Lázaro, sacrificando suas vidas para serem congelados e renascerem em algum lugar do outro lado do Universo.

Parece que o tempo inteiro Nolan quer nos mostrar a força magnética que liga pessoas que estão distantes; como pessoas separadas por longas distâncias no Universo podem ainda exercer uma força gravitacional. Todos no filme anseiam por reencontros, assim como no outro filme do diretor, A Origem (Inception, 2010), o protagonista Cobb tentava retornar para casa.

E assim como em A Origem, Nolan lida com camadas de realidades no tempo e espaço que funcionam em diferentes cronologias. Quando o protagonista Cooper vai para o espaço deixa para trás os paradigmas da vida terrena para entrar nos paradoxos da mecânica quântica e relatividade: a gravidade torna-se variável em diferentes planetas, o espaço dobra sobre si mesmo, astronautas voam por buracos de minhocas que conectam um ponto a outro distante no Universo e naves ganham impulsos gravitacionais em horizontes de eventos de um buraco negro.

 

O entrelaçamento quântico

 

Com isso, Nolan introduz o conceito de entrelaçamento quântico: como duas partículas que se interagem, ao serem separadas continuam a ter estranhos padrões como se ainda estivessem conectados a distâncias imensas. Interestelar mostra como pessoas que se amam adquirem alguns desses mesmos recursos e reagem da mesma forma, ao mesmo tempo para as mesmas coisas.

Baseado nas ideias do físico Kip Thorne, Insterestelar mostra como Ciência e emoção podem se misturar criando uma poderosa atmosfera mística. De início, Nolan opta por um pressuposto narrativo gnóstico: a ideia de uma Terra seca e devastada da qual o homem deve fugir, assim como Dorothy no filme clássico O Mágico De Oz, é a metáfora da condição humana no Gnosticismo – prisioneiro em um cosmos imperfeito e decadente do qual somente poderá escapar por meio da gnose, a busca da iluminação interior – sobre esse tema em O Mágico de Oz clique aqui.

E no filme essa gnose é a descoberta de que vivemos em um Universo onde o entrelaçamento quântico faz tudo parecer emergente e interligado. A vida parece menos como uma máquina e mais com padrões infinitamente complexos de ondas e partículas.

Em Interestelar, os personagens estão frequentemente experimentando transversais e conexões místicas que transcendem o tempo e o espaço. Parece que tanto Nolan como Jarmusch em Amantes Eternos parecem ter se inspirado na obra-prima My Bright Abyss do poeta norte-americano Christian Wiman:

“Se o entrelaçamento quântico for verdade, se as partículas relacionadas reagem de maneiras semelhantes ou opostas, mesmo separadas por distâncias enormes, então é óbvio que o mundo inteiro está vivo e se comunica por diversas maneiras que não compreendemos totalmente. E nós somos parte dessa vida, dessa comunicação” WIMAN, Christian. My Bright Abyss – Meditation of a Modern Believer).

 

A solução do entrelaçamento quântico: amor e comunicação (spoilers à frente)

Levamos quase duas horas do filme para compreendermos qual o elemento que falta para a equação do professor Brand unificar relatividade e mecânica quântica, o que possibilitaria trazer Cooper de volta para casa dobrando o tempo-espaço no sentido inverso: amor e comunicação, aquilo que resolveria o enigma do entrelaçamento quântico.

Numa alusão ao filme 2001 de Kubrick, ao entrar no buraco negro Cooper descobre que seres da quinta dimensão prepararam para ele um espaço tridimensional de onde observa o quarto da casa na Terra onde está a filha Murph em tempo-espaço simultâneos na infância e na atual vida adulta. O presente dobra-se no passado: através de quantuns de energia em código morse, Cooper se comunica com Murph simultaneamente no passado e presente.

O suposto fantasma da estante na infância era o próprio pai no futuro tentando se comunicar, trazendo a solução que retirará a humanidade de um planeta agonizante.

Nessa sequência final, Nolan faz também uma curiosa alusão às comunicações dos espíritos do início do Espiritismo do século XIX com os fenômenos de batidas no chão e mesas girantes como formas de comunicação tiptológica dos mortos com os vivos.

Seriam os espíritos não apenas pessoas que já morreram, mas na verdade seres interdimensionais tentando se comunicar conosco através de diferentes tempo-espaços? Seriam seres do futuro ou do passado? Assim como os seres da quinta dimensão que, por algum motivo misterioso, tentam ajudar a humanidade em Interestelar, os espíritos também tentam se comunicar conosco?

Será que assim como os seres da quinta dimensão, é o amor por nós que move os espíritos a tentarem a comunicação?

 

Mais filmes indicados ao OSCAR 2015: http://ulbra-to.br/encena/categorias/oscar-2015

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

INTERESTELAR

Diretor: Christopher Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan, Christopher Nolan
Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Michael Caine, John Lithgow
Produção: Legendary Pictures
Distribuição: Warner Bros South (Brasil)
Ano: 2014
País: EUA

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Oxum e o arquétipo da feminilidade

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capa face 2

Oxum é a Deusa das águas doces e frescas, divindade do rio Oxum, na Nigéria. É o orixá do ouro, do mel, da beleza, do amor e da gestação.

Exú é o orixá responsável pela fecundação. Quando ocorre a fecundação, a regência passa a Oxum, que protege o feto durante esse processo. Após o nascimento a regência passa aIemanjá.

A ela pertence o ventre da mulher (lembrando que o feto se desenvolve dentro de uma bolsa d’água). Regente também da menstruação, da gravidez e do parto. E desempenhando, assim importante função nos ritos de iniciação, que são a gestação e o nascimento. As mulheres que desejam ter filhos costumam se dirigir a ela.

Uma lenda interessante:

“Quando todos os orixás chegaram a terra, organizaram reuniões onde as mulheres não eram admitidas. Oxum ficou aborrecida por ser posta de lado e não poder participar de todas as deliberações. Para se vingar, tornou as mulheres estéreis e impediu que as atividades desenvolvidas pelos deuses chegassem a resultados favoráveis. Desesperados, os orixás dirigiram-se a Olodumaré e explicaram-lhe que as coisas iam mal sobre a terra, apesar das decisões que tomavam em suas assembléias. Olodumaré perguntou se Oxum participava das reuniões e os orixás responderam que não. Olodumaré explicou-lhes então que, sem a presença de Oxum e do seu poder sobre a fecundidade, nenhum de seus empreendimentos poderia dar certo. De volta a terra, os orixás convidaram Oxum para participar de seus trabalhos, o que ela acabou por aceitar depois de muito lhe rogarem. Em seguida, as mulheres tornaram-se fecundas e todos os projetos obtiveram felizes resultados”.

Sendo a senhora do ouro, é uma deusa da riqueza, da fartura. Oxum domina os rios e as cachoeiras, mostrando que atrás de uma superfície aparentemente calma podem existir fortes correntes e cavernas profundas.

As lendas costumam representá-la com ricas vestes, perfumes e com colares e jóias, ou seja, tudo relacionado à vaidade. Ela é também representada com uma feminilidade elegante e coquete.

Antigamente, Oxum era associada ao cobre, pois esse era o metal mais valioso do país ioruba nos tempos mais antigos. Depois sua associação passou ao ouro. Mas o que importa é que ela rege os metais preciosos.

No Brasil, o dia da semana consagrado a ela é o sábado e sua saudação é como na África, feita pela expressão “Ore Yèyé o!!!” (“Chamemos a benevolência da Mãe!!!”).

Conforme Pierre Verger

Mas Oxum também tem seu lado sombrio. E esse lado se manifesta em sua vaidade extrema, levando a competição desenfreada com outras. Em uma de suas lendas, Oxum matou Iansã, devido à inveja de sua beleza. Outra lenda muito famosa de Oxum e que mostra sua sombra é aquela em que ela manipula Obá, levando-a a cortar sua própria orelha e servir no jantar paraXangô. Oxum também podia ser vingativa, competitiva e dissimulada.

Pode-se afirmar, então que Oxum representa um arquétipo predominantemente feminino. Ela remete aos mistérios da feminilidade. É o símbolo do poder feminino da fecundação e da continuidade da vida. Sem esse arquétipo, é impossível, como descrito no mito acima, levar a cabo qualquer empreendimento. Sem ele não há fertilidade, não há prosperidade. Pois não há gestação.

Oxum é, então, a “mãe das mães”. Nos arcanos maiores do Tarot encontramos esse arquétipo no trunfo número 3, A Imperatriz. Que simboliza criatividade, sucesso, gestação, encanto, amabilidade e cortesia. Outro paralelo, enquanto deusa da fertilidade e da maternidade, pode ser feito com Demeter, a deusa grega da fecundidade da terra.

Sua sensualidade, intuição, demonstra toda sabedoria feminina, toda manifestação criativa. A ela pertencem todas as manifestações criativas, sensuais e alegres. A dança, a música, toda forma de arte, a culinária e também a cura.

Como deusa do amor, tem paralelos com Afrodite, Vênus, Ishtar, Astarte. Sendo também uma deusa alquímica, transformadora (ver post sobre Afrodite).

Como senhora do ouro, simboliza o que é incorruptível. Os nossos valores, não apenas materiais, mas valores espirituais também.

Quando esse arquétipo se torna presente na vida do indivíduo, seja homem ou mulher, traz criatividade, imaginação fecunda, alegria de viver e desfrutar os prazeres da vida. Proporciona também graça, leveza, amabilidade, diplomacia e paciência para com os dissabores da vida, trazendo a doçura do mel e frescor de suas águas.

 

Referências:

BARCELLOS, M. C. Os orixás e a personalidade humana. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

JUNG, C. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petrópolis, RJ, Vozes 2002.

VERGER, P. F. Orixás. Círculo do Livro.

ZACHARIAS, J. J. M. Oriaxé – A dimensão arquetípica dos Orixás. São Paulo: Vetor, 1998.

ZACHARIAS, J. J. M. Compadre – uma análise psicológica possível de Exu. São Paulo: Vetor, 2010.

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Desabafo sobre as histórias de amor

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Não são todas as histórias de amor que me fazem suspirar, definitivamente não.

Tem que existir algo mais, não apenas um solo de piano, frases feitas ditas do momento do tesão, não, tem que ter algo além. Além dessa leveza proposital, desses olhares ensaiados, essa alegria forjada na hora em que passa o filme, esse colo que não delira de quente, mas sim delira somente pelo costume idiota de achar que pode ser amor.

Das histórias que me fazem suspirar, nem sei se devo revelar, mas sinto que preciso dizer nem que seja só o começo. Delas, eu amo sempre as partes mais simples.

Esse olhar para as horas que não passam, só por que ele a quer ver.

 Aquele jeito de falar coçando a cabeça despenteando o mais lindo de todos os cabelos.

Da saia dela que ao levantar revela a mais doce obsessão da boca dele.

Da cara que ela faz quando não recebe aquele presente que estava achando que iria ganhar, e no meio da tarde é surpreendida por flores de um gosto tão piegas quanto à poesia que ele lhe sussurra nos ouvidos depois do sexo.

Do sorriso dele devorando ela sentada num banquinho da cozinha enquanto ele prepara o jantar, e depois larga tudo só para agarrar-lhe pelos cabelos e ir fundo naquele corpo que pensa ser dele, e de fato é.

Daquela cicatriz na perna dele, lembrança da queda que levou naquela cachoeira, só para conseguir o ângulo prefeito para aquela foto embaçada no mural do quarto.

O gosto do pastel devorado com toda a fome do mundo naquele dia em que não tiveram tempo para almoçar, pois a fila do banco estava enorme.

Das fugas depois do expediente, uma hora de amor e delírio até que ela percebe que não pode perder a hora de ir embora. Do olhar que ele lança enquanto ela se veste no quarto de motel que minutos antes testemunhara a mais suave cena de amor.

A areia dentro da sandália dela, naquela noite em que resolveram arriscar tudo e fazer amor no meio da praia.

Dos olhos dele sentado naquele banco da praça no dia em que resolveram continuar juntos. Do abraço agradecido dela envolvendo aquele corpo de homem apaixonado.

Sem esquecer, claro, daquela noite em que ela se produziu como uma atriz pornô, cheia de deliciosas intenções e que não fez nada por que ele pegou no sono enquanto ela se arrumava.

E mais, aquelas caminhadas sem destino algum pela grama do parque num dia de domingo.

O lençol estendido na grama, e os dois dormindo agarrados embalados pela música do carro de som daquela passeata estudantil.

Pequenos detalhes que a olhos nus não representam qualquer suspeita, mas que aos olhos de quem vive a história de amor faz toda a diferença.

Definitivamente, não são todas as histórias de amor que me fazem suspirar, têm haver algo mais, detalhes, sempre tem que haver detalhes.

 

 

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Loucas Pra Casar: quem olha para dentro desperta

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“Quem olha para fora sonha,
quem olha para dentro desperta.”
Carl Gustav Jung

O cinema nacional apresenta mais uma produção no gênero comédia. A fórmula: humor, somada a um roteiro leve e a um elenco de grandes atrizes/comediantes fizeram do “Loucas pra casar” uma das maiores bilheterias do ano de 2015 no cenário nacional. No longa, três mulheres: Malu (Ingrid Guimarães), Lúcia (Suzana Pires)  e Maria (Tatá Verneck) dividem a atenção de Samuel (Márcio Garcia), o homem com quem elas querem se casar.

 

A primeira nuance apresentada é a de Malu, uma mulher inteligente, organizada, competente, comprometida e bem sucedida. Ela é secretária e braço direito do seu chefe, Samuel, com quem tem um relacionamento amoroso há três anos. Malu, apesar de uma independência pessoal e profissional, cultiva um sonho antigo, o de ter uma família com marido e filhos. Aos 40 anos ela sente que precisa realizar esse sonho o quanto antes, por causa de sua idade. Nesse momento, Malu começa a investir todas as suas fichas para que Samuel peça sua mão em casamento. Já Lúcia é uma mulher forte, determinada, que explora sua sensualidade para alcançar seus objetivos. Maria, por sua vez, apresenta através do seu semblante de pureza virginal, o estereotípico da mulher que nasceu para casar e constituir família.

A grande surpresa do longa-metragem se dá quando percebemos que as três mulheres, que carregam em si personalidades tão antagônicas, são na verdade a mesma pessoa: Maria = Lúcia = Malu. Em busca de uma compreensão para as múltiplas personalidades de Malu e de como elas vieram à tona nesse momento da vida da personagem, podemos levantar algumas hipóteses baseado nas informações que o filme nos apresenta.

 

Segundo o DSM V, O Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) é caracterizado, em outras coisas, por: amnésia assimétrica distorção de comportamento (geralmente ligadas a um histórico de abuso sexual na infância), manifestação de sintomas pós-traumáticos (por ex., pesadelos, flashbacks e respostas de sobressalto), automutilação, agressividade e/ou comportamento suicida também podem ocorrer. O tratamento envolve uma aproximação entre as personalidades distintas até o ponto em que elas possam convergir para uma única.

Se entendermos as múltiplas personalidades de Malu como facetas dela própria e nas quais seu ego entende que não há uma realização plena do Eu, as outras personalidades que apareceram ao mesmo tempo, quando ela iniciou o relacionamento com Samuel, são na verdade expressões de características que seu ego real considera necessárias em um relacionamento amoroso, mas com as quais seu superego não conseguia conviver.

Consta no DSM IV que a transição entre as personalidades das pessoas que apresentam TDI tem uma relação com situações de intenso estresse emocional. No caso da personagem o fato ocorreu em sua infância quando sua mãe, ao ser abandonada por seu pai, fala que a filha precisa ser independente.

Em uma análise mais profunda, podemos perceber que as três facetas de Malu: a mulher executiva, a mulher dona do lar e a mulher sexy se completam de tal forma que conquistaram o amor do mesmo homem. Mas, um fato marcante na infância de Malu a fez suprimir essas qualidades que não podiam coexistir em sua psique. Assim, para que essas características pudessem de fato coexistir, foi necessária a criação de novas personalidades. É preciso salientar que este processo é de todo inconsciente, e feito para manutenção da própria psique, evitando que ela se rompa.

 

Outro elemento que chama atenção é o fato de que Samuel, o pretendente, aos olhos da personagem também se mostrava como outra pessoa, com atributos físicos que ela valoriza nos homem, mas que na realidade, ele não os tinha. Podemos acreditar que Samuel era de fato o Animus de Malu, seu parceiro ideal, com atributos e características que ela busca no seu par (Emma Jung, 1991). Ela se identificava tanto com seu parceiro que preferiu projetar nele essas características que valoriza no par do que trocar de parceiro. E antes que alguém pense que isso é um comportamento exclusivamente patológico, preciso esclarecer que fazemos isso o tempo todo em nossos relacionamentos amorosos. Sempre que ignoramos em nossos pares uma gafe ou um comportamento que em outros contextos recriminamos, apresentamos um comportamento semelhante ao de Malu para com Samuel.

 

Com o desejo do casamento cada vez mais forte, a psique de Malu percebe que não tem mais como sustentar as múltiplas personalidades que disputam a atenção do mesmo homem. Enfim elas são obrigadas a conviver até o determinado momento em que elas convergem e Malu percebe que as três mulheres são, na verdade, Ela. Quando percebe sua situação, a personagem entra em choque, e pensa que só pode casar se for acompanhada das outras duas. Malu chega a tentar cometer suicídio. Esse ápice serve para que ela comece a rever seus valores e prioridades, assim, supervalorizar e investir todas as suas energias em um casamento sem antes considerar outras questões como sua própria felicidade, agora parece fora de questão.

FICHA TÉCNICA:

LOUCAS PRA CASAR

Direção: Roberto Santucci
Roteiro: Julia Spadaccin, Marcelo Saback
Elenco principal: Ingrid Guimarães, Tatá Werneck, Suzana Pires
Ano: 2015
REFERÊNCIAS:

JUNG, Emma. Animus e anima. (Tradutor. Dante Pignatari). Um volume (13×20 cm) com 112 páginas. São Paulo: Editora Cultrix, 1991.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-V. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5 ed. Porto Alegre: ARTMED, 2014.

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HER: a incompletude palatável

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She’s not just a computer

Antes de tudo é preciso uma afirmação, Her é uma obra sensível, que trata de sentimentos, algo já abordado em outros filmes, livros, músicas e pinturas, mas, que no caso específico desta película, possui um direcionamento e foco que o tornam singular, como será exposto ao longo desta análise. O filme é de 2013, com um orçamento modesto para os padrões atuais, produzido pela Annapurna Pictures, dirigido e roteirizado por Spike Jonze, estrelado por Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Rooney Mara e Olivia Wilde.

Este texto tem por objetivo analisar algumas das características simbólicas, narrativas, semióticas e existenciais presentes no filme Her, que pode ser considerado, devido à sua inventividade, como sendo uma pequena obra-prima da atualidade, galardoada com várias indicações e prêmios tanto da grande indústria cinematográfica como premiações de produções independentes. E trazendo consigo uma grande esteira de filmes que tratam da temática da inteligência artificial em nosso tempo em seus diferentes aspectos que formam a estruturação de sua história, Her certamente será objeto de apreço, debates e análises por suas imensuráveis qualidades que extrapolam o âmbito de sua linguagem cinematográfica.

A solidão íntima e coletiva

Figura 2: Theodore em plano aberto e sozinho no seu apartamento. Fonte: Her (2013)

Em 2025 Theodore Twombly nos é apresentado como um homem próximo à meia-idade, que vive solitário em seu amplo apartamento de uma atemporal Los Angeles , trabalhando como escritor numa empresa de envio de mensagens comoventes e emotivas para outras pessoas, numa rotina que combina melancolia, resignação e breves momentos de vislumbre para efemeridades cotidianas. O passado do protagonista nos é apresentado em flashbacks, evidenciando um acumulado de mágoas, ressentimentos e arrependimentos ligados, principalmente, a um malfadado relacionamento ainda a ser superado.

Spike Jonze faz um grande trabalho com seu roteiro, direção de arte e fotografia para que tenhamos uma verdadeira imersão nas fronteiras da inquieta existência de Theodore. A utilização dos contrários nestes quesitos contribui para este exercício de representação e interpretação ao qual o diretor nos faz mergulhar, como, por exemplo, nos ambientes em que o protagonista divide seu espaço com outras pessoas, seja no trabalho, metrô, ruas o seu isolamento é ressaltado com sutis close-ups em seu rosto e ações de desconforto ou desinteresse com a situação, e, do mesmo modo, nos planos abertos, como em seu apartamento, na sacada do prédio ou beira do penhasco a mesma noção e reação de isolamento também é apresentada na composição dos elementos imagéticos imbricados para formar tais cenas introspectivas.

Esta rotina de Theodore é alterada a partir do momento que o mesmo resolve adotar um novo modelo de sistema operacional pessoal super-inteligente (IOS), para que sua solidão seja de alguma maneira preenchida, mesmo que por uma presença virtual. Após uma breve coleta de dados pessoais os parâmetros virtuais do IOS estabelecem as preferências do cliente e, então, a interação entre as duas partes é iniciada, e os rumos de tal relacionamento é que dão o tom de maiores reflexões e antinomias do longa-metragem. E, a partir deste momento é somos apresentados à Samantha, a denominação dada por Theodore à sua IOS, interpretada por Scarlett Johansson, com base nestas informações preliminares.

Figura 3: Theodore aguardando o “nascimento” de Samantha. Fonte: Her (2013)

Mas, há de se fazer uma ressalva sobre Theodore, e este talvez seja o ponto no qual Samantha se encaixa em sua vida. Em nenhum momento da estória contada em Her é mostrado um misantropismo do melancólico escritor de cartas emotivas, pelo contrário, o mesmo possui, mesmo que restrito, um círculo de amigos que, aparentemente, se preocupam com seu bem estar. Neste sentido, Amy Adams, que interpreta a homônima melhor amiga de Theodore, nos convence em seus diálogos, ajudando a compreender o aspecto solitário do cotidiano de ambos e o porquê do impacto da inserção de Samantha em suas vidas. Por isto, não é de se surpreender que Jonze antes das filmagens do longa, fez com que os dois atores ficassem isolados durante horas em uma sala, para que as emoções e interações de ambos se tornassem o mais críveis possível para os apreciadores de sua obra, e o resultado é no mínimo admirável. A simplicidade com que a amizade é retratada reforça a sua importância, inclusive em momentos inesperados, como é caso do anúncio do relacionamento não convencional entre um humano e um sistema operacional, que não causa surpresa na amiga de Theodore, pelo contrário, por esta é reforçada sua atitude de iniciar estre incomum relacionamento, para que se recupere de suas mágoas e angústias recentes após um conturbado relacionamento ainda em cicatrização.

Há simbolismos de Her que merecem destaque no instante em que aparecem na tela. Desta forma, a primeira imagem que teremos “dela” (Samantha) é o momento do icônico carregamento, assemelhando-se a dupla hélice de um DNA, e o seu formato definitivo é uma clara referência à principal referência de inteligência artificial da sétima arte, o sistema operacional HALL-9000, da obra-prima de Stanley Kubrick. No entanto, a surpresa após o programa ser carregado já começa pela sua voz, com uma entonação, interação e afetividade singulares, características completamente diversas de um robô ou inteligência artificial convencional, pois soa próxima, afetuosa e espontânea, que irão marcar todo o desenvolvimento do filme.

E para finalizar esta etapa da análise é importante ressaltar o poderio robótico e virtual da máquina que da o título à obram que, apesar da leveza e doçura dos modos e voz de Samantha, tal poder de seu sistema positrônico nos é entregue em pequenas passagens, como na contagem de árvores, seleção dos e-mails, as correções das cartas, buscas e demais detalhes que chegam a passar despercebidos ao longo da projeção. E, o mais importante destas demonstrações da diferença intelectiva entre o IOS e Theodore é que em momento algum esta condição de raciocínio privilegiado é utilizada por Samantha em relação ao protagonista, sendo que, muitas vezes, é ela quem toma a iniciativa por aprender e apreender não novos conhecimentos ou atalhos matemáticos, mas sim as complexas vias para interpretação e também demonstração dos sentimentos humanos, caminhada esta que se inicia do momento em que a mesma é nomeada quando colocada em funcionamento até o seu adeus, quando quase não apresenta mais características de um ente cujas ações e reações são pré-programadas em seus circuitos e conexões.

Humano apesar de tudo?

Figura 4: Dispositivo móvel para o Sistema Operacional Samantha. Fonte: Her (2013)

O título deste tópico analítico sobre o filme Her faz menção à uma instigante reflexão dos franceses Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter, que formam o Daft Punk. E o porquê de tal máxima? Talvez pelo fato desta ser uma das principais problemáticas e também paradoxos trazidos pelo filme em suas mensagens, diálogos e sentimentos, ou seja, qual é a linha que separa uma máquina, a criatura, do ser humano, seu criador, e mais importante ainda, haveria a possiblidade de habilitar a autonomia virtual de um ente mecatrônico ao ponto desta condição se refletir em uma auto-inquirição a respeito de sua própria existência, criação e fim? E ao que se vê e sente em Her esta fronteira não merece questionamento se o sentimento envolvendo a equidade entre os dois entes – criatura e criador – for maior que sua constituição física, seja ela robótica ou biológica.

Em outras obras fílmicas, de longa ou curta duração, a discussão a respeito da transferência, imanência ou transcendência de humanidade para os autômatos criados por nós vem à tona – dotando-os de inteligência e sensibilidade imensuráveis –, muitas vezes superando nossas próprias condições de seres questionadores de nossos próprios propósitos neste mundo. Dentre estas obras podemos citar brevemente: Hal-9000, em 2001: uma Odisseia no Espaço (1968), Motoko Kusanagi em Ghost in the Shell (1995), Maria de Metropolis (1927), o Agente Smith da trilogia Matrix (1999-2003), David Swinton em I.A – Inteligência Artificial (2001),Sheldon e Francesca de I’m here (2010), o Robô de Gigante de Ferro (1999), o ciborgue T-800 em O Exterminador do Futuro II, Wall-E e Eva em Wall-E (2008), Cha Young-goon em Eu sou um cyborg mas tudo bem! (2006), GERTY em Lunar (2009), Roy Batty em Blade Runner (1982) e o curioso e vindouro Ex Machina (2015) estrelado por Alicia Vikander, dentre tantos outros exemplos que poderiam ser elencados aqui. E, de uma forma mais próxima ou distante estes contos fílmicos, por vezes inspirados em uma ou outra obra literária de maior ou menor expressão, podem ser remetidos à algumas grandes referências da transposição da consciência do ser humano para sua criação, como, por exemplo: Pinocchio (1883) de Carlo Collodi,Frankstein ou o Moderno Prometeu (1818) de Mary Shelley e a coletânea Eu Robô (1950) de Isaac Asimov.

O acréscimo dramático de Her, em comparação com estas outras referências fílmicas com temas similares ao seu, se dará por um salto representativo sobre estas questões envolvendo a consci ência existencial de uma máquina, conforme citado anteriormente. No entanto, mais do que uma liberdade para pensar (como é o caso do bicentenário Andrew Martin de Asimov), no caso de Samantha é nos apresentado um questionamento sobre a iniciativa em querer sentir, ou, em nenhum momento isto fica claro na projeção, ao menos emular com a máxima veracidade e profundidade virtual tais sentimentos para com outro ente, neste caso Theodore. E é interessante notar que, fazendo uma contraposição semiótica a A criação de Adão de Michelangelo Buonarotti em 1511 no caso da estória que nos é contada em Her os lados são invertidosjá que de onde deveria advir o racional, neste o IOS de Samantha é que emana o sentimento de cuidar, aproximação e amor e, no que se refere a Theodore, sua racionalidade, receio, insegurança e amarguras passadas fazem com que se torne reticente em muitos momentos do relacionamento que brota entre ele e seu emotivo sistema operacional.

Por fim, façamos novamente uso de outra máxima, também do retro-futurista duo-francês para melhor dialogar com Spike Jonze em sua trama.  Trata-se de um trecho da canção Touchpresente em seu último álbum Random Access Memories (RAM), que expressa a fala dos robôs: “Touch sweet touch; You give me too much to feel; You’ve almost convinced me I’m real, I need something more”. Ou seja, a partir do momento em que foi creditado à máquina o sentimento real entre esta e seu criador, ambos, e não só o IOS necessitam de mais, algo que vá além da própria condição imanente e transcendente de cada um, o que mais para o final da obra se tornará o auge de seu enredo.

A transcendência dual

Figura: Theodore e Samantha
Fonte: Her (2013).

E eis que as cores, ambientação, diálogos e estado de espírito dos personagens ganham outra dinâmica de expressão cenográfica. Os grandes planos abertos aos quais Theodore era enquadrado agora são substituídos pelos closes dos momentos entre ele e Samantha, seja na rua, nos passeios, nos momentos íntimos de seu apartamento (como na canção The Moon Songtocada por ele e cantada por ela), o compartilhamento do seu relacionamento com seus amigos de trabalho, e sua melhor amiga Amy, etc. O figurino de Theodore, que normalmente varia entre as cores rosa, salmão e amarelo agora transferem a acepção de sua mágoa por decepções anteriores para um novo olhar de otimismo perante a descoberta de alguém que o entende como jamais imaginara antes.

O fato de Samantha ser um sistema operacional desprovido de uma corporeidade, incrementa de forma considerável o impacto que sua presença causa em Theodore. E, neste ponto, cabe ressaltar o trabalho de voz realizado por Scarlett Johansson, que, com seu tom rouco e afável aumenta a sensação de humanidade na presença, postura e manifestações sentimentais do IOS. A ausência do contato físico entre os protagonistas da estória só faz com que a incompletude de ambos seja reforçada a medida que esta condição se transforma no propulsor da descoberta de cada um em relação aos sentimentos do outro, amadurecendo de forma gradativa o companheirismo, dialogia, entendimento e beleza do amor que os une, para além do imanente, numa verdadeira transcendência dualística inefável.

E ao menos duas metáforas sobre o corpo são trabalhadas no filme, em ambas o ato sexual ocupa o centro do debate. A primeira delas ocorre nos momentos de imersão da rotina solitária de Theodore, quando este se vê diante de um canal de diálogo anônimo, que, rapidamente, se torna um ato sexual telefônico distante de suas expectativas emocionais. O segundo momento se dá já com a presença de Samantha em sua vida, numa tentativa dela de emular um encontro “físico” entre eles, por meio de uma modelo corporal de aluguel, mas que, novamente, acaba por se mostrar uma frustração por parte do protagonista, devido à diferenciação deste momento com a sua ideação de relacionamento que possui com seu IOS.

E é aqui que podemos observar uma riqueza narrativa sem igual, que enaltece ainda mais a força dos argumentos apresentados em Her, já que é evidenciado de forma crua a abstenção pelo puro prazer corporal do sexo, tantas vezes difundido nos dias atuais como alternativa para uma sociedade dita pós-sentimental. O que Theodore busca, mesmo que de forma platônica, é algo que esteja além, e por ironia de sua história de vida que nos é contada no filme, o mesmo só encontrará tal reconforto dual com um ser acorpóreo, que, gradativamente irá mostra-lo o caminho para a redescoberta de si próprio e da abertura para uma nova trilha compartilhada de seu ser e estar (ou bem estar), mesmo que com um sistema operacional.

Se se é possível estabelecer um ponto crítico sobre a obra de Jonze, este pode ser alocado na temática do próprio amor e do amar, condição esta que é mostrada de forma amistosa nas remanescentes lembranças do protagonista e em sua empolgação progressiva a medida que melhor conhece e se envolve com Samantha. Esta reflexão é necessária pelo fato de não nos ser apresentada, como no caso do fim do relacionamento de Theodore com sua antiga esposa Catherine, os motivos do final da união, e, levando em consideração a alta carga sentimentalista nas expectativas do mesmo sobre relacionar-se, podemos supor a sua relativa prisão platônica, não exatamente na busca de um verdadeiro amor, mas sim, na ideia de amar como ponto de refúgio para suas próprias inquietações existenciais – esta mesma ideia foi trabalhada em outras obras como 500 dias com ela (2009) e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004) –, que são oferecidas a conta-gotas das primeiras às últimas cenas de Her, para que melhor entendamos suas posturas e pensamentos.

A história contada por Spike Jonze, após estes elementos apresentados, acaba por tomar contornos narrativos inesperados, contribuindo inclusive para a impossibilidade de classificação do gênero aos quais os personagens estão inseridos, ou seja, há momentos em que a ficção científica toma forma, passando pelo drama, comédia romântica, elementos fantásticos, lisérgicos, etc. Mas, apesar disso tudo, é na relação entre um ser humano e uma máquina que as reflexões se voltam, e na maneira como esta ligação pode ultrapassar parâmetros, expectativas e prerrogativas.

A compreensão catártica

Figura: cenas finais de Her. Fonte: Her (2013).

O diretor nos dá algumas pistas dos caminhos que levarão ao final de sua obra, em especial no momento em que Samantha revela para Theodore a intercomunicabilidade entre os IOSs, na formação de uma verdadeira rede de trocas de informações e dados, inclusive, como ela mesma demonstra, na criação de grupos de discussão e associação entre estes entes virtuais. Esta abertura do roteiro é um dos pontos de viragem do terceiro ato do filme, o ponto de causalidade que arrasta a obra para seu derradeiro fechamento. E este fim, que se pauta em uma poética e teleológica viagem a um limbo positrônico, ao qual Samantha é enviada, juntamente com seus iguais do mundo virtual, realça de uma forma intensa, o despreparo de nossa sociedade perante a equalização ôntica e ontológica de nossas criações eletrônicas a nós mesmos.

Deste modo ao longo de Her podemos perceber os indícios do caminho trilhado pelos personagens, Theodore, Samantha e de forma menos enfática Amy, em direção a uma catarse, tendo em vista que suas existências nos são apresentadas, desconstruídas para ao final do filme ser novamente construídas em novos patamares de compreensão íntima de cada um, com o amor e seus desmembramentos como núcleo irradiador de cada epopeia de sensações, emoções, decepções e realizações.

Como diria Victor Hugo “Vós, que sofreis, porque amais, amai ainda mais. Morrer de amor é viver dele.” já que Samantha e Theodore em seu amor um pelo outro perecem em seu arrebol, mas, ao mesmo tempo, renascem cada qual em uma nova condição de compreensão de si para consigo, e de si para com o mundo ao qual fazem parte, jamais sendo os mesmos após terem repartido suas existências um com o outro de forma tão plena, mesmo que efêmera.

Por fim, é difícil o encargo de uma elaboração fraseada ao final de Her, pois, para aqueles que realmente mergulharem na viagem cativa e reflexiva proposta pelo diretor terão em suas mentes o abalo de uma miríade de representações, simbolismos, metáforas e mensagens que são expostas ao longo de suas quase duas horas de duração.

FICHA TÉCNICA DO FILME

ELA

Título Original: Her.
Direção: Spike Jonze.
Roteiro: Spike Jonze.
Elenco Principal: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Rooney Mara.
Ano: 2013.

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Por que sentimos tanto ciúmes?

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Ciúmes é um processo que todos nós temos e vivemos, porém, existe o processo normal e patológico. Tanto um como outro deve ser administrado pela nossa consciência e pensamentos, pois a falta de sabedoria nas ações do ciúmes podem causar rupturas nos relacionamentos.

O Ciúmes é uma ação/característica dos seres humanos e é divida assim: Um “objeto”, “Eu” e o “outro”.

O Objeto pode ser uma pessoa, um carro, um relógio, uma casa, ou um bem qualquer. É o que desperta um desejo e, geralmente acontece quando olhamos, ouvimos, pensamos, observamos etc. algo ou alguém que nos interessa intensamente.

“EU” quer dizer a pessoa que está envolvida em querer o objeto desejado. É ação é sempre de uma pessoa (ser humano), pois como o que ativa o ciúmes é o desejo, logo somente alguém racional pode ter esse sentimento.

O “outro”, é na realidade o rival que tenta, mesmo de forma não intencional, o mesmo “objeto” que o “EU” deseja.

Por exemplo: Vamos imaginar que o “EU” tem um carro. O carro é o “objeto”. O “EU” mostra seu carro para as pessoas, porém percebe que o “outro” – uma pessoa específica- olha para o carro de forma que o “EU” acha que ele deseja o carro, logo, o “EU” tenta retirar o carro- “0bjeto” do olhar do “outro” e, para as outras pessoas o “EU” fala mal do “outro”, por imaginar que esse “outro” deseja seu “objeto”.

Outro exemplo: Vamos imaginar que o “EU” é casado com uma mulher (objeto). O “EU” não gosta de ver seu “objeto” conversando com os outros, porém, a mulher gosta de conversar com os outros.

O ciúmes funciona assim: O “EU” fica bravo com a mulher (objeto) e desdenha das pessoas que estavam falando com a mulher (outro).

No processo normal uma pessoa que tem ciúmes age alertando o “objeto” com palavras de alerta e carinho e demonstrando a importância que o “objeto” tem para ela. Comunica o “outro” sobre a importância do “objeto” para ela e solicita que a distância e respeito sejam mantidos.

No processo patológico do ciúmes a pessoa age ofendendo e brigando com o “objeto” e desdenhando do “outro”.

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Gerontofilia: do filme à reflexão

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A Gerontologia, desde os últimos 10 anos, tornou-se um dos temas de atenção e respeito em minhas leituras. Em parte, isso se deve ao perceber como os grupos organizados de mídia se articularam para construir sentidos sociocomportamentais sobre o envelhecimento – o ser, o estar e o sentir-se velho/novo numa sociedade hedonista consumidora – e, os embates que estudiosos da Gerontologia vêm travando para que o velho-idoso possa ir mais além da letra, isto é, do Estatuto do Idoso, e os diálogos interdisciplinares que estabelecem com o Direito, a Sociologia, a Medicina etc. A outra parte do interesse, obviamente, vem pela observação do tempo sobre mim, ou seja, como a senescência a lá Simone de Beauvoir me acena não tão mais distante.

Acostuma-se ao adentrar no universo de estudos da Gerontologia, associando-a às análises dos produtos midiáticos e num crossing-over com o Direito, a Filosofia, Sociologia e Psicologia, para observar e discutir além das problemáticas políticas e econômicas a produção do sentido de ser-estar velho. Infelizmente em peças processuais penais e criminais podem ser observados os inúmeros casos tanto de violências com os mais velhos – a construção do idoso indefeso-violentado-destituído de seus direitos -; como também em outras peças a imagem do velho decrépito, violador, do pedófilo. Vive-se em meio a esses pratos da balança.

No dia a dia, ao se levar em conta os pratos dessa estranha balança, também encontramos o “velhinho ebofílico midiatizado”, isto é, o super-hiper produzido vovozinho-tiozão que luta esteticamente contra o tempo e confirma o amor (a filia) ao frescor da adolescência. É comum, nessa sociedade ocidental, observar o “tiozão” trocar sua senhora (como a um objeto) por umagirl com 30 ou 40 anos a menos, um boy-garotão musculado e praticante de compras por atacado de roupas e perfumes de marca. Nos primeiros instantes causa estranhamento, depois em respeito da liberdade individual presente na Constituição Federal e na crença da salvação-danação individual (herança da tradição judaico-cristã ocidental, ainda precisando de muita psicanálise) acostuma-se com o fato e, com os mais próximos cria-se a aposta sobre o quanto durará aquela relação.

(Fonte: http://press.siff.net/SIFF%202014/Feature%20Films/Gerontophilia/)

Essa ebofilia tem se tornado mais visível nos “não-lugares” das grandes cidades (centros comerciais/praças de alimentação dos Shopping Centers, lojinhas de grifes, aeroportos e locais de turismo paradisíacos a bon prix – preços especialmente destinados ao bolsos e cartões de crédito não tão fornidos financeiramente- lojas de conveniência), mais usual entre homens idosos com moças e rapazes mais jovens e com muita discrição entre mulheres idosas e aquelas mais jovens. A observação é casual, assistemática, caso contrário cairia eu também num transtorno obsessivo moralista… apenas utiliza-se ferramentas teóricas de análise apreendidas ao longo da vida de estudos.

Dores da alma, desvio genético, recalque, frustração, compensação, utilitarismo, puro amor, atração afetivo-sexual incontrolável… o leque de hipóteses, diagnósticos e prognósticos é grande, enquanto se discute ela continua em ocorrência, assentando-se nas novas pólis de neón e, garantindo um excelente filão de mercado.

(Fonte: www.frontrowreviews.co.uk)

Aprende-se pela cotidianidade a analisar o que se percebe e se sente ou se ressente também, destaca-se dessa realidade empírica objetos que se tornam aqueles “objetos” teóricos para recorte analítico. Mas nem tudo funciona como se fosse lição de aula de epistemologia. O que salta a vista, às vezes, assusta e adere a pele e ao pensamento, fazendo-se presente e instigando à investigação.

Um dos últimos filmes assistidos, o pacote midiatizado me deu um susto, isto é, me trouxe a baila a gerontofilia. O lado reverso da ebofofilia ou da pedofilia?

(Fonte: www.hollywoodreporter.com)

Quando se pensa que o vocabulário de doenças, desvios, males ou a se questionar se verdadeiramente o são, vem a gerontofilia, que por meio de um filme me forçou a busca de seu entendimento.

Forçou-se me a buscar na Classificacão Internacional de Doenças (CID) e nos critérios do DSM-IV  proveniente da Associação Psiquiátrica Americana termo como parafilia (anomalias, desvios e ou perversões sexuais) demarcado com tipologias especificadas (exibicionismo, fetichismo, festichismo transvéstico, frotteurismo, pedofilia, masoquismo sexual e voyeurismo) e um grupo com diferentes variações ou seja, aquelas denominadas de “outros transtornos da preferência sexual”, CID 10, F65.8. A lista de denominações e características é grande, vai de auto-erotismo a zoofilia, incluindo a também a gerontofilia. E com as culturas do cibermundo, a lista tende a aumentar.

O comportamento sexual de uma pessoa parafílica situa-se numa zona de perigo ao transferir o desejo sexual para um objeto específico ou tipo de pessoa, pois os limites das normalidade e anormalidade são muito tênues.

A gerontofilia (o amor pelo velho/idoso) no mercado de corpos e ressignificação dos idosos, como objetos também de consumo e consumação, ganha espaço na sociedade pós-século XX, porque mascara o que é patológico por uma lógica do livre prazer advindo de um interesse sexual específico. O amor ao idoso ganha essa conotação erotica e tendenciosamente comercial apelativa. Isso pode ser verificado também em profissionais do entretenimento com amplo tráfego midiático. Atrizes acima de 60 anos e seus jovens mancebos em defesa da relação intergeracional, afinal, outro conceito bem trabalhado pela mídia.

E nessa perspectiva maliciosa do amor intergeracional e da gerontofilia – enquanto uma parafilia – o realizador canadense Bruce LaBruce, já conhecido no circuito alternativo cinematográfico como um criador de provocações tirando do camp, do lixo e da comédia caústica suas histórias, lançou seu filme Gerontophilia. Dá para imaginar um amor super chato e convencional entre um jovem de 18 anos, de beleza angelical numa versão pop masculina de Lolita, com um senhor de oitenta anos?

O filme, produção canadense de 2013, traz um jovem que vive com uma mãe alcóolica e tem uma namoradinha cujos gemidos e sussuros são distinguidos como nomes de revolucionárias femininas até mencionar o da atriz Winona Ryder. O trash começa a encher a caneca. Figura paterna inexiste, algo edipianamente reverso? O garoto manifesta sua atenção especial para com os mais velhos desde a ereção voluntária na piscina onde é salva-vidas, ou outras em cenas presentes logo no início da narrativa.

(Fonte: http://gossip.libero.it/focus/26633844/gerontophilia-il-film-scandalo-di-venezia/venezia-film-scandalo/?type=naz)

É importante mencionar, sem praticar o spoiler, que a esquisita mãe garante ao mancebo um trabalho de cuidador numa residência para idosos. Lake, o rapaz, cai de tesão pelo octogenário M. Peabody. LaBruce faz o clássico slowmotion quando Lake lava pela primeira vez seu paciente.

LaBruce foge da discussão sobre aquela relação, escamoteia para uma romance pseudo beira de estrada-rodovia (um road movie seria por demais pretencioso), com direito a chileques de ciumes de Lake. Corte nas cenas de aventura, realidade retorna para o diretor do filme. Outras relações com mútuo benefício intergeracional ocorrem na película. É assustadora a relação da namoradinha com o chefe na livraria.

E é ai que o perigo mora, com exceção da interpretação impecável do octogenário, os demais membros do elenco estão próximos do “não tão ruim de tudo” contribuindo para a pulverização da discussão sobre a gerontofilia e do amor intergeracional. Pulverizada na narrativa, o que se assiste é uma narrativa que não quer tocar no discernimento psicológico de Lake (em português, lago). LaBruce preferiu criar uma polêmica midiática para festivais que a mergulhar no lago para auxiliar no entendimento sobre a intergeracionalidade e os limites com a gerontofilia.

O filme é provocativo mas não subverte. Como produto midiático oferta possibilidades sociocomportamentais, para os que se debruçam sobre a Psicologia, Filosofia, Sociologia e Gerontologia nos brinda com uma porta de entrada para iniciar uma discussão até então estranha aos nossos ouvidos, isto é, sobre a gerontofilia. As imagens e trilha sonora oferecem um chamamento à fruição estética, mas nem tudo ocorre em edição digital com soundtrackbonitinha. A vida não roda em slowmotion.

FICHA TÉCNICA

GERONTOFILIA

Título Original: Gerontophilia
País: Canadá
Direção: Bruce LaBruce
Roteiro: Bruce LaBruce, Daniel Allen Cox
Produção: Nicolas Comeau, Leonard Farlinger, Jennifer Jonas
Música: Ramachandra Borcar
Fotografia: Nicolas Canniccioni
Edição: Glenn Berman
Elenco: Pier-Gabriel Lajoie; Walter Borden; Katie Boland; Marie-Hélène Thibault; Yardly Kavanagh
Ano: 2014

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