(En)Cena entrevista Esequias Caetano de Almeida Neto

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Foto: Arquivo Pessoal

Esequias é Psicólogo (CRP 04/ 35023), especializando em Psicologia Clínica com enfoque em Análise do Comportamento pelo ITCR – Campinas. É sócio-proprietário no Instituto Crescer: Desenvolvimento Humano e Organizacional, em Patos de Minas – MG, onde realiza atendimento clínico e consultoria em Recursos Humanos em diversas empresas da região. É coordenador Pedagógico e Professor de Psicologia Comportamental no InPA – Instituto de Psicologia Aplicada, de Brasília – DF. Como Psicólogo Clínico, possui experiência no atendimento a adultos, casais, famílias, crianças/ orientação de pais e grupos terapêuticos.

Como Psicólogo Organizacional, possui experiência em recrutamento e seleção; organização e condução de cursos, palestras e workshops para empresas de diversos setores; Planejamento e Desenvolvimento de Carreira; Orientação Profissional e outras atividades. É organizador do livro “Terapia Analítico Comportamental: dos pressupostos teóricos às possibilidades de aplicação”, lançado em Agosto de 2012, na cidade de Curitiba – PR. É sócio da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental desde a graduação. Presidente do site Comporte-se: Psicologia Científica, principal site de Análise do Comportamento do país, onde escreve para estudantes e profissionais de Psicologia sobre temas relacionados à Clínica, Psicopatologia, Conceitos Básicos e Avançados da Análise do Comportamento e Habilidades Sociais. É editor do blog Comportamento e Saúde, no Jornal Patos Hoje, onde escreve para a comunidade sobre assuntos ligados a comportamento humano e saúde em geral. É membro instalador da Liga Patense de Neurociências e Membro Colaborador da Liga Uberlandense de Análise do Comportamento.

EnCena – Como se iniciou na psicologia, qual seu primeiro momento com a profissão?

Esequias Neto – Meu primeiro contato com a profissão ocorreu no terceiro ano do Ensino Médio. Eu procurava livros de Filosofia na biblioteca do colégio, quando, acidentalmente, encontrei algumas obras de Freud. Levei para casa, comecei a ler e gostei muito do que vi ali. Com isso, comecei a me interessar por outras leituras relacionadas e retomei um livro antigo que minha mãe tinha em casa, chamado “Porque tenho medo de lhe dizer quem sou”, do Psicólogo Stephen Paul Adler. A leitura desse livro me chamou ainda mais a atenção para a profissão, pois oferecia explicações bastante interessantes sobre uma série de coisas que me despertavam curiosidade: depressão, pânico, esquizofrenia, entre outras.

A partir destas primeiras leituras, comecei a revirar a internet em busca de mais material, conversei com alguns Psicólogos da cidade para me informar sobre a área, li sobre os campos de atuação profissional, entre outras coisas. A esta altura já havia me decidido pela Psicologia, e faltava apenas chegar a época do vestibular.

É claro que existem outros elementos em minha história que também influenciaram bastante e inclusive me fizeram pensar na possibilidade bem antes do terceiro ano, mas não foram tão decisivos.

EnCena – E o trabalho com o  Portal Comporte-se, ele aconteceu e em que momento e por quê?

Esequias Neto – Iniciei o curso querendo estudar Freud. Meu interesse era quase exclusivamente conhecer a Psicanálise e dominar aqueles conceitos de ID, Ego, Superego, e tantos outros que me atraíram antes de começar o curso. Mas, por ironia do destino, só tive uma disciplina claramente psicanalítica, acho que no terceiro ou quarto período da faculdade. Nesse meio tempo, estudava Análise do Comportamento com uma excelente professora, a Simone Santos, e fazia diversos cursos de extensão com a equipe do Grupo Atitude. Nestes cursos eu aprendia sobre a aplicação da Terapia Analítico-Comportamental no tratamento daqueles transtornos mentais anteriormente mencionados, que eu tanto queria compreender. Continuava a ler Freud por conta própria, mas aos poucos, comecei a ver na Terapia Analítico-Comportamental uma alternativa mais promissora do que a Psicanálise.

O site nasceu principalmente com o objetivo de criar contexto para estimular meus estudos (tinha que estudar para escrever bem) e contribuir para a interação com profissionais e estudantes de Análise do Comportamento de outras partes do país. É importante mencionar, sobre este último aspecto, que em minha cidade não existia nenhum Analista do Comportamento, e na faculdade, a única disciplina relacionada era AEC. Eu gostava muito de falar a respeito, não tinha com quem falar aqui por perto, então me inseri no mundo virtual.

EnCena – Como funciona o projeto?

Esequias Neto –  O Comporte-se começou como um blog pessoal. Apenas em fevereiro de 2011 ele começou a tomar os contornos de um site de divulgação, quando comecei a atualizá-lo com mais frequência, e o número de visitas começou a aumentar. Na época, recebia em torno de 2.800 visitantes únicos por mês, o que corresponde a aproximadamente metade do que recebemos hoje por dia, atualmente.

Em 7 de fevereiro de 2011 publiquei uma entrevista com o Prof. Dr. Roberto Banaco, que foi um verdadeiro sucesso e me motivou a investir ainda mais no blog. Abri um processo seletivo para a entrada de novos colunistas, e no mesmo mês, passaram a compor a equipe a Aline Couto, nossa atual Diretora de Marketing Interno, o Marcelo Souza e o Rodrigo Oliveira, atuais colunistas. Entrou para o grupo o Daniel Gontijo, também, mas logo se afastou, em função das atividades do mestrado.

Com a entrada destas pessoas, começamos a fazer parcerias com eventos em todo o Brasil e a publicar com mais frequência, o que aumentou ainda mais o número de acessos no site. Com isso, convidei novos membros – Natalie Brito, Maria Ester Rodrigues e Renata Pinheiro –, que ajudaram a estruturar o site da forma como é hoje.  Nós convidamos vários colunistas para escreverem sobre temas específicos, relacionados às suas pesquisas de mestrado e doutorado, e compomos um grupo de revisores que avalia todos os nossos artigos antes de serem publicados. Estes revisores são mestres e doutores em áreas específicas da Análise do Comportamento.

EnCena – Como você relaciona sua profissão e o trabalho que você desenvolve no Portal?

Esequias Neto – Como o Comporte-se é um portal de Análise do Comportamento, fica bem fácil. Continuo utilizando como contingência para estudar e para manter contato com outros profissionais e estudantes de Análise do Comportamento. Graças ao site, tenho a oportunidade de viajar para cobrir eventos em diversas partes do país, participando de inúmeras atividades acadêmicas, cursos, palestras, congressos, entre outras coisas. O mesmo acontece com outros membros do Comporte-se.

EnCena – A questão comportamental é hoje um tema que ganha cada vez mais espaço, é discutida a partir do âmbito profissional, de relacionamentos, da educação. Vivemos um momento de supercontrole do comportamento?

Esequias Neto – “Comportamento” é um termo genérico que pode ser interpretado de diversas formas, a depender da abordagem da Psicologia à partir da qual se pretende interpretá-lo. Por exemplo, a Terapia Cognitivo-Comportamental entende que “comportamento” é apenas aquilo que é observável publicamente, o que corresponde apenas a nossos movimentos e ações mecânicas, como levantar o braço, girar a cabeça para um lado ou outro, pegar um copo, etc. Já a Análise do Comportamento/ Behaviorismo Radical, entende que “comportamento” é toda e qualquer relação entre organismo e ambiente, o que corresponde não apenas às ações mecânicas e observáveis, mas também aos pensamentos e sentimentos que compõe o que se chama de Subjetividade. Sim, a subjetividade é comportamento. O conceito de “comportamento” para esta abordagem é bem mais amplo do que para as demais, o que causa estranhamento naqueles que desconhecem esta amplitude quando ouvem que o Analista do Comportamento trabalha apenas com “comportamentos”.

A expressão “controle” é muito comum nessa abordagem, e com frequência, causa estranhamento e aversão nos desavisados. Porém, conforme já foi comentado, “controlar” não significa nada mais que “influenciar o comportamento”, que é o que qualquer Psicólogo busca fazer. Apenas para tentar tornar mais claro, darei alguns exemplos. Quando um Gestalt Terapeuta faz perguntas que contribuem para o cliente chegar à Awereness, ele não está fazendo nada mais do que controlar o comportamento de “tomar consciência” desse cliente. Quando um Cognitivista Comportamental utiliza a técnica do Questionamento Socrático para desconstruir uma “crença disfuncional”, ele está, em termos comportamentais, fazendo com que o cliente deixe de se comportar sob controle de uma regra e passe a se comportar sob controle das contingências.

EnCena – Esclarecido isto, ainda fica a questão: vivemos um momento de supercontrole do comportamento?

Esequias Neto – Acredito que não.  O homem sempre buscou formas de controlar as outras pessoas. Um exemplo bem recente, muito próximo a nós, é a ditadura militar. Vários políticos, artistas e pessoas comuns foram severamente punidos pelo simples fato de discordar dos governantes, e a maioria dos que aparentemente “concordavam”, o faziam simplesmente para evitar a punição. Na história temos vários outros exemplos, como o nazismo, facismo e outros regimes totalitários. Na atualidade ainda existem sociedades assim, mas são bem menos comuns do que há algumas décadas atrás.

Observe que todos os exemplos citados nos remetem a formas de controle bastante diferentes do simples “influenciar” que defendi anteriormente. Isso porque, como eu disse, o homem sempre buscou formas de controlar o comportamento das outras pessoas, e com o tempo, estas formas apenas vão mudando. Os regimes totalitários e o controle coercitivo estão dando espaço a estratégias mais inteligentes de influenciar o comportamento e objetivos mais nobres. A loteria federal é uma delas.

Milhares de brasileiros apostam na loteria todos os dias, concorrendo a prêmios milionários! Mas, por mais altos que sejam estes prêmios, eles correspondem a apenas 46% do valor total arrecadado pelas apostas. Uma parcela do montante é utilizada para cobrir as despesas do concurso, e o restante, revertido em arrecadação para o governo. Quem quiser se informar melhor sobre como funciona a distribuição desse dinheiro, pode acessar esta reportagem do G1:http://migre.me/aWfIn

Através da loteria o governo faz com que as pessoas contribuam com o orçamento da união sem que seja necessário instalar qualquer taxa, juro ou imposto a mais, o que, certamente, causaria desagrado.  As pessoas contribuem felizes, sem se sentirem controladas.

Se pesquisarmos encontraremos diversos outros exemplos de situações nas quais isso acontece: as pessoas tem seu comportamento controlado sem que percebam. Apenas a titulo de exemplo, cito a “Faixa reversível” implantada na cidade de São Paulo como forma de incentivo aos motoristas darem carona. Apesar de mal planejada, expressa uma forma de controle semelhante. Quem desejar conhecer melhor o projeto, clique aqui [http://migre.me/aWUqi].

Isso acontece por um motivo bem simples. O controle é percebido apenas quando exercido de forma autoritária ou imposta, com o emprego de meios coercitivos para influenciar o comportamento. Em outras palavras, percebemos o controle e nos incomodamos com ele apenas quando nos comportamos para evitar que algo aconteça ou para nos livrarmos de algo que está acontecendo. Quando nos comportamos para obter algo bom, algum benefício, prazer ou algo similar, nos sentimos livres e dizemos que tomamos a decisão pelo “livre arbítrio”. Isso ocorre especialmente quando este “algo bom” é ameno, não traz prejuízos em outros campos da vida e não demanda esforço atípico.

EnCena – Existe uma relação normalidade-loucura no tema do comportamento?

Esequias Neto – O comportamento enquanto tema pode ser discutido a partir de diversas abordagens da psicologia, uma vez que o termo é bastante genérico e é utilizado até mesmo no senso comum. E em cada abordagem na Psicologia, encontraremos uma concepção bastante diferente sobre a ideia de comportamento, assim como da concepção acerca da normalidade-loucura. Falarei, aqui, a partir de minha abordagem de formação e estudo, que é a Análise do Comportamento/ Behaviorismo Radical.

A ideia de “normalidade-loucura” não existe na Análise do Comportamento. Falar em “normal” e “louco” implica em julgar o sujeito a partir de uma regra ou parâmetro pré-concebido, geralmente cultural e estatístico sobre como as pessoas devem se comportar. Aquele que foge a esta regra ou parâmetro é considerado louco, e aquele que se adequa a ela, é considerado normal. Esse tipo de julgamento é incompatível com a proposta Behaviorista Radical/ Analítico Comportamental, que compreende cada pessoa como um ser único e incomparável, que deve ser acolhido, compreendido e ajudado segundo suas particularidades. Os próprios manuais diagnósticos (DSM e CID) são inúteis na prática clínica do Analista do Comportamento enquanto identificadores de patologias, embora possam usados como descritores de comportamento e como meio de comunicação entre profissionais da área. Também são utilizados  nas situações de pesquisa que visam estudar a efetividade das intervenções analítico-comportamentais para casos específicos.

EnCena – Quais os principais desafios encontrados ao discutir os temas da psicologia hoje ?

Esequias Neto – Depende. Se a discussão for entre profissionais de uma mesma abordagem e campo de atuação, teremos um conjunto X de desafios. Se for entre profissionais de mesmo campo de atuação e abordagens diferentes, teremos um conjunto Y. Se for entre profissionais de campos de atuação diferentes e mesma abordagem, teremos um conjunto W. Se for entre Psicólogos e outros profissionais, teremos ainda um conjunto Z e assim por diante, ad infinitum.

EnCena – Na sua opinião, a discussões da psicologia ainda estão distantes do grande público?

Esequias Neto – Em certa medida, sim, mas não sei se isso é errado. Creio que discussões filosóficas, epistemológicas, e, de certa forma, metodológicas, não dizem respeito ao grande público. O grande público se interessa pelos resultados que somos capazes de produzir, belos benefícios que o conhecimento gerado na Psicologia é capaz de oferecer. Em outras palavras, o grande público se interessa em saber para que somos úteis, ou por qual motivo deve procurar um Psicólogo, e é nesse ponto que deixamos a desejar.

O Psicólogo tem dificuldades para mostrar sua utilidade. As pessoas desconfiam muito de seu trabalho. Nas palavras de um ex-professor de matemática, “o psicólogo é muito bom no discurso, mas não é capaz de ir muito além disso…”. Neste sentido, precisamos nos preocupar mais com a efetividade de nossa atuação, com a produção de claras melhorias na qualidade de vida das pessoas, e claro, com a divulgação de nosso trabalho ao público externo à Psicologia.

Divulgar nosso trabalho envolve outra questão muito importante: nossa linguagem. Precisamos nos lembrar que o público leigo em Psicologia não conhece os jargões e termos técnicos que utilizamos, e nós é quem precisamos nos fazer compreender.

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Um olhar sobre a hiperatividade

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A hiperatividade é a característica comumente mais abordada ao se falar em Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), mas é importante frisar que o TDAH é caracterizado por um padrão comportamental infantil, onde a criança apresenta dificuldades de manter  concentração, são  impulsivas e  agitadas.

Um dos grandes problemas atuais é o fato de o distúrbio ser facilmente confundido com características normais de crianças, uma vez que é comum as crianças serem mais ativas, agitadas. Em geral o TDAH é um dilema para os pais, que tem dificuldade na educação dos seus filhos, mas em nosso tempo, pelo vasto acesso a informações, às crianças são muito mais estimuladas do que ha duas décadas, por exemplo, o que justifica, quase sempre, o comportamento agitado das crianças atualmente.

A educação de crianças tem se tornado cada vez desafiadora para pais e professores.  O termo hiperatividade caiu nas graças dos pais que vem no diagnóstico um pretexto para não lidar o problema. É muito mais fácil estigmatizar e vitimar a criança, justificando seu comportamento com o TDAH, que se empenhar em proporcionar uma educação de qualidade, muitas vezes apenas impondo limites a seu filho, o pai já consegue grandes melhorias.

E dessa forma a hiperatividade virou moda, e virou sinônimo de infância. As mídias televisivas se apropriam do termo, e fazem alarde, em matérias resumidas que explicam muito mal as reais características do diagnostico de TDAH, seria ma justificativa para os pais aceitarem tão alegremente transtorno ao autodiagnosticarem seus filhos.

Mas não dá para culpar os pais. Cabe ressaltar que eles acabam repetindo, com seus filhos, uma educação baseada naquela que receberam de seus pais. Estamos presos a um regime disciplinar que nos molda desde a infância.

Outro fator relevante para se entender essa mudança no perfil da infância em nosso século, é que as crianças hoje chegam muito mais cedo na escola, e entram em contato com uma situação totalmente nova, muitas vezes essa criança não é bem estimulada em casa, e por não atender as expectativas do professor acabam recebendo um rotulo, e sendo encaminhada para acompanhamento profissional. Nesse ponto, é que entra o psicólogo e sua psicologia, no entendimento dessa criança. O problema é que existem profissionais e profissionais. Basta uma avaliação mal feita e pronto: instaurou-se o caos. Enquanto profissionais da área da saúde em geral, temos uma responsabilidade com a vida de nossos clientes, e com as consequências que nossos erros podem acarretar em sua vida.

As crianças estão cada vez mais cheias de atividades para fazer durante o dia, o que muitas vezes, é uma estratégia dos pais de se livrarem do problema, ocupam o dia do filho com diversas atividades. E, ao mesmo tempo em que se aumentou o número de atividades, aumenta-se a cobrança em cima dessas crianças, que são forçadas a maturar-se mais rápido, muito antes do que elas estavam preparadas. Geralmente nos esquecemos de que crianças são apenas crianças.

Vale ressaltar que a hiperatividade assinalar-se por um sintomatológico de atividade constante que perpetua noite e dia. Geralmente, durante o dia, o hiperativo está em intenso movimento, executando diversas atividades ao mesmo tempo, e à noite tem insônia ou, quando dorme, tem um sono agitado.

O principal atributo da hiperatividade é a atividade interrupta do cérebro, onde ainda após o cansaço físico, o mesmo continua em funcionamento. E para sanar o problema é necessário, além de um diagnostico diferenciado, um tratamento específico respeitando a singularidade de cada paciente. Pois a hiperatividade é muito particular e responde diferentemente no aspecto singular de cada individuo.

Enfim, é preciso dissociar o conceito de hiperatividade ao termo de uma simples agitação presente em algumas crianças, pois a característica hiperativa do TDAH é muito mais que um comportamento agitado, tal aspecto e exige uma forma mais rigorosa de ser tratada. Sendo assim, vale ressaltar que: primeiro, é imprescindível conhecer o assunto antes de rotular crianças sem o mínimo conhecimento contextual.

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O anjo pornográfico na Avenida Brasil

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Para salvar a plateia, é preciso encher o palco de assassinos, de adúlteros, de insanos e, em suma, de uma rajada de monstros.
Nelson Rodrigues

Li todas as peças de Nelson Rodrigues, furtiva e escondida pelos cantos, ao longo da minha adolescência, o que me rendeu a alcunha, durante algum tempo, de insociável. Durante a vida assisti a algumas peças. Confesso que nem sempre a altura do texto sublime do autor. Em geral, as peças sempre me inquietavam e me deixavam embasbacada com o olhar irônico e sarcástico sobre o ser humano.

Há coisas que só se confessa num divã de psicanálise, à meia luz, ou numa confissão com o travesseiro. Eu confesso: acredito mesmo que todos nós temos algum tipo de perversão (confessos ou não), em maiores ou menores graus. Lembrando que a palavra perversão vem do latim perversione que corresponde ao ato ou efeito de perverter. Neste caso, a  utilizo para designar o ‘desvio’, por parte de um indivíduo ou grupo, de qualquer dos comportamentos considerados ‘normais ou ortodoxos’. E para enfrentar e sobreviver a esse insight, só mesmo lendo a escrita lúcida deste anjo, Nelson Rodrigues, para sermos inundados do sentimento catártico de ‘eu sou normal’ e para desvelar a vida como ela é.

Sempre me intrigou a designação de anjo pornográfico. Por que pornográfico? Muitos abominam Nelson Rodrigues e sua escrita maldita. Mas assistem, em horário nobre, ávidos a malfadada cruzada de Nina contra Carminha em “Avenida Brasil”, novela das nove. A casa de Tufão é uma casa à la Nelson Rodrigues, pra nenhum amante do teatro rodriguiano colocar defeito. E o triângulo amoroso? Melhor dizendo, qual triângulo amoroso!? Tufão, Carminha, Nina? Tufão, Carminha, Max? Carminha, Max, Ivana? Nina, Max, Jorginho? Nina, Tufão, Jorginho? Nilo, Mãe Lucinda, Santiago? Tessália, Leleco, Darkson? Tessália, Leleco, Muricy? Muricy, Leleco, Adauto? Jorginho, Débora, Iran? Olenka, Silas e Monalisa? E o que dizer de Cadinho e suas três mulheres: Noêmia, Verônica e Alexia?  E a união de Leandro, Roni e Suelen? Claro, não nesta mesma ordem, depende do dia da semana pode ser alternado. O troca-troca de casais movimenta a trama e torna os relacionamentos áridos fast-food.

Por isso, muitos perguntam sobre o nível das telenovelas. E eu pergunto: e o nosso nível? Afinal, há uma reciprocidade, as novelas são assim por que o telespectador também o é, isso explica o esplêndido e estrondoso sucesso da trama.

Desta forma, explicam-se os modismos durante e pós-novelas: cabelos, roupas, maquiagem, gírias e bordões, e, claro, comportamento. Bem, o que me chama atenção são os bordões que estão na cabeça e na boca das pessoas: ‘Assim você mata o papai’; ‘É tudo culpa da Rita!’; ‘Me serve, vadia’; ‘Ariranha’; ‘Piriguete’. E não é que a novela lançou a moda piriguete? Agora, temos um vasto repertório de estilo piriguete cool de norte a sul do país.

Embora Nelson Rodrigues sempre tenha afirmado desconhecer a obra de Freud e Jung, suas peças teatrais parecem ter sido cunhadas pelos complexos de Édipo e de Electra, facilmente observados na relação amorosa entre Leleco e Tessália, a música tema do casal “Assim você mata o papai” do grupo Sorriso Maroto, autoriza essa leitura.

E o tragicômico Leleco faz um contraponto com o personagem rodriguiano, Olegário, da peça “A mulher sem pecado” (1942). Na peça Olegário é um homem ciumento, mais velho, obcecado pela dúvida sobre a fidelidade de sua jovem e bela esposa, Lídia. Para testá-la, finge-se paralítico. No último ato, Lídia deixa uma carta e foge com o canalha Umberto, o chofer. Também, na peça fica clara uma referência ao complexo de Édipo, quando Olegário reclama da mania de Lídia de chamá-lo de ‘meu filho’.

Na trama televisiva, Leleco também é um homem mais velho que se casa com uma ninfeta, o que desencadeia uma crise de meia-idade e a dúvida sobre a fidelidade da moça. Leleco contrata um personal para tentar seduzir Tessália, no entanto as coisas se complicam quando o personal Darkson se apaixona por ela.

O mundo rodriguiano é o mundo imperfeito que se olha no espelho e não tem vergonha de se ver e de falar de si, e as telenovelas trazem uma representação da vida cotidiana, tanto na elaboração das personagens como dos cenários da vida privada. É o espelho que ora se aproxima do real ora se mostra distorcido, mas sempre em contraponto com a realidade circundante.

É na literatura, no teatro e nas telenovelas que encontramos a transgressão e provocação (Por que não dizer tentação?) dos limites do pensar a sexualidade e os sentimentos humanos.

Aplausos, então, para Nelson Rodrigues, gênio e poeta maldito, que durante mais de 20 anos, foi o único obsceno do teatro brasileiro, e para o autor João Emanuel Carneiro e sua atual galeria de personagens rodriguianas.

E do que precisamos? De outros anjos pornográficos para nos desmascarar, nos despir, nos espiar pelo buraco da fechadura e depois nos representar em suas peças.

Saiba mais:

BORELLI, Sílvia Helena Simões. Telenovelas Brasileiras: balanços e perspectivas. São Paulo em Perspectiva, 2001.

FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer. In: Obras psicológicas completas: Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

RODRIGUES, Nelson. A mulher sem pecado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

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A Liberdade de Caqui

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Antes de sair para o trabalho percebo que realizo algumas ações rotineiras e diárias. Acordo e procuro rapidamente o primeiro par de chinelos, evitando assim tocar os pés quentes no piso frio. Dirijo-me ao banheiro e realizo algumas práticas de higiene e estética. Logo após isso, me arrumo , tomo café e saio para o trabalho.

No momento em que piso os pés na rua, minha preocupação não é mais o choque térmico entre o frio e o quente, mas uma inquietação incorporada inconscientemente de andar socialmente na rua. Cabelos penteados, tênis amarrado, postura correta, entre outras condutas guiadas por normas sociais impostas em meu contrato social.

Então rapidamente me surpreendo com uma situação inesperada. Um cidadão anda pela rua muito rapidamente e chama a atenção de todos, inclusive a minha. Além da rapidez, os trajes encontram-se amarrotados, sendo uma camisa social posta para dentro do short e meias marrons, na altura mediana das canelas. Para ampliar a esquisitice visual, ele agacha-se no meio da calçada de uma das principais avenidas da cidade e começa a mostrar para os apressados trabalhadores que cruzam por ele, uma fita cassete da dupla sertaneja Milionário e José Rico. Seu nome? Ninguém sabe! Muitos o chamam pelo apelido: Caqui.

Caqui é portador de transtornos mentais e é popularmente conhecido na cidade de Paraíso por sua extravagância, pelas “maluquices” e por possuir um enorme vestuário de camisetas de times brasileiros de futebol. Um dia é Vasco, no outro é Flamengo, depois Corinthians, no outro Santos e por aí vai. Mas por que ele chama tanto a atenção? Que conduta ou comportamento frente a nossos olhos faz a gente se focar nele? Talvez seja porque ele não possui, ou não dá tanta importância às normais sociais.

Enquanto uns se preocupam com a aparência e a boa conduta frente à comunidade, Caqui parece não se importar. Ele grita, corre, pula, se agacha, isso tudo no meio da rua e das pessoas. Mas confesso que em alguns instantes eu o invejo. Há algo libertador nele. É como se ele fosse protegido dos olhares e dedos indicadores. Ele não abana o rabo para demonstrar afeto, ele pula logo em cima do dono e põe-se a lamber. Seu comportamento é autêntico e controverso ao mesmo tempo.

Mas olhando para tudo isso, recai a dúvida: Quem no fim das contas é doido? Ele, que anda por aí guiado sabe se lá pelo quê? Ou nós, que ficamos presos em normas sociais, com medo de sujarmos nossa reputação, ou de sermos confundidos com algum maluco?

Talvez seja pelo fato de levarmos tão a sério essas regras, que não entendemos o comportamento de Caqui . Ele não se importa com as diretrizes e, aparentemente, não sofre conseqüências com isso. Contudo, a falta de implicações não justifica uma idéia de revolução contra as normas existentes. Por isso, continuarei penteando os cabelos, amarrando os sapatos e, quem sabe em outro momento, vestir uma camiseta do Corinthians, meu arqui-rival, e sentir a liberdade de Caqui.

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Estar estacionado desejando Aquilo sem kilo que só ele faz

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