Amor Líquido: a problemática das relações amorosas e dos vínculos familiares na literatura contemporânea

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“A humanidade é uma grande esperança perdida. Cada homem está trancado dentro de si mesmo e sua alma é semelhante a um poço onde só o sofrimento vive e se agita”.(Tennessee Williams)

Como são afetadas as relações amorosas e os vínculos familiares na era do amor líquido?

Em Amor Líquido, Bauman (2005) afirma que o “amor líquido” representa a fragilidade dos laços humanos e a série de artimanhas que os seres humanos engendram para substituí-lo. Ao tentar definir a temática dessa obra, afirma que “(…) o principal herói deste livro é o relacionamento humano.” (BAUMAN, 2004, p. 08)

Para o autor o amor líquido é resultado da modernidade líquida ou pós-moderna. Esse período se traduz num mundo cada vez mais fragmentado e de um sujeito cada vez mais confuso consigo mesmo, com o espaço que ocupa e com o tempo que o rodeia.

Numa entrevista, a Revista Cult1, Bauman afirma que

(…) A modernidade líquida é um momento em que a sociabilidade humana experimenta uma transformação que pode ser sintetizada nos seguintes processos: a metamorfose do cidadão, sujeito de direitos, em indivíduo em busca de afirmação no espaço social; a passagem de estruturas de solidariedade coletiva para as de disputas e competição; o enfraquecimento dos sistemas de proteção estatal às intempéries da vida, gerando um permanente ambiente de incerteza; a colocação da responsabilidade por eventuais fracassos no plano individual; o fim da perspectiva do planejamento a longo prazo; e o divórcio e a iminente apartação total entre poder e política. (OLIVEIRA, 2009)

Essa crise provocada pela modernidade líquida assola o indivíduo com o individualismo e o narcisismo exacerbado. Vive-se hoje num mundo fragmentado, sem referências e à deriva. Essa nova realidade tem afetado diretamente o cotidiano das pessoas, trazendo interferências negativas, em especial nos relacionamentos.

O pensador reflete sobre esse retrato do mundo contemporâneo “o amor líquido”, tanto nos relacionamentos pessoais como no convívio social cotidiano, numa sociedade mediada por tecnologia. Ele diz:

(…) talvez seja por isso que, em vez de relatar suas experiências e expectativas utilizando termos como “relacionar-se” e “relacionamentos”, as pessoas falem cada vez mais (auxiliadas e conduzidas pelos doutos especialistas) em “conexões”, ou “conectar-se” e “ser conectado”. Em vez de parceiros, preferem falar em “redes”.(BAUMAN, 2005, p.12)

Desta forma, a internet assumiu a função de conectar pessoas, formar redes de relacionamentos, cada vez mais flexíveis.

Bauman busca investigar as fragilidades desses novos laços humanos, bem como a insegurança que esses desejos conflitantes geram nos relacionamentos, tanto de estreitá-los como de mantê-los frouxos. Sobre isso, ele afirma que

(…) a misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e os desejos conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos, é o que este livro busca esclarecer, registrar e aprender. (BAUMAN, 2005, p. 8)

Segundo Bauman, a modernidade líquida criou uma nova era nos relacionamentos, que estão cada vez mais fragilizados e desumanizados.

Como corpus ficcional de análise, escolheu-se abordar duas obras literárias, um romance experimental brasileiro Mamma, son tanto felice, de Luiz Ruffato2 e uma peça teatral estadunidenseUm bonde chamado desejo3, de Tennessee Williams.

Assim, propõe-se análise dessas duas obras literárias que tematizam a existência humana e refletem sobre o comportamento humano, por meio de suas personagens diante do amor/desamor e dos vínculos familiares.

O amor líquido na literatura

Ao se considerar que as relações amorosas e os vínculos familiares estão cada vez mais flexíveis, permite-nos vivenciar o amor líquido e com ele a fragilidade e a inconstância dos laços humanos. Portanto, neste artigo, parte-se do pressuposto que a construção das personagens e que a presença de traços do chamado “amor líquido”, permeiam as relações sociais nas obras literárias analisadas.

A obra Mamma, son tanto felice (2005), de Luiz Ruffato, apresenta uma forma de construção literária experimental tanto pela fragmentação textual como por sua não linearidade narrativa e estrutural. A linguagem utilizada, no texto, é coloquial, com um intenso refinamento linguístico, incluindo invencionices verbais, uso de neologismos e regionalismos.

A obra tematiza a existência humana. Dividem-se em seis histórias/fragmentos, todas com títulos. As narrativas são, respectivamente, Uma fábula retrata uma pequena comunidade italiana chamada Rodeiro, no interior de Minas Gerais. Um pai (Michelotto velho) vingativo e violento mata cruelmente a filha, depois acompanha o desmoronamento familiar e a morte da esposa; Sulfato de morfina aborda a doença de Dona Paula e rememora sua relação com o marido, já falecido e os filhos adultos; Aquário apresenta um encontro entre mãe e filho (Carlinhos) em que ajustam situações aflitivas e conflituosas do passado familiar; A expiação conta a história de um homem padece pela culpa por ter provocado um acidente fatal; O alemão e a puria narra a trajetória de um casal incomum, um homem enorme casado com uma mulher baixinha. Um alemão recém-casado com uma puria. Um dia, o alemão desaparece, sem deixar vestígios; O segredo revela que um homem guarda um segredo e vive conflitos existenciais.

Como recorte, neste artigo, propõe-se somente a análise da última história/fragmento. O segredopossui 25 fragmentos numerados em algarismos romanos e apresenta um personagem chamado “o professor”, que ouve durante toda a narrativa os compositores Bach e Beethoven, questionando-se qual das óperas ele deveria escolher. Ao longo da leitura, descobre-se que ele escolhe a trilha sonora de sua morte, ficando entre a cegueira de Bach ou a surdez de Beethoven.

Um ponto importante de análise dessa história é a relação com a memória. A personagem rememora o passado por meio de flashbacks e alguns fluxos de consciência, ficando no limiar entre a memória e o delírio, em várias passagens do texto.

Durante a leitura, há uma construção da personalidade de Francisco, um menino que fora na infância pobre e feliz, ao lado da mãe e dos irmãos. Sua identidade e a felicidade vão sendo perdidas ao longo do texto. Aos poucos, a criança feliz vai se transformando num adulto solitário, desconfiado e sem alteridade. Esse é o caminho que o personagem vai trilhando, primeiro como professor, depois como escritor, para finalmente ir desumanizando-se, até se transformar em “terno-gravata”.

O professor é o menino Chico, descendente de italianos e que na infância morava num lugarejo chamado Rodeiro. “E o Meritíssimo Senhor Juiz prosseguiu: – Senhor Francisco Pretti: o senhor se declara culpado ou inocente?” (RUFFATO, 2005, p. 154). Sabe-se, somente, na metade da narrativa que o nome do professor é Francisco Pretti. Este nome foi mencionado pelo juiz, durante um delírio de grandeza do professor, em que ele se imagina julgado, condenado e morto, pela sociedade.

O menino e depois o adolescente Chico, perde aos poucos o contato com os pais e com os irmãos, que por não terem estudado e por estarem em condições financeiras precárias são desprezados pelo irmão, agora estudado, com verniz intelectual e quase padre.

Esse fato fica bem nítido, na ocasião da morte da mãe “(…) alguns anos depois, morreu. Derrame… Revi meu pai. Revi meus irmãos. Tive vontade de ficar por ali com eles, mas… Já não pertencia àquele universo”. (RUFFATO, 2005, p. 25)

Percebe-se, pela leitura desse fragmento, um homem em conflito, consigo mesmo, numa crescente crise existencial que vai se incorporando a sua existência.

Abordando os relacionamentos, Bauman, frisa que “(…) no líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência.” (BAUMAN, 2005, p.8)

Ainda, de acordo com Bauman

(…) talvez a própria ideia de ”relacionamento” contribua para essa confusão. Apesar da firmeza que caracteriza as tentativas dos infelizes caçadores de relacionamentos e seus especialistas, essa noção resiste a ser plena e verdadeiramente purgada de suas conotações perturbadoras e preocupantes.(BAUMAN, 2005, p.11-12)

Observa-se na construção do personagem Francisco alguns elementos como o apego a rotina imutável e o egocentrismo, com isso reproduzindo nas relações afetivas tanto com o pai, à mãe e os irmãos, como nas relações sociais, já que ele possuía somente dois amigos, o editor chefe do jornal e o farmacêutico. Na esfera doméstica, temos um convívio do professor com Dona Conceição e um ensaio de mal sucedido romance com Silvana.

Esses relacionamentos revelam bem a falta de humanidade do professor e a tentativa de substituição de sua empregada Conceição por outra, neste caso, a filha Silvana. Não se sabe nada a respeito do caráter de Silvana e de seu comportamento, já que todas as informações são dadas por um narrador em 1ª pessoa, portanto não confiável, que se revela ser o próprio Francisco. Ele compara Silvana a uma cobra que se instalou na sua cama e na sua vida. Francisco retorna, por meio da memória, a uma história da mãe, na infância, que encontrou um ninho de cobras debaixo da cama e que o avô fez uma tocaia para exterminá-la.

O professor conta um segredo para Silvana, e que aparentemente ela o espalha. O professor, então, decide contratar um assassino para matá-la. Porém, diante da recusa do matador em eliminar uma mulher, ele oferta outra solução, matar o homem que mora com Silvana, ou seja, ele próprio. Conforme Bauman afirma “(…) o amor pode ser, e frequentemente é, tão atemorizante quanto a morte.” (BAUMAN, 2005, p. 23)

Assim, pode-se pensar na tentativa de Francisco em construir e destruir, o laço amoroso com Silvana. Diante da impossibilidade de viver este amor e do temor diante do desconhecido, ele prefere a morte.

A obra Um bonde chamado desejo (1947), de Tennessee Williams, estreou em 1947, emBarrymore Theather em Nova Iorque.

Ganhou o prêmio Pullitzer Prize e foi adaptada para o cinema em 1951. Essa peça foi sucesso de público e de crítica. Foi encenada em muitos países e traduzida para vários idiomas.

Os primeiros textos de Tennessee Williams foram aclamados pela crítica especializada. As peças do dramaturgo abordam temas4 como a morte, a violência, a paixão, o adultério e o falso moralismo. Suas personagens são urbanas e representativas da vida cotidiana norte-americana. No prefácio da peça, tem-se uma visão da apresentação e da representação dessas personagens.

(…) são criaturas tristes e solitárias: bêbados, poetas vagabundos, operários humilhados, mulheres reprimidas, homossexuais atordoados pela perseguição, atores sem papel, damas decadentes, virgens loucas, prostitutas feridas. Sem exceção, um mesmo estigma os tortura: estão sós.(WILLIAMS, 1984, p. 12)

Um bonde chamado desejo apresenta a vida do casal Kowalski (Stanley e Stella) e como esses tiveram sua rotina mudada com a chegada de Blanche Dubois, irmã de Stella. A peça tem como cenário a cidade de Nova Orleans e retrata o período histórico do pós Segunda Guerra Mundial. Eles residem num apartamento, numa área pobre da cidade e Stella está grávida. Blanche conhece Stanley, seu cunhado, e se sente desconfortável na sua presença. Blanche, após ser questionada por Stanley sobre seu passado, conta que se casou muito jovem e que o marido morreu. Stanley desconfia dessa história, em vários outros momentos, mostra-se hostil à cunhada.

O relacionamento e as intrigas são uma via de mão dupla na peça: Blanche irrita o cunhado pelas constantes reclamações que ela verbaliza e Stanley é mal visto por ela por sua rudeza e grossura. Durante uma visita de amigos para um jogo de pôquer, Stanley bebe demais e espanca Stella. Ela e a irmã fogem para o apartamento de um vizinho. No entanto, Stella volta para casa, se reconcilia com o marido numa noite de sexo selvagem. Blanche fica chocada diante da reconciliação, mas sua atenção ganha outro foco, ao conhecer Mitch, um amigo de Stanley.

Nos dias seguintes, Stanley ouve Blanche falar mal dele e desse dia em diante, torna-se seu inimigo, e disposto a destruí-la.

Na sequência da leitura, descobre-se que Blanche tem um passado promíscuo, em Laurel, cidade onde residia. Ela se sentia solitária na pequena cidade, por isso se relacionou com vários homens, destruíndo sua reputação e levando-a perder o emprego de professora.

Blanche e Stanley se tornam inimigos, agora declarados. Blanche passa a abusar do alcool e Stanley passa a investigar o passado dela, descobrindo seu segredo e o revelando para Mitch. Diante da descoberta do passado negro, Mitch abandona Blanche.

Como golpe final, Stanley compra passagens de ônibus para Blanche voltar à cidade natal, a qual havia sido quase expulsa. Diante do fato, Stella discute com o marido e no meio da briga ela pede que a leve para hospital, pois a criança irá nascer.

Blanche começa a fazer as malas e se excede na bebida. É assim que Mitch a encontra, bêbada. Mitch quer saber sobre o passado dela e ela acaba confessando a vida devassa. Depois de ouvir a confissão, ele tenta abusar dela. Ela o recusa e o expulsa do apartamento.

Na obra Amor Líquido Bauman falando sobre Eros e pensando na fronteira tênue entre a carícia e a agressão, afirma que

(…) e não há senão uma tênue fronteira, a qual facilmente se fecham os olhos, entre a carícia suave e a garra que aperta implacável. Eros não pode ser fiel a si mesmo sem praticar a primeira, mas não pode praticá-la sem correr o risco da segunda. Eros move a mão que se estende na direção do outro – mas mãos que acariciam também podem prender e esmagar. (BAUMAN, 2005, p. 22-23)

Em seguida, Stanley retorna para casa, deixando Stella em trabalho de parto no hospital. Stanley novamente fala sobre o passado impuro de Blanche, e depois a estupra.

(Ele salta na direção dela, virando a mesa. Ela dá um grito e o golpeia com o gargalo da garrafa, mas ele a agarra pelo pulso.) Largue, vamos! Largue a garrafa, sua gata-do-mato! A gente tinha esse encontro desde o começo! (Ela geme). O gargalo da garrafa cai. Ela cai de joelhos. Ele apanha a figura inerte de Blanche e a carrega para a cama. O trompete e a bateria dos Quatro Naipes soam alto. (WILLIAMS, 1984, p. 209)

A cena de estupro pode ser lida à luz da teoria de Bauman, quando aborda os produtos de consumo e os refugos. Ele diz que o desejo é um impulso de destruição. Também dialoga ao dizer que “(…) em nosso mundo de furiosa “individualização”, os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro.” (BAUMAN, 2005, p. 8)

Para Blanche, a relação familiar, torna-se um pesadelo em que é vítima de um crime. Algumas semanas mais tarde, um novo encontro é marcado para jogar pôquer, Blanche sofre uma crise e conta a Stella sobre o estupro, porém a irmã não acredita nela. Um médico é chamado e encaminha Blanche para um hospício.

Nota-se, na peça, a relação de Stella com a irmã e marca a falta de sensibilidade e de amor de Stella para com a irmã, quando a interna no sanatório.

STELLA

Que foi que eu fui fazer à minha irmãzinha? Oh, meu Deus, que foi que eu fui fazer à minha irmãzinha?

EUNICE

A única coisa que você podia fazer. Ela não pode ficar aqui, e não havia outro lugar para ela ir. (WILLIAMS, 1984, p. 219)

A peça termina com Stalley confortando a esposa e com os outros homens jogando, indiferentes ao drama familiar.

STANLEY (um pouco hesitante) Stella?

(Ela soluça com triste desolação. Há algo de voluptuoso em sua completa rendição ao choro, agora que sua irmã se foi)

STANLEY (sensualmente, acalmando-a) Ora, meu bem. Ora, amor. Ora, ora, amor. (Ajoelha-se ao lado dela e seus dedos encontram a abertura da blusa dela) Ora, ora, amor. Ora, amor… (O voluptuoso soluço e o murmúrio sensual desaparecem sob a crescente música do piano blue e do trompete em surdina). (WILLIAMS, 1984, p. 229)

A peça pode ser lida como um retrato ácido da desintegração humana e suas conturbadas relações sociais. Observa-se, claramente que Tennessee Williams, se identifica com a temática existencial e, em alguns momentos percebe-se elementos autobiográficos “(…) filho do sofrimento e do preconceito (…), sua vida está sempre presente em sua obra literária. Em cada personagem que cria há um pouco dos fantasmas que povoam sua memória”.(WILLIAMS, 1984, p. 12)

O relacionamento conturbado com a família fez do dramaturgo um grande escritor e pensador das relações humanas, como diz Bauman

(…) Não admira que os “relacionamentos” estejam entre os principais motores do atual “boom do aconselhamento”. A complexidade é densa, persistente e difícil demais para ser desfeita ou destrinchada sem auxílio. (BAUMAN, 2005, p.9)

Assim, conforme a biografia de Williams, a literatura o salvou da tristeza profunda e da morte. Segundo, Williams “(…) os recalques apresentados no palco purgam os espectadores de seus próprios recalques: nas neuróticas criaturas, cada um projeta a sua própria neurose”. (WILLIAMS, 1984, p. 11)

Considerações

Pensa-se na era do amor líquido em algumas questões: Como viver junto? Como conviver com o outro? Como amar? Essas questões lembram o filósofo francês Barthes que diz “(…) Paradoxo erótico: os corpos estão agarrados, entretanto não fazem amor, quanto mais fechada a idioritmia mais o eros estava sendo banido (…) em direção a uma erotização da distância”. (BARTHES, 2003, p.11-12)

Bauman assevera sobre a obra Amor Líquido “(…) este livro é dedicado aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, em nosso líquido mundo moderno.” (BAUMAN, 2005, p.13)

Desta forma, objetivou-se, neste artigo, refletir sobre os relacionamentos humanos observando-se como as análises e interpretações evidenciam a presença de traços do amor líquido e da modernidade líquida de Bauman, tanto na temática quanto na construção das personagens nas obras literárias.

Finaliza-se, esta discussão sem esgotar a inquietação diante do tema. Os textos dramáticos e não dramáticos contemporâneos pensam a vida e o comportamento humano, ante a barbárie e o mal-estar da modernidade líquida.

Notas:

1Entrevista de Zygmunt Bauman à Revista CULT, na Edição 138. Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/entrevis-zygmunt-bauman/>.

2RUFFATO, Luiz. Inferno provisório – Volume I: Mamma, son tanto felice. São Paulo: Editora Record, 2005.

3WILLIAMS, Tennessee. Um bonde chamado desejo. Trad. Brutus Pedreira. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

4No Brasil, Nelson Rodrigues, aborda esses temas, com semelhante acidez e crítica social.

 

Referências:

BARTHES, Roland. Como viver junto. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BAUMAN, Zigmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

____. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

____. O mal estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

OLIVEIRA, Denis de. A utopia possível na sociedade líquida. Entrevista com Zygmunt Bauman. São Paulo: Revista Cult. nº 138, Ano 12, ago/2009.

RUFFATO, Luiz. Inferno provisório – Volume I: Mamma, son tanto felice. São Paulo: Editora Record, 2005.

WILLIAMS, Tennessee. A streetcar named desire. London: Methuen Student Edition, 1984.

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Uma Lição de Amor: a importância do cuidado nas relações parentais

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“Uma lição de amor” é um filme produzido e dirigido por Jessie Nelson, cuja direção permite que seus filmes sejam dotados de um incrível equilíbrio, entre a tensão e o lado cômico que norteia temas tão densos quanto este. O filme narra a história de Sam (Sean Penn) um homem de aproximadamente 40 anos, deficiente mental que luta na justiça pela guarda de sua filha, Lucy (Dakota Fanning), de sete anos.

São poucas as informações sobre a doença de Sam, o que podemos notar é que sua patologia está ligada a limitação da inteligência. Sam possui a capacidade intelectual de uma criança de sete anos, um dos fatores que o faz perder a guarda de Lucy.

Segundo Dalgalarrondo (2008) a inteligência é um conceito fundamental para psicologia, no entanto não há um único conceito para defini-la, o que se pode dizer é que a inteligência pode ser definida como um conjunto das habilidades cognitivas do indivíduo.

Com base na literatura, podemos considerar que Sam possui retardo mental moderado, conhecido também por oligofrenia moderada ou imbecilidade. Isso porque, portadores de Retardo Mental Moderado apresentam (baseando-se em testes de inteligência) um QI na faixa de 35 a 49, o que equivale a idade mental de uma criança de 6 a 9 anos. Apresentando sintomas tais como: desenvolvimento neuropsicomotor lentificado e incompleto (particularmente na linguagem e na compreensão) (DALGALARRONDO, 2008).

Apesar de sua condição mental, Sam tem uma vida normal, sua rotina é como a de qualquer outra pessoa; trabalha durante o dia, cuida de Lucy, sai com os amigos, faz compras e respeita as regras. Destaco aqui que, em casos de retardo mental moderado, a vida completamente independente na idade adulta dificilmente é alcançada. Não se sabe o histórico de vida dele e nem quais foram as condições de tratamento (estrutura, técnicas e supervisão) que ele recebeu. Pelo contexto do filme, podemos associar que o ambiente em que Sam foi criado possibilitou que ele desenvolvesse sua autonomia, podendo levar uma vida normal. É um homem apaixonado por Beatles, sabe todas as músicas e informações sobre a banda, até mesmo o nome de Lucy foi em homenagem a uma música da banda.Cenas assim, em que ele mostra sua paixão pela banda, ou quando está com seus amigos, que permitem que o filme tenha uma leveza e desvia um pouco do drama e tensão pelo quais estão passando Lucy e Sam.

Sam é o único responsável por Lucy, isso porquê a mãe da criança os abandonou logo após o nascimento da menina, ele, no entanto, não deixa de criar Lucy, e recebe a ajuda de alguns amigos (a maioria também com problemas mentais, sendo eles responsáveis pela parte cômica e leve do filme). Aqui associamos a outra característica de indivíduos com retardo mental moderado: apesar de serem desajeitados no contato interpessoal, eles gostam de interagir e estabelecem diálogos sempre.

O drama de pai e filha começa quando uma assistente social julga que Sam é incapaz de criar Lucy, levando em conta seu retardo mental e de que a criança está evitando seu desenvolvimento para se igualar ao pai. A justiça então fica com a guarda de Lucy e a encaminha para a adoção.

Sam ao se deparar com a situação se desespera e decide procurar por um advogado, com a intenção de recuperar a guarda de sua filha. Sabendo que se trata de algo muito difícil ele vai em busca de uma das melhores advogadas da cidade, que é claro, recusa o caso pelo fato de Sam não ter dinheiro para pagá-la. Mas, como quer provar que é capaz de aceitar causas humanitárias, que não trabalha só por dinheiro, Rita (Michelle Pfeiffer) volta atrás e resolve ajudá-los.

A partir daí começa a difícil tarefa de convencer o juiz que Sam é capaz de criar Lucy sem que isso afete seu desenvolvimento.  E não só a vida de Sam se transforma, Rita também aprende muito com seu cliente, principalmente ao que diz respeito a importância da atenção dos pais no desenvolvimento de seus filhos. Ela, por ser uma advogada tão famosa, acaba que deixando o filho sozinho, o que resulta num conflito entre mãe e filho. Quando começa a trabalhar no caso de Lucy, Rita se envolve no caso de maneira que beneficia a todos.

Não podemos analisar uma história, um caso ou um filme de um único ângulo, isso porque não existe somente “um lado da moeda”. “Uma lição de amor” traz além do tema central, outros temas que merecem atenção, que vale a pena serem discutidos e que possibilita muitas reflexões. Existe toda uma crítica por trás dos cuidados que os pais devem ter com seus filhos e da importância da participação dos pais no desenvolvimento dos filhos: atenção, carinho, amor, proteção, ensinamentos (regras, deveres, direitos). Podemos perceber também uma crítica em relação a forma como limitamos as pessoas portadoras de transtornos mentais. Será que realmente damos à elas autonomia suficiente? Por que um pai com deficiência mental não pode ajudar na criação de seus filhos?

Sam, durante toda sua luta pela guarda da filha, tenta de todas as maneiras provar que dentro das suas limitações é capaz de cuidar da filha, e é isso que ele mais gosta de fazer. É capaz de esquecer qualquer outra coisa, menos o que ajuda a criança a dormir quando está com dificuldades de “pegar no sono”. São detalhes pequenos, mas que, quando somados, mostram a grandiosidade e incrível capacidade de Sam de criar sua filha.

O que todos julgavam em Sam era se ele tinha capacidade de criar Lucy sozinho, mas ninguém se atentou que ele não queria essa exclusividade, a única coisa que Sam desejava era cuidar de Lucy. “O amor de Sam pela filha e a sua vontade de criá-la, nos faz refletir sobre até que ponto o ser humano é julgado por causa de seu estereótipo (FERNANDES e LEDUC. 2009, s/p)”.

Assim, o filme acaba por trazer, mais uma vez, a importância de se observar, de prestar mais atenção no “olhar para o outro”, mas de forma completa, sem pré-conceitos. Buscar entender o que o outro quer e espera, para depois obter alguma conclusão, se é que existe uma única conclusão.

“A inocência, a sinceridade e a bondade do personagem Sam nos transmite que tudo é possível quando há amor! A importância desse sentimento é demonstrada por uma das falas da personagem Lucy: “Tudo o que eu preciso é amor!”  (FERNANDES e LEDUC, 2009, s/p).

 

 

FICHA TÉCNICA

UMA LIÇÃO DE AMOR

Título Original: I’ am Sam.
Gênero: Drama
Direção:Jessie Nelson
Roteiro: Jessie Nelson, Kristine Johnson
Elenco: Brad Silverman, Dakota Fanning, Dianne Wiest, Doug Hutchison, Eileen Ryan, Janet Adderly, JennaBoyd, Joseph Rosenberg, Laura Dern, Loretta Devine, Michelle Pfeiffer, Richard Schiff, RussFega, Scott Paulin, Sean Penn, Stanley DeSantis, Wendy Phillips, Will Wallace
Produção: Richard Solomon
Fotografia: Elliot Davis
Ano: 2002

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Carlos Drummond de Andrade: o mito do homem que se fez poesia

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Toquem as trombetas, estendam o tapete vermelho, alinhem a mente e o coração para a passagem do “Poeta Maior” da literatura brasileira…

Sempre achei que deveria existir o verbo DRUMMONDIAR como sinônimo de criar, sonhar e amar. Seria uma honra para o  vocabulário da arte poética ser condecorado com essa palavra de rara beleza e significação mergulhada no infinito.

Esse notável poeta da literatura brasileira não nasceu, somente, mas foi profetizado. Parodiando a citação bíblica “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha igreja” (MT, 16, 18), o Criador pressagiou “Sobre esta Pedra edificarei a poesia”. Assim, Carlos Drummond de Andrade nasceu no dia 31 de outubro de 1902, em Itabira, cuja origem no tupi, sugestivamente, significa Pedra (Ita) que brilha (bira).

A profecia se cumpre quando Drummond, o nono dos catorze filhos dos primos Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusta Drummond, que nasceu na Pedra que brilha (Itabira), consegue com maestria transformar “ pedra” em poesia.

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei deste acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho

Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.

Transformou suas pedras do caminho em inspiração reflexiva que mobilizou todos os nossos sentidos na tentativa de compreender as paradoxais intempéries da existência humana. Drummond indaga a inconsistência imensurável da sociedade que zomba do humano e se aproxima do escárnio pela existência dos plurais Josés deste mundo de “Meu Deus”

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José

E agora, José?
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora José?

Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama protesta,
E agora, José?

Esse mergulhar nas reflexões da alma do mundo desperta um Drummond inadaptado, um ser GAUCHE, como ele mesmo se intitulava. Tamanha era sua inquietude que, da sua subjetividade conflituosa, emerge um “eu-retorcido”

Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

 

Quando Drummond proclama a liberdade das palavras poéticas para proferir “Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus/se sabias que eu era fraco.”, pressente-se o indivíduo no “choque social” que representa um homem impotente, talvez incapaz de suportar as dores e mazelas da humanidade, mas  poeta competente na investigação da realidade humana. Contempla-se, nessa fase, um poeta inconformado com o estilhaçamento da humanidade, diante do vazio e do nada.

 

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais meu Deus
Tempo de absoluta depuração
Tempo em que não se diz mais meu amo
Porque o amo resulta inútil

E os olhos não choram
E as mãos tecem apenas o rude trabalho
E o coração está seco

Nesse momento em que a esperança se comporta como uma pipa fugitiva ao sabor do vento ao se encantar com a infinitude do céu azul, Drummond não permite o desfalecimento pelo porvir. Então, o poeta domina sua pipa multicor que baila nos zéfiros das recordações mais sublimes, guarda-a na sua mala de sentimentalismos, dirige-se à estação e adentra no bonde do escapismo que o leva, em pensamentos, à Itabira- MG, cidade onde nasceu e viveu sua doce infância. Itabira das imensuráveis reminiscências de outrora, tão presente nas lembranças dos primeiros anos de sua vida, mas tão diferente na realidade em que foi transformada. Por isso, para Drummond, Itabira sempre será abrigo do passado.

Confidência do Itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente, nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso : de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calcadas
Oitenta por cento de ferro as almas.
E esse alheamento do que na vida é
Porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paraliisa o trabalho,
Vem de Itabira, de suas noites brancas, sem
Mulheres e sem horizontes.

……………………………………………………………………………………………………………….

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
É doce herança Itabirana.

………………………………………………………………………………………………………………..

Enfatizar esse verso divino de Drummond consiste obrigatoriedade “A vontade de amar, que me paralisa o trabalho”. Amar ou Drummondiar? Eis  a questão! Referir-se a Drummond faz divagar nossa alma no mar de AMAR….Se o AMOR para o poeta paralisou o trabalho, em nós, seus súditos apaixonados, o AMOR paralisa e mobiliza nossas existências.

E em se tratando de AMOR, Drummond, como caminheiro costumaz  e extremo conhecedor, ensina-nos o caminho das pedras que nos conduz à constatação de que caminhar na estrada da vida sem conhecer o Amor não é viver. Se assim for, seremos somente corpo, jamais alma. Então, o poeta nos aconselha.

Conselhos de um velho apaixonado

Quando encontrar alguém  e esse alguém fizer
Seu coração parar de funcionar por alguns segundos,
Preste atenção: pode ser a pessoa
mais importante da sua vida

Se os olhares se cruzarem e, neste momento,
Houver o mesmo brilho intenso entre eles,
Fique alerta: pode ser a pessoa que você está
Esperando desde o dia em que nasceu.

……………………………………………………………………………………………………….

Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes
Na vida poucas amam ou encontram um amor verdadeiro.

Às vezes encontram e, por não prestarem atenção
Nesses sinais, deixam o amor passar,
Sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.

É o livre-arbítrio. Por isso, preste atenção nos sinais.
Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem
Cego para a melhor coisa da vida o AMOR!

O AMOR, com sua imensurável presença e necessidade, manifesta-se de forma caleidoscópica na obra Drummondiana. Logo, Importante na vida? Somente AMAR! AMAR! DRUMMONDIAR!

Carlos Drummond de Andrade formou-se em Farmácia. Contudo, verdadeiramente, foi o ALQUIMISTA DAS PALAVRAS. Parodiando Olavo Bilac, Drummond “teimou, limou, sofreu, suou”, ao lapidar seus versos. E fez poesias como joias raras que nos foram dadas gratuitamente para resplandecer e vivificar nossas existências. Por isso, ratifico meu desejo de Drummond ser sinônimo de CRIAR, AMAR, SONHAR e ENCANTAR.

Drummond, tu conquistaste morada eterna em nossos corações. Tuas  poesias possuem a chave que abre todas as portas dos nossos sentimentos. Cada leitor que adentra no Reino das tuas palavras, guardar-te-á para sempre na memória, como tu mesmo poetizaste

 

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Certa vez, perguntaram a Drummond se ele gostava de poesia. Sua reposta foi imediata “Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está contida nisso tudo.” Se a poesia está nisso tudo, tu estás em todos os lugares também, meu digníssimo poeta. Finalizo afirmando que na sua fala, decifra-se nosso encantamento. Não és unidade. Tu, Drummond, és comunhão de toda a arte da poesia.

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A militância que arrasa: Bruna La Close e a livre orientação sexual no Amazonas

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Respeito à livre orientação sexual e reconhecimento ao nome social. Duas grandes bandeiras do movimento LGBT do Amazonas, reunidos no Seminário Norte de Humanização em Manaus. O evento foi realizado pelo Coletivo Norte de Humanização, apoiado pelo Ministério da Saúde. Apesar do nome oficial, anotado em registro de nascimento e em outros documentos oficiais, o movimento pela livre orientação sexual em Manaus quer reverter os casos de constantes constrangimentos, vividos, sobretudo, nas instituições públicas.

O Portal (En)Cena entrevistou Bruna La Close, presidente da Associação Amazonense de Lésbicas e Travestis, que destacou o trabalho na Capital.

Bruna La Close em entrevista ao portal (En)Cena

(En)Cena – Na primeira roda do Seminário Macro Norte de Humanização em Saúde você pautou a importância do nome social para o movimento LGBT. Quais as implicações que a não observação desse direito traz para o usuário do SUS?

Bruna La Close – A Humanização em Saúde faz parte de todos os direitos humanos, não somente dos direitos de gênero. O não respeito ao nome social acontece somente na esfera da saúde, na educação e em várias outras políticas públicas onde o travesti é usuário. Existe, a prática de você chegar no local de atendimento e irem sempre pelo nome do RG [Carteira de Identidade]. Essa é uma luta que o travesti traz: o nome social, como eu me identifico naquele momento, esse é o principal empecilho que a gente encontra. O constrangimento, onde eu estou e como vou ser chamada e é isso que acontece. É o nome social o principal, porque representa o respeito: Como ela deve ser chamada? Como ela gosta de ser chamada? Como ela deveria ser chamada?

Bruna La Close – Foto: Divulgação

(En)Cena – Você acredita que os profissionais na hora dos atendimentos, em todas as esferas do serviço público, são maus orientados para o trato com as pessoas representadas pelo movimento GLBT, por exemplo?

Bruna La Close – Quando a gente fala em movimento, tem que tratar movimento com todas suas especificidades, ou seja, colocar um hétero para falar com um gay, evidentemente, ele vai ter empecilhos tanto da parte dele, quanto da parte do gay. Porque ele não tem uma capacitação por questões de linguajar diferenciado. Inicia desde o tratamento. O travesti gosta de ser tratado como ela, e não como ele. Por aí já inicia a falta de respeito e, às vezes, o diretor, gestor da pessoa que está atendendo, já discrimina sem saber. É onde entra a falta de humanização, de conhecimento e capacitação dessas pessoas para atender a comunidade LGBT.

(En)Cena – Sobre essas demandas, quais os impactos que a mobilização social já produziu nas políticas públicas aqui no Amazonas?

Bruna La Close – A gente já tem aqui no estado do Amazonas, através da Secretaria de Assistência Social – SEAS, e da SEMARG, um pequeno projeto que busca a inclusão do nome social dos travestis. Ele foi concretizado através do governo do Estado, foi sancionado, só que não tem prática. Aliás, o setor público municipal não reconhece, por mais que você exija, mas não reconhece, ou seja, foi publicado, mas não foi trabalhada essa questão dentro das próprias esferas para que seja resolvida, colocada em prática.

(En)Cena – Qual o tipo de ação quando há um tratamento que vocês não aceitam?

Bruna La Close – A gente denuncia, porque às vezes, através dessa situação de constrangimento, gera uma discriminação, gera uma fobia. Qual é o nosso principal parceiro de denúncia? É a imprensa, quando a gente denuncia na imprensa, rapidamente tem uma resposta, mas daquela situação localizada.

(En)Cena – É algo pontual, momentâneo?

Bruna La Close – Cito um exemplo: Universidade do Estado do Amazonas – UEA, uma universidade muito forte dentro do estado, que discriminou barbaramente um homossexual, foi resolvido e o professor se retratou, mas através do movimento. Mas como? O “Movimento La Close” chegou à Universidade e informou a denúncia.

(En)Cena – São conquistas no dia-a-dia?

Bruna La Close – Então, não são conquistas que se diga que o governo, a prefeitura e demais esferas estejam com o movimento, mas o movimento lutando paralelamente que conseguiu a conquista tal, no momento tal.

Bruna La Close em entrevista para a Rede Bandeirantes durante a Parada do Orgulho LGBT 2012 – Foto: Divulgação

(En)Cena – Teria mais alguma coisa que você gostaria dizer sobre a humanização em saúde? Como essa política pode ser fortalecida?

Bruna La Close – Política de humanização, como eu disse anteriormente, é chamar! Você não vai tratar de uma política de humanização sem chamar o usuário, a população, a pessoa que sofre na pele. É o usuário que vai saber discutir o que ele passa, a situação do posto de saúde, do hospital. O usuário tem que estar presente, por que discussão de gestor para gestor, diretor para diretor, vai ser só discussão, um apoiando o outro e não se tem resultado de nada. O caminho é trazer a população para discussão.

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Amor Platônico em O Banquete: uma análise da definição ampla do Amor

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Ao lado de Fedro, muito provavelmente O Banquete é uma das obras mais importantes da filosofia clássica grega e que exerce forte influência no Ocidente até os dias atuais. Escrito por Platão por volta de 380 a.C., a narrativa faz referência ao filósofo Sócrates, que participou de um “banquete” na casa de Agatão (poeta ateniense) cujo tema principal na roda de conversa girou em torno do conceito de “Amor”.

A história (ou estória) se dá pela narração de Apolorodo, e começa descrevendo o convite que Sócrates fez a Aristodemo, para que o mesmo lhe acompanhe até um “banquete” na casa de Agatão. Todos à mesa, o diálogo começa com a discussão sobre o uso ou não da bebida alcoólica, tendo em vista que os convidados haviam exagerado em evento anterior, ao que fica acordado que cada um deverá beber como lhe convier.

Além do anfitrião Agatão, e de Sócrates e Aristodemo, também estão presentes Fedro, Pausânias (que seria amante de Agatão), Eriximaco (médico bastante conhecido da época), Alcibíades e Aristófanes (comediante que não perdia a oportunidade de tentar ridicularizar Sócrates).

O elogio ao Amor (Eros) foi o tema escolhido para discutir no local, tendo em vista que Eriximaco observou que tanto os poetas quanto os filósofos, até então, pouco – ou nunca – louvavam o Amor.

A primeira intervenção de Sócrates é no sentido de que os convidados definam o Amor, ao que a empreitada começa por Fedro. O rebuscado retórico, por sua vez, diz que o Amor é o mais antigo e honroso entre os deuses, tendo em vista que “genitores do Amor não os há”. Portanto, de acordo com Fedro, sendo o mais antigo, o Amor é a causa dos maiores bens.

Fedro é seguido por Pausânias, que propõe uma explicação dualista para o Amor, em que Eros na verdade é dividido entre o bem e o mal, o divino e o real. Na sequência, vem o discurso de Eriximaco, que explica que o Amor não exerce influência somente na essência, mas também no corpo, impingindo-lhe harmonia. Para Eriximaco, o Amor também não estaria apenas nos homens, mas nos animais, nas plantas, e na natureza como um todo. E para o médico, a exemplo de Pausânias, haveria dois tipos de Amor, um mórbido e outro sadio. “Até a constituição das estações do ano está repleta desses dois amores, e quando se tomam de um moderado amor um pelo outro os contrários de que há pouco eu falava, o quente e o frio, o seco e o úmido, e adquirem uma harmonia e uma mistura razoável, chegam trazendo bonança e saúde aos homens, aos outros animais e às plantas, e nenhuma ofensa fazem”, disse Eriximaco.

Aristófanes é o próximo a discursar. Ele fala dos três gêneros que inicialmente povoaram a Terra: o masculino, o feminino e o andrógino (lembremos que tanto na Grécia Clássica quanto na Helenística, o que hoje se define como Homoafetividade era tido como algo corriqueiro, nada extraordinário). Para ele, esses seres eram dotados de inúmeras qualidades (ausentes nos seres humanos atuais) e devido a arrogância desses “superseres”, os deuses tiveram que dividi-los (afinal, se os destruíssem, quem iria louvar/lembrar dos deuses?, lembrou Aristófanes); assim, o Amor estaria atrelado à busca constante de cada um desses novos seres (humanos divididos) por sua “metade perdida”. Ou seja, quem foi resultante do gênero masculino iria procurar outro, também masculino; o mesmo ocorria com os de origem feminina. Quem era do gênero dos andróginos, no entanto, iria procurar o seu gênero oposto (heterormatividade).

Depois de Aristófanes discursa Agatão. O anfitrião procura louvar o próprio deus, em todas as suas virtudes, num longo discurso típico do poeta.

Por último, a palavra chega à Sócrates, considerado o mais importante dos convidados. De acordo com o filósofo, “sendo o Amor, amor de algo, esse algo é por ele certamente desejado”. Sócrates alerta para o fato de que este amor só pode ser desejado quando lhe é ausente, e não quando já se tem, “pois ninguém deseja aquilo de que não precisa mais”. Ou seja, o conceito de Amor está atrelado somente àquilo que não se tem. Uma vez conquistado, já não representa mais o objeto de desejo.

Sócrates lembra que Eros é concebido da “falta”, tendo em vista que surge da relação entre Recurso e Pobreza. Assim, ele (o Amor) não estaria nem em um extremo, nem em outro, sendo visto então apenas como a intermediação de quem ama e de quem é amado, tirando do Amor a qualidade de um deus. O Amor é apresentado como ato relacional, portanto relativo. E os deuses não poderiam ser relativizados.

 

Considerações

Há várias abordagens interessantes em “O Banquete”, que certamente permearam – e ainda permeiam – de forma muito intensa a nossa sociedade. Este artigo irá abordar apenas três delas, pela complexidade e amplitude que a análise de todos poderia incorrer.

Primeiramente, há de se ater ao discurso de Eriximaco, de que o Amor se manifesta em tudo. Provavelmente o médico propôs esta assertiva sob a forte influência dos filósofos pré-socráticos, que defendiam a multiplicidade da realidade última através de conceitos como o atomismo, sendo que a ideia de deus estaria mais atrelada ao atual modelo de panteísmo. Assim, o Amor expresso em tudo (como o próprio conceito de deus em tudo), não seria exclusividade dos seres humanos e, logo, poderia ser identificado e acessado em qualquer coisa. Bastaria estar sensível a ele [o amor].

Mais à frente, com Aristófanes, há uma explicação extremamente bem elaborada sobre a origem dos seres. No decorrer da história, estes aspectos da metafísica (com gênese derivada dos “três sexos”), foram não só abandonados pela tradição judaico-cristã, mas de certa forma até combatidos através do conceito de Pecado Original e do sexo apenas como fim de procriação.

Em suma, para Aristófanes, o modelo que permeia o Amor é o da “cara metade”, ainda hoje louvado por certo “extremismo” de amor romântico, como destaca o filósofo Simon May, e que deixa a impressão de que “somos seres divididos”, por isso sofremos tanto. Este sofrimento, presume-se, só seria sanado quando encontrássemos nossa metade.

Por último, vem a abordagem de Sócrates. Primoroso, ele deixou uma grande contribuição ao atrelar o Amor a uma experiência, a um ato relacional, tirando-lhe o status de deus. Sendo assim, não haveria uma absolutização do Amor e, antes disso, toda a sua plenitude só poderia ser experimentada nas relações cotidianas de quem ama e de quem é amado.

Importante observar também que Platão não classifica o Amor em “Bem ou Mal”. Ele (o Amor) teria que transcender a esse dualismo emergente. Assim, apresenta-se como um dos maiores bens (no sentido de conquista) de um homem.

Provavelmente essa valoração do Amor por Platão, numa perspectiva que num primeiro momento parece inatingível, é o que deu origem ao termo “amor platônico”.

 

REFERÊNCIAS:

Conteúdo disponível nos fóruns da disciplina de Produção de Texto. Universidade Católica de Brasília Virtual – UCB Virtual. Curso de graduação, LINCENCIATURA em Filosofia .Disponível em: http://www.catolicavirtual.br . Acesso ao conteúdo com login e senha.

PLATÃO. O Banquete. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=2279&co_midia=2 . Acesso em 20/05/2013.

Folha de São Paulo – Filósofos questionam supervalorização do amor romântico – Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1211142-filosofos-questionam-a-supervalorizacao-do-amor-romantico.shtml . Acesso em 23/05/2013.

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Meu Primeiro Amor: a morte e o processo de luto na infância

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O filme é apresentado através do olhar de Vada (Anna Chlumsky), uma menina de 11 anos que mora com o pai e uma avó doente em uma casa-funerária.  A estreia do filme foi em 1991, um ano após o sucesso estrondoso de Esqueceram de Mim, o filme que transformou o menino Macaulay Culkin em um astro da indústria do cinema, apesar de ter apenas 10 anos.

E esse fato ocasionou uma das questões mais inquietantes na época do lançamento do filme: como levar crianças ao cinema para assistir ao menino sensação do momento ser morto por picadas de abelhas? Na época, muitas discussões vieram à tona, com partipação de psicólogos e pais, sobre o quão um filme como esse poderia afetar as crianças.

Mas, há uma forma ideal de falar sobre a morte com crianças? Há alguma idade adequada para tratar de um assunto tão complexo? A percepção da morte de um adulto por uma criança é diferente da percepção que ela terá da morte de outra criança?

Talvez o grande erro de qualquer linha de raciocínio que busque responder a essas questões está na apresentação de respostas generalizadas, considerando crianças em dada faixa etária como se fossem um único bloco, como se cada bloco sentisse de uma forma semelhante.

Machado(2006) diz que a forma como uma criança vive o luto e faz uma representação interna da morte varia de acordo com a idade, a personalidade, o estágio de desenvolvimento cognitivo e psicossocial, a intensidade com que ela vivencia a situação (proximidade, por exemplo), e, ainda, com aspectos mais gerais que tem relação com a cultura em que está inserida.

A menina do filme, Vada, é uma criança solitária, que se sente culpada pela morte da mãe (que morreu devido a complicações no parto), que não sabe como lidar com os corpos que são embalsamados no porão de sua casa (onde funciona a funerária) e que tem como único amigo, um menino tímido chamado Thomas J. (Macaulay Culkin).

Tendo como base os estágios de desenvolvimento da criança propostos por Piaget, Torres (2002) diz “que a criança só concebe a morte como um fenômeno irreversível a partir do estágio das operações concretas, mais ou menos aos sete anos de idade”. E Machado (2006) acrescenta que “somente entre os nove e os doze anos, na transição da infância para a adolescência, que se interioriza a morte como um fenômeno universal, irreversível e comum a todos os seres vivos”.

Por ter dificuldade em lidar com a ideia da morte, apesar de viver em um ambiente onde essa temática está presente de forma profunda, Vada aparece constantemente no consultório de um médico da família, alegando que está com alguma doença incurável. O pai, que vive em um mundo à parte desde a morte da esposa, não percebe a solidão e o medo da filha, especialmente, a sua insegurança perante a finitude da vida. Uma vida cercada por doenças e perdas.

“Cerco-me de pessoas que acho intelectualmente estimulantes.” (Vada)

Thomas J., ao contrário dos adultos do filme, conhece a menina, entende a dor que ela sente, sabe até como a ideia da morte a atinge. Mas é pequeno demais para transformar tudo isso em palavras. Algumas crianças (como alguns adultos) são mais sensíveis a dor dos outros. Essa sensibilidade pode refletir em pequenos gestos de grande impacto.

A amizade entre os dois deu a Vada a oportunidade de ter uma infância mais feliz, mesmo que a tragédia que se seguiu tivesse força suficiente para transformá-la para sempre.

De todas as cenas do filme, a mais “fofa” é a volta do lago (depois do beijo embaixo do Salgueiro), quando Thomas J. tem coragem de mostrar seus sentimentos, mesmo depois que Vada disse que se casaria com o professor de literatura (Sr. Bixler).

Vada?
O que é?
Pensaria em mim?
Para quê?
Se não casar com o Sr. Bixler.
Acho que sim.

As cenas que se seguem após esse último encontro fizeram muitos pais terem que explicar aos filhos, muitas vezes cercados por um contexto em que a morte parece ser uma realidade tão distante, que crianças também podem vir a morrer.

No início do filme, Vada rouba um dinheiro da maquiadora dos defuntos (que depois se torna noiva de seu pai) para fazer um curso de poesia com o prof. Bixler. No entanto, sua primeira tentativa de fazer um poema resultou em um verso sobre sorvetes. Então, o professor sugeriu que ela tentasse se expressar através de sua alma, não apenas através de coisas concretas e cotidianas.  Somente ao final do filme, depois de alguns dias da morte do Thomas J., que ela conseguiu finalmente fazer uma poesia que mostrava, de fato, o que sentia.

“Salgueiro chorão com lágrima escorrendo
Por que você chora e fica gemendo?
Será porque ele lhe deixou um dia?
Será porque ficar aqui não mais podia?
Em seus galhos ele se balançava
E ainda espera a alegria que aquele balançar lhe dava
Em sua sombra abrigo ele encontrou
Imagina que seu sorriso jamais se acabou
Salgueiro chorão pare de chorar
Há algo que poderá lhe consolar
Acha que a morte pra sempre os separou?
Mas em seu coração pra sempre ficou.”

Para Baker et al (1992), o processo do luto e do entendimento da morte consiste na vivência de etapas psicológicas que progressivamente visam superar a dor. A primeira etapa envolve a compreensão do que é a morte, suas características e a capacidade de reconhecê-la no cotidiano.  Nesta fase, é importante que as crianças se sintam autoprotegidas, ou seja, elas precisam compreender que o fato de uma pessoa morrer não significa, necessariamente, que elas ou suas famílias estejam em perigo imediato.

A fase intermediária envolve a compreensão de que a morte é uma realidade, logo é preciso aceitar as emoções que vêm junto com tal fato. Assim, as memórias e as conexões com a pessoa que partiu não é um mal a ser evitado, mas uma necessidade que advém da vivência do luto. Assim, não é uma atitude coerente dar às crianças a falsa esperança de que um ente querido pode “voltar” depois da morte ou, ainda, simplesmente começar a desestimular a conexão da criança com a pessoa que partiu (BAKER et al., 1992). Esta fase mostra uma grande diferença na maneira que crianças e adultos lamentam a perda.  Isso porque a maioria dos adultos, por entender o conceito da morte, não tem que gastar tanto tempo para descobrir o que aconteceu, ainda que o desaparecimento da pessoa de forma brutal do seu meio seja um fato impactante, mas a criança ainda terá que processar a ausência da pessoa sem, muitas vezes, ter a vivência e os elementos necessários para fazer uma representação disso.

A última fase deste processo envolve uma reorganização do sentido de identidade e das relações com os outros e com o meio ambiente. A criança terá que aprender a investir emocionalmente em si mesma e na relação com os outros, sem que o medo de perder alguém para a morte venha a ser um empecilho. Nesta fase, a criança bem ajustada ainda se lembra da pessoa amada, mas sem o medo excessivo que os outros também irão morrer, logo é capaz de lidar com essas lembranças e com as tristezas que as acompanha (BAKER et al., 1992).

Assim, voltando às questões iniciais sobre a vivência do luto na infância, talvez a melhor forma de lidar com uma criança que perde alguém é, primeiramente, estar disposto a conhecê-la, entender, mesmo que seja aos poucos, como ela percebe o mundo e como as coisas desse mundo a afetam. Cada um de nós tem uma lembrança relacionada à morte, e cada um de nós tenta encontrar formas de lidar com ela.  Para muitos, isso pode levar a lugares profundos e/ou sombrios, para outros pode ser um caminho menos tortuoso, mas, em qualquer situação, nunca parece ser uma estrada fácil para se percorrer sozinha.

Referências:

BAKER, J. E., SEDNEY, M. A., & Gross, E. Psychological tasks for bereaved children. American Journal of Orthopsychitray, 62, 105-116, 1992.

MACHADO, A. Como lidam as crianças com a morte/Luto. Revista no. 67 sinais vitais, Julho, p. 45-50, 2006.

TORRES, W. O Conceito de morte em crianças portadoras de doenças crônicas. Psicologia: teoria e pesquisa. Mai-Ago, vol. 18, n.2, p. 221-229, 2002.

FICHA TÉCNICA DO FILME

MEU PRIMEIRO AMOR

Título Original: My Girl
Direção: Howard Zieff
Roteiro: LauriceElehwany
Elenco Principal: Anna Chlumsky, Macaulay Culkin, Dan Aykroyd, Jamie Lee Curtis
Produção: Brian Grazer
Fotografia: Paul Elliottt
Trilha Sonora: Edgar De Lange, James Newton Howard

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Alberto Caeiro: o Mestre de Fernando Pessoa

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Alberto Caeiro da Silva nasceu em 16 de abril 1889, em Lisboa, e morreu tuberculoso em 1915, na mesma cidade. Era órfão de pai e viveu no campo com uma tia. Não teve instrução além da primária. Por essa razão, escrevia mal o português.

Esses traços biográficos harmonizam-se perfeitamente com a poesia de Caeiro: poeta que está em contato direto com a natureza, sua lógica não é diferente da lógica da ordem natural.

Para Caeiro, as coisas são como são. Seu mundo, portanto, é o mundo do real-sensível ou real-objetivo: tudo aquilo que existe e que percebemos pelos sentidos. Pretendendo ser objetivo, Caeiro ansiava por registrar as sensações sem a mediação da racionalidade (leia-se: pensamento).

Segundo Álvaro de Campos, Alberto Caeiro é um mestre que “pensa” com os sentidos. Mas isso não implica ausência de reflexão na postura de Caeiro; apenas uma forma diferente de pensar. Noutras palavras: ao defender a supressão do pensamento na relação do homem com a natureza, apelando para a supremacia dos sentidos, esse poeta constrói uma poesia filosófica, resultado do esforço de convencer o leitor de que a relação com a natureza deve ser uma relação natural, sem a mediação do pensamento.

 

 

Quando o “eu-poético” diz: “Sou um guardador de rebanhos./O rebanho é os meus pensamentos”, ele está, simplesmente, sinalizando que sua relação com o mundo independe do pensamento (seu rebanho) e, por isso, esse rebanho deve ser guardado (entenda-se: não deve permear o contato com o mundo). Quando refere que pensa “[…] com os olhos e com os ouvidos/E com as mãos e os pés/E com o nariz e a boca.”, está defendendo a hegemonia dos sentidos na relação homem/mundo.

É nessa perspectiva que é construído o poema XX de O Guardador de Rebanhos:

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que veem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entre no mar em Portugal.
Toda a gente sabe disso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E por onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontraram.

Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

 

 

Nesse poema há uma tensão marcada pela dicotomia entre o rio Tejo e o “rio da minha aldeia”: pensar no Tejo (vê-lo) é representar momentos grandiosos da história da nação portuguesa (leia-se: as grandes navegações e as conquistas ultramarinas); pensar no “rio da minha aldeia” é estar só ao pé dele (leia-se: percebê-lo, compreendê-lo e fruí-lo pelos sentidos).

Ao construir sua poesia “filosófica”, Alberto Caeiro parece estar se referindo a um momento da evolução humana em que ainda não havia ocorrido a cisão homem/natureza. Ele deseja, portanto, o retorno à Natureza, criticando as posturas que possam distanciá-lo dela. De acordo com Gomes (1987, p. 26),

Caeiro empreende a viagem da conquista da Natureza. E o meio de que se serve é a poesia, restituída à sua missão essencial, qual seja, a de fundir o homem ao mundo. E essa fusão se dá no instante em que ele, ao nomear, nos revela a Natureza virginal, ainda não tocada pela consciência que deforma as coisas. A poesia realiza-se como espaço sagrado que reinstaura o mundo diante de nossos olhos, através da palavra depurada e reduzida ao essencial.

Espécie de poeta-filosófico, Alberto Caeiro extrai seus pensamentos do contato direto com as coisas e com a natureza, não dos livros e da civilização. Defende a simplicidade da vida e a sensação, único meio válido, segundo ele, para obtenção do conhecimento. Veja o fragmento do poema II de O Guardador de Rebanhos:

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
Eu sei dar por isso muito bem…
[…]
Creio no mundo como num malmequer.
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…

O Mundo não se faz para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

E não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar…

O objeto dos estudos literários, conforme você sabe, é o texto literário. Os conhecimentos sobre literatura (biografia, contexto sócio-histórico, tendências estéticas) são refletores que iluminam a leitura dos textos literários. Isso é consenso entre os estudiosos da área. Sabendo disso, vamos ampliar nosso espectro de leitura de poemas? Então, a partir de agora, para cada heterônimo, apresentaremos um poema no final do item: de Alberto Caeiro, leia a seguir o poema V de O Guardador de Rebanhos:

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei.  Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas?  Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica?  Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

“Constituição íntima das cousas”…
“Sentido íntimo do Universo”…
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo

     E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

 

 

Para Caeiro, as coisas são como são. Seu mundo é o mundo do real-sensível ou real-objetivo: tudo aquilo que existe e que percebemos pelos sentidos. Pretendendo ser objetivo, Caeiro ansiava por registrar as sensações sem a mediação da racionalidade: é um mestre que “pensa” com os sentidos. Quando o “eu-poético” diz: “Sou um guardador de rebanhos./ O rebanho é os meus pensamentos”, ele está, simplesmente, sinalizando que sua relação com o mundo independe do pensamento (seu rebanho) e, por isso, esse rebanho deve ser guardado (leia-se: não deve permear o contato com o mundo). Quando refere que pensa “[…] com os olhos e com os ouvidos/E com as mãos e os pés/E com o nariz e a boca.”, está defendendo a hegemonia dos sentidos na relação homem/mundo. Veja:

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

O paganismo está mais presente no poema VIII-Num Meio-Dia de Fim de Primavera de O Guardador de Rebanhos, que você poderá ler integralmente em: <http://www.jornaldepoesia.jor.br/alberrr.html>
Para deixar você curioso, citarei apenas um fragmento:

[…]
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele [o Menino Jesus] foi à caixa dos milagres e roubou três. […]

Livros

Boa leitura e, como diria Ricardo Reis, carpe diem!

 

Referências:

ABDALA JÚNIOR, Benjamin; PACHOALIN, Maria Aparecida. História social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

GARCEZ, Maria Helena Nery. O Tabuleiro Antigo. São Paulo: Edusp, 1990.

GOMES, Álvaro Cardoso. Fernando Pessoa: as muitas águas de um rio. São Paulo: Pioneira/Edusp, 1987.

MOISÉS, Massaud. Fernando Pessoa: o espelho e a esfinge. São Paulo: Cultrix, 1988.

MONTEIRO, Adolfo Casais. A poesia de Fernando Pessoa. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda.

SIMÕES, João Gaspar. Itinerário Histórico da Poesia Portuguesa: de 1189 a 1964. Lisboa: Arcádia.

PESSOA, Fernando. Cartas de Amor. Introdução e Seleção de Walmir Ayala. São Paulo: Ediouro.

___. Ficções do Interlúdio/2-3: Odes de Ricardo Reis/3: Para além do outro oceano de Coelho Pacheco/Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

___. Poesia: Alberto Caeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

___. O Guardador de Rebanhos e outros poemas. Seleção e introdução de Massaud Moisés. São Paulo: Cultrix, 1993.

SEABRA, José Augusto. Fernando Pessoa ou o Poetodrama. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda.

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Ricardo Reis: a face clássica de Fernando Pessoa

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Ricardo Reis nasceu, na cidade do Porto, em 19 de setembro de 1887, estudou em colégio jesuíta e formou-se em Medicina. Do ponto de vista político, era defensor da Monarquia e não concordava com a República. Por isso, autoexilou-se no Brasil. A cultura clássica, o latim, o grego e a mitologia eram suas grandes paixões. Isso explica não apenas as inquietações que marcam sua poesia, mas também os traços horacianos (leia-se: clássicos) que nela sinalizam a preocupação constante de fruir o momento (carpe diem horaciano): a vida nada mais é que momentos breves, instantes volúveis. Gozar o momento significa estar atento a tudo que a vida oferece. Mas o viver deve ser sereno, sem sobressaltos e sem excessos: com o mínimo de dor e gozo possível:

[…]
Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece. […]

Noutra oportunidade, temos:

[…]
Buscando o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
        Translúcidos como água
        Em taças detalhadas,

Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos,
        E as rápidas carícias
        Dos instantes volúveis. […]

As preocupações de Ricardo Reis gravitavam em torno de um problema crucial: remediar o sentimento da fraqueza humana e da inutilidade de agir, por meio de uma arte de viver, que leve à morte sem remorsos ou ressentimentos.

A poesia de Reis é marcada, também, pelo paganismo, evidenciado, no fragmento a seguir, pela presença do politeísmo:

[…]
Não matou os outros deuses
O triste deus cristão.
Cristo é um deus a mais,
Talvez um que faltava.
[…]

 

Acima dos humanos e dos deuses, esse poeta neoclássico identifica uma força maior, uma entidade implacável e que todos nós obedecemos: o Fado (leia-se: o Destino). Essa percepção fica clara quando o “eu-poético” afirma: “Como acima dos deuses o Destino/é calmo e inexorável.”

Ricardo Reis, a faceta clássica da obra de Fernando Pessoa, é, como seu mestre Caeiro, indiferente à vida social: valoriza a vida campestre e a simplicidade das coisas. Mas, diferentemente do mestre, que se sente feliz integrado à natureza, sente-se fruto de uma civilização cristã decadente, que dá largos passos rumo à destruição.

A consciência da passagem do tempo e a inevitabilidade da morte são dois momentos relevantes da poesia de Reis. De acordo com ele, em face dessas duas circunstâncias, nada se pode fazer: o destino de cada um de nós já vem traçado pelo Fado:

[…]
Tudo que cessa é morte, e a morte é nossa

Se é para nós que cessa. Aquele arbusto
        Fenece, e vai com ele
        Parte da minha vida.
Em tudo quanto olhei fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa, passo,
        Nem distingue a memória
        Do que vi do que fui.

A cada qual, com a statura, é dada
A justiça: uns faz altos
O fado, outros felizes.
Nada é prêmio: sucede o que acontece.
Nada, Lídia, devemos
Ao fado, senão tê-lo. […]

Mas enquanto a morte, imposição do Fado que nos faz impotentes, não chega, o que o “eu-poético” sugere que façamos?  Sugere que aproveitemos os prazeres que a vida oferece, mas com parcimônia:

[…]
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
        Ouvindo correr o rio e vendo-o. […]

Por que Ricardo Reis, ao defender a fruição dos prazeres da vida, aconselha a moderação? Trata-se de uma atitude tipicamente epicurista: segundo as teorias do filósofo grego Epicuro, o homem deve buscar uma vida de prazeres naturais e equilíbrio, mas sem paixões violentas. É por isso que Reis desconfia da felicidade extrema, buscando sempre evitá-la ou controlá-la pela razão.

Para Abdala Júnior; Paschoalin (1990), o rigor formal da poesia de Ricardo Reis resulta da ânsia de harmonia e equilíbrio na arte poética, que deveria realizar um poema que, do ponto de vista formal, fosse tão gracioso quanto o pensamento do qual nasce:

Para ser grande, sê inteiro: nada
        Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
        No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis é considerado neoclássico. Várias razões fundamentam essa afirmativa: seu espírito grave e estilo elevado; sua busca de perfeição e equilíbrio; seu intelectualismo e convencionalismo; sua frieza quando trata das relações amorosas. A essas razões, soma-se a presença da mitologia pagã.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

A efemeridade da glória e da fortuna está marcada nesse poema, pois o poeta pede para ser coroado de rosas e de folhas breves. A beleza da rosa é efêmera e as folhas breves remetem-nos à Antiguidade Clássica, quando os poetas recebiam uma coroa de louros.

Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade
De rosas –
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.

 

As rosas apagar-se-ão tão cedo quanto a fronte que a carrega. Tudo é fugaz, como o passar do rio. Você já pensou nisso? Pense para mais tarde nos encontrarmos em Alberto Caeiro.

Referências:

ABDALA JÚNIOR, Benjamin; PACHOALIN, Maria Aparecida. História social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

GARCEZ, Maria Helena Nery. O Tabuleiro Antigo. São Paulo: Edusp, 1990.

GOMES, Álvaro Cardoso. Fernando Pessoa: as muitas águas de um rio. São Paulo: Pioneira/Edusp, 1987.

MOISÉS, Massaud. Fernando Pessoa: o espelho e a esfinge. São Paulo: Cultrix, 1988.

MONTEIRO, Adolfo Casais. A poesia de Fernando Pessoa. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda.

SIMÕES, João Gaspar. Itinerário Histórico da Poesia Portuguesa: de 1189 a 1964. Lisboa: Arcádia.

PESSOA, Fernando. Cartas de Amor. Introdução e Seleção de Walmir Ayala. São Paulo: Ediouro.

___. Ficções do Interlúdio/2-3: Odes de Ricardo Reis/3: Para além do outro oceano de Coelho Pacheco/Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

___. Poesia: Ricardo Reis. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SEABRA, José Augusto. Fernando Pessoa ou o Poetodrama. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda.

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O amor e as relações de consumo

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“O que importa quantos amores você tem
se nenhum deles te dá o universo?”

Jacques Lacan

E o amor nunca esteve tão em alta!

É só o dia dos namorados se aproximar que o movimento começa, é o momento para fazer parte do seleto grupo de quem tem um par romântico para postar uma foto do casal nas mídias sociais. Se não, perde a oportunidade.

Não é raro ver e ouvir, principalmente nessa época do ano, as lamúrias de quem não tem um par para festejar a data, em contraponto, há quem alegue que não faz diferença. Isso para não falar naqueles que, com muito senso de humor, anunciam abertamente estarem dispostos a se alugarem para uma noite de muito amor em troca de companhia para o dia dos namorados.

E a coisa não para aí não… As empresas não perderam tempo e estão promovendo em suas fanpage’s promoções onde o casal de namorados que receber mais likes em sua foto postada na rede será premiado.

Excelente estratégia de marketing!

Mas por que será que o amor vende tanto?

É verdade que o dia dos namorados já perdeu, há muito tempo, a raiz de sua essência. Toda essa campanha midiática em torno da data se dá devido ao interesse puramente comercial e capitalista das empresas em faturar cada vez mais.

Mas, o que de fato faz do amor uma fórmula tão eficaz para as campanhas publicitárias?

As motivações são várias e uma das mais primárias é a apresentada pelo livro de Gênesis: “E disse o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele.” (Gênesis 2:18). Noutro versículo: “Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma só carne.” (Gênesis 2:24). Essa é, afinal de contas, a motivação por trás de cada relacionamento: formar famílias? Pelo menos, costumava ser.

Os perigos em se apegar à bíblia, e a textos como esse, são o de que, atualmente, a conjuntura social que vivemos é outra completamente diferente. A própria configuração dos casais sofreu adaptações, existem relacionamentos abertos e fechados; casais heterossexuais e homossexuais; casamentos formados por dois, três ou mais parceiros; casamentos com filhos e sem filhos etc.

“Os Amantes” (1928). Magritti. Óleo sobre tela.

Poucos sabem, mas a prática monogâmica do homem, historicamente, nasceu pela necessidade que se tinha, em um determinado período da idade média, dos grandes senhores de terras terem certeza de que seus bens seriam herdados por descendentes consanguíneos. Desse modo a mulher era obrigada a casar virgem e ter ao longo da vida um único parceiro, enquanto o homem, não teria seus filhos bastardos reconhecidos, se estes nasciam no pecado, logo não tinham direitos legítimos. Que diferença o teste de DNA faz nos dias atuais não é mesmo? Ele abre um leque de oportunidades.

Não só a estrutura familiar mudou, como o modo que os relacionamentos amorosos mudaram. Hoje em dia, há um fluxo muito maior de início e término de relacionamentos, pautados em modismos e comodismos. É o que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de Amor Liquido.

Investir no relacionamento é inseguro e tende a continuar sendo, mesmo que você deseje o contrário: é uma dor de cabeça, não um remédio. Na medida em que os relacionamentos são vistos como investimentos, como garantias de segurança e solução de seus problemas, eles parecem um jogo de cara-ou-coroa. A solidão produz insegurança — mas o relacionamento não parece fazer outra coisa. Numa relação, você pode sentir-se tão inseguro quanto sem ela, ou até pior. Só mudam os nomes que você dá à ansiedade (BAUMAN, 2004. p. 30).

Para o autor, a real motivação por trás dessa fluidez em que se perderam os relacionamentos está no simples medo que os casais têm de sofrerem com o término dos relacionamentos, caso estes cheguem ao fim. Em outras palavras, amamos menos por medo de perder o ser amado. É ou não uma dose de egoísmo?

Diferentemente dos ‘relacionamentos reais’, é fácil entrar e sair dos ‘relacionamentos virtuais’. Em comparação com a ‘coisa autêntica’, pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear (BAUMAN, 2004. p. 12-13).

Na literatura, na música e no cinema o amor sempre foi à motivação principal de grandes artistas. Essa prática vem desde a era mitológica, onde os poetas gregos homenageavam suas musas com muita arte. E só para quem não sabe, eram elas: a eloquência; a história; a poesia lírica; a música; a tragédia; a música cerimonial (sacra); a comédia; a dança; a astronomia e a astrologia.

“O Beijo” (1907-1908), Gustav Klimt. Óleo e folha de ouro sobre tela.

Sigmund Freud, também atribui grande valor a esse sentimento em sua produção bibliográfica, assim como no tratamento psicanalítico. Segundo ele

todo tratamento psicanalítico [JedepsychoanalytischeBehandlung] é uma tentativa [isteinVersuch] para libertar [zubefreien] o amor recalcado [die verdrängteLiebe], que encontrou no sintoma a incômoda solução de um compromisso [die in einemSymptomeinenkümmerlichenKompromissausweggefundenhatte] (FREUD, 1907/1982, p.80).

Isso sem mencionar as histórias épicas que dão um colorido e dramaticidade à nossa vida e ao modo como experimentamos o amor. Casais como Romeu e Julieta; A Bela e a Fera; Capitú e Bentinho; Dom Quixote e Dulcinéia; Shrek e Fiona; Vada e Tom (de Meu Primeiro Amor); estarão eternamente gravados em nosso inconsciente de forma tão concisa, que passam despercebidos, influenciando o modo como nos relacionamos afetivamente.

Fiona e Shrek

É o que o psiquiatra suíço, criador da Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung chama de arquétipo.

Segundo Jung, existem aspectos inconscientes de nossa personalidade, opostos à persona, que encontram expressão (vazão) em uma representatividade interior: feminina para os homens (Anima); e masculina para as mulheres (Animus).

Por mais idealizados que sejam os relacionamentos, fato é que eles têm sofrido forte interferência do mundo pós-moderno. As pessoas começam se envolver em relacionamentos cada vez mais jovens por motivações pessoais e de cunho egoístas, os resultados emocionais desses atos impensados são catastróficos.

Em nosso mundo de furiosa ‘individualização’, os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Na maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam – embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência (BAUMAN, 2004. p. 8).

Então, como se preparar para um relacionamento?

Não há resposta pronta, é importante ter claro os valores do renascentista Luiz Vaz de Camões:

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
(O Soneto 11 de Luiz Vaz de Camões).

O ideal é trabalhar o autoconhecimento, e ter consciência das razões que a(o) motivam nessa busca incessante por um par romântico. O amor não tem cara, cor, credo, idade e nem sexo. Iniciar um relacionamento por medo de ficar sozinho; para mudar o status de relacionamento do seu perfil no facebook; ou simplesmente para ganhar um presente no próximo dia 12 de junho, é apostar numa união que está claramente fadado ao fracasso.

Referências:

BÍBLIA SAGRADA

BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

FREUD, S. (1907/1982) “Der Wahn und die Träume In W. Jensens ‘Gradiva”.Studienausgabe.Band X. Bildende Kunst und Literatur. Frankfurt am Main: Fischer, TaschenbuchVerlag, s. 9-85. (Disponível em: http://scholar.google.com.br/scholar?q=%20Studienausgabe:%20Band%20X.%20Bildende%20Kunst%20und%20Literatur).

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