Corpus Ex-Machina: qual o limiar entre o humano e tecnológico?

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Com o advento da Globalização, os instrumentos criados pelo homem para realização de trabalhos manuais tornaram-se cada vez mais sofisticados, facilitando o distanciamento corporal no que diz respeito aos relacionamentos interpessoais. A discussão a ser feita, neste ensaio, é relacionada a mudança de comportamento dos seres humanos em decorrência da agilidade e do fascínio que as tecnologias nos proporcionam. O capítulo “CORPUS EX-MACHINA: Contatos imediatos porque mediados” de Vargas e Meyer retirado do livro “Corpos mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais”, organizado por Couto e Goellner, salienta um cenário onde as máquinas são uma extensão do homem para execução de atividades laborais.

O capítulo do livro utilizado como referencial para elaboração deste ensaio discorre a mutação constante do corpo através da utilização dos recursos tecnológicos. Explana, ainda, sobre transformações na vida social e nas experiências individuais que contribuem para a construção de subjetividade dos sujeitos. A comparação e correlação do homem com as máquinas vai além da facilitação de atividades e expansão privilegiada de soluções. A precisão maquinaria e tecnológica, leva o homem à uma busca similar de avanços de capacidade, a citada “ciborguização”. Isso leva o homem não só a interação tecnológica, mas a uma mudança de comportamento.

Desta forma, visamos comparar estes fatos à referências teóricas que relatem a problematização dessa fusão do homem com as máquinas e a mudança de significação do mesmo, além de detectar e pontuar questões importantes que ocorrem além do cenário hospitalar, mas como também em vários outros settings da vida do homem. Neste ínterim, apresentamos este ensaio com o objetivo de complementar e relacionar conhecimentos e discutir assuntos pertinentes ao capitulo “CORPUS EX-MACHINA: Contatos imediatos porque mediados”.

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Fonte: http://migre.me/vmhbx

O que é um ciborgue?

O texto de Vargas e Meyer, no livro Corpos mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais de Couto e Goellner (2007), apresenta o caso de uma “ciborguização” de uma enfermeira, integrante da equipe de atendimento da Unidade de Tratamento Intensiva. Primeiramente, é necessário definir o termo ciborgue (cyborg). Em termos gerais seria uma fusão do humano com a tecnologia, e, especificando, trata-se de um organismo que incorpora/incorporou uma estrutura cibernética a si mesmo. No que se refere a sua criação:

[…] o termo cyborg nasceu da contração de cybernetics organism e foi apresentado, também em 1960, por Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline em um simpósio sobre os aspectos psico-fisiológicos do vôo espacial. Inspirados por uma experiência realizada nos anos 1950 em um rato, no qual foi acoplada uma bomba osmótica que injetava doses controladas de substâncias químicas, eles apresentaram a idéia de se ligar ao ser humano um sistema de monitoramento e regulagem das funções físico-químicas a fim de deixá-lo dedicado apenas às atividades relacionadas com a exploração espacial. (KIM, 2014)

Assim como um rato, os cientistas da época viram que o ciborgue seria um organismo mais aprimorado. Nisto, o ser humano com o seu corpo orgânico tão frágil frente às possibilidades e incertezas da natureza, poderia ser potencializado na tentativa de sair dessa perspectiva de submissão. Assim, Haraway (2000, p. 94) afirma que o ser humano híbrido tem suas funções supridas ou melhoradas através de mecanismos tecnológicos.

A partir desta premissa, é possível visualizar os avanços da medicina e bioengenharia a “favor” da saúde e da estética, pois propõe o uso de medicamentos, próteses, estudo do DNA, como formas de concretizar essa ciborguização do ser humano, de forma discreta e aceitável. Outro ponto de vista, ainda do termo referido, é a que foi exposta pelas autoras. No contexto hospitalar de UTI, tanto a enfermeira quanto os outros integrantes da equipe de atendimento se tornam cyborgs. São, não por possuírem uma parte física cibernética incorporada aos seus corpos, mas por utilizarem dos mecanismos tecnológicos e cibernéticos para sua atuação profissional, de forma que vão se mecanizando e não conseguem se dissociar destes.

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Fonte: http://migre.me/vmhK2

Além disso, a mesma tecnologia permite uma visualização high-tech (tecnológica avançada; de ponta) do corpo humano como também uma máquina, que possui estruturas decifráveis. E, portanto, pode ser investigado sem, necessariamente, ser de forma invasiva e sim simulada por um sistema informacional (cibernético). Como por exemplo:

Scanners, sistemas de ressonância magnética funcional, tomografia computadorizada dão acesso a imagens do interior do corpo. A partir de membranas virtuais, pode-se reconstruir modelos digitais do corpo em três dimensões, o que poderá ajudar os médicos em cirurgias. (Lima, 2005, p.05)

Vargas e Meyer sugerem “uma visão que concebe esse corpo, entre outras coisas, como um condutor ampliado de informação conectado a um complexo sistema computacional”, que se encontra dentro do contexto daqueles profissionais, cuja enfermeira faz parte: Reanimação de pacientes com Parada Cardiorrespitatória (PCR), precisam ser habilitados e rápidos, além desta visão.

Como ocorre a “ciborguização” dos profissionais de saúde

Dentro dessa mesma equipe os profissionais têm à sua disposição algorítimos, que de acordo com o Dictionary of Epidemiology de John Last (1983, apud Vargas e Meyer) significa: “qualquer processo sistemático que consiste em ordenar uma sequência de passos”, que também é sinônimo a protocolos clínicos. Estes direcionam o que os profissionais precisam realizar durante o atendimento de acordo com as situações peculiares de cada paciente. Ademais, os protocolos clínicos se utilizam de linguagem e siglas exclusivas dos profissionais habilitados. Desta forma, os profissionais da UTI precisam estar sempre bem treinados, à prontidão e corresponder aos protocolos indicados.

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Fonte: http://migre.me/vmgYJ

Por meio da tríade: informação – ser humano – máquina, aperfeiçoada no texto como “computador – profissional – equipamento”, há outra forma de enxergar o tema do texto “contatos imediatos porque mediados”. As autoras propõem que os termos: imediatos refere-se à rapidez do atendimento da equipe profissional, enquanto que mediados implica no serviço computacional (tecnológico) como mediador do atendimento entre o profissional e o paciente. Exemplificando no texto com o seguinte trecho:

[…] pela composição e treinamento de uma equipe preparada para agir com rapidez, os quais podem ser entendidos, nesse contexto, como sendo contatos imediatos. Já a programação de um sistema de monitoração que detecta e classifica precocemente o tipo de PCR, […] para oferecer todas as modalidades de atendimento possíveis a um/a paciente em PCR exemplificam, a priori, os denominados contatos mediatos. (VARGAS & MEYER, 2007)

O que propomos é repensar os contatos imediatos porque mediados, de modo que ao vocábulo “imediatos” pode ser pensada como a rapidez da informação, de como o sistema computacional proporciona agilidade no feedback para os profissionais (e pessoas). E em “mediados” como a mediação do ser humano entre a máquina (computador) e a informação. Fazendo, desse modo, jus à tríade citada anteriormente: “computador – profissional – equipamento”. É um panorama para acrescentar, como mais uma possibilidade de entendimento do texto. Foi formulada com base em alguns trechos, como:

Imediatos – “os humanos sempre tiveram associações íntimas com os dispositivos e tecnologias que eles/as construíram, mas nunca, antes, com tecnologias que operam à velocidade das novas tecnologias da informação” (GREEN & BIGUM, 1995, p. 230). E os mediados: “[…] a ciborguização da enfermeira intensivista, então, diz respeito menos ao conteúdo e à informação e mais ao estabelecimento ou à produção de novas relações entre conteúdo e informação” (VARGAS & MEYER, 2007, p.133). Esclarecendo, que se entendeu relações como um tipo de mediação elaborada pela enfermeira.

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Fonte: http://migre.me/vmgyt

E, a partir desses dois parâmetros ainda chegamos ao mesmo ponto: Qual o limiar entre o humano e tecnológico? Esta relação imediata e mediata faz cada vez mais o ser humano híbrido a máquina, a corporifica. De modo que não se consegue identificar a separação (se houver) do que é vivo com o não vivo. E, o sujeito se escandaliza ao perceber isto que lhe acontece. Nessa perspectiva, atentamos sobre a necessidade de refletir sobre o conceito de humano na contemporaneidade, no que ele é e pode deixar de ser (através da ciborguização). De acordo com o conceito de Heidegger (1973, p. 350 appud Lima, 2005), é preciso “meditar e cuidar para que o homem seja humano e não desumano, inumano, isto é, situado fora de sua essência” (p. 07).

Mudanças comportamentais decorrentes da mediação tecnológica

Os comportamentos e costumes dos sujeitos da sociedade pós-moderna sofrem imensas influências das descobertas tecnológicas que visam facilitar a vida destas pessoas. No ensaio “Corpus ex-machina: contatos imediatos porque mediados” a autora deixa claro ao narrar história de um acontecimento em um hospital médico cujas manifestações das ações dos sujeitos foram intensamente influenciadas e mediadas por tecnologias. Esta apropriação das tecnologias visando viabilizar uma maneira de realização de objetivos mais rápidos possuem diversas consequências, tendo como principal a desumanização das relações interpessoais.

Segundo Brocanelli (2011 p.2) o homem vive “em meio à multidão sem que lhe seja possível uma experiência autêntica”. Isto é, o ser humano, atualmente, tem a possibilidade de manter contato com diversas pessoas do planeta, de forma precisa e bastante rápida, todavia, deixando de lado as experiências que poderiam adquirir de forma empírica, mas agora obtendo-as ao conectar-se em rede.

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Fonte: http://migre.me/vmgtR

Esta escassez de experiências autênticas contribui para uma sociedade relativamente mecanizada, onde os seus habitantes estão atentos apenas àquilo que lhes é apropriado. Os momentos que foram perdidos, experiências que não chegaram a concretizar-se podem ser adquiridas sem gasto excessivo de tempo, apenas acessando redes computadorizadas que possuem todas as informações que necessitam. Benjamin traz uma reflexão sobre a perda destas experiências que

sempre fora contada aos jovens. De forma concisa, na autoridade da velhice, em provérbios; de forma prolixa, com a sua loquacidade, em histórias; muitas vezes como narrativas de países longínquos, diante da lareira, contadas a pais e netos; que foi feito de tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias como elas devem ser contadas? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração? Quem é ajudado hoje, por um provérbio oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência?. (BENJAMIN 1994, APUD, BROCANELLI, 2011 p. 6)

Do ensaio “Corpus ex-machina: contatos imediatos porque mediados”, pode-se trazer a interpretação não apenas contribuições negativas para essa mediação tecnológica, se for levado apenas em consideração da facilidade do tratamento biológico, porém a autora intensifica a crítica implícita da ciborguização da enfermeira como forma de enaltecer a pobreza de experiências dos valores humanos, resultado da apropriação dos mecanismos que agora, fazem parte do cotidiano dos sujeitos pós-modernos.

O cerne da ética estudada por Gadamer (1997), contribui para entendermos sobre a mediação dos comportamentos definindo que o homem não produz a si mesmo da mesma forma que produz as coisas úteis para sua vida. Baseando-se nessa ética, a tarefa mais importante na existência humana é a decisão ética, ao buscar respostas frente as diversas situações concretas. Frente a essas situações inesperadas o homem deve ter e manter uma atitude ética ao responder e, essa atitude não pode ser aprendida e nem pré-determinada pois depende da disposição humana.

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Fonte: http://migre.me/vmi3S

Do título “Corpus ex-machina: contatos imediatos porque mediados” também pode-se interpretar de outra forma: A mediação tecnológica dos contatos humanos. Isto é, as relações interpessoais foram “cristalizadas” e moldadas a partir da inserção do mundo tecnológico em nosso ambiente, assim como afirmado por Brocanelli (2011, p. 6-7)

se existe um objetivo nesse desenvolvimento, é formar e acomodar as pessoas em suas tarefas, uniformemente, sobrecarregando-as com atividades e sugando suas energias até que se acostumem em um ritmo que não provoque mudanças, mas as envolva na performance acelerada, reinando o tempo administrado sobre o tempo da alma, aprisionando-a.

Portanto, Gadamer (1997) ao defender que a experiência é um acontecimento que não se permite ser apossado por ninguém, não pode ser determinado quaisquer observações, pois na verdade nela tudo se ordena de forma incompreensível, destaca a importância da abertura à experiência e demonstra que a dialética desta se executa em tal abertura, sendo posta em funcionamento pelo próprio processo de experiência.

Conclusão

No texto de Vargas & Meyer é enfatizado sobre o desenvolvimento tecnológico que está inserido no ambiente hospitalar, sendo assim, os contatos imediatos de serviços realizados pelos profissionais da saúde aos pacientes são mediados por um sistema que necessita de uma tecnologia computadorizada. Para este contato ser bem-sucedido, é necessário que toda a equipe hospitalar seja capacitada para assim lidar com pacientes com PRC (parada cardiorrespiratória) sabendo desenvolver técnicas de RCR (reanimação cardiorrespiratória) em pouco tempo.

As enfermeiras são comparadas a ciborgues, pois estão cercadas de aparelhos tecnológicos. As enfermeiras intensivistas, são tidas como ciborgues de UTI, por utilizarem programas computacionais. Essas enfermeiras citadas no texto estão interligadas ao conteúdo e informações da tríade do sistema computadorizado. Se integram a máquinas por terem que corporificar tecnologia. Dessa forma, o corpo transmite mensagem ao monitor sendo a enfermeira intensivista uma condutora de um sistema computadorizado. O serviço que as enfermeiras se inserem, torna-as robotizadas, visto que os seus sentidos como a escuta, o olhar e suas formas de se deslocarem funcionam através dos comandos de máquina.

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Fonte: http://migre.me/vmipp

A questão da mediação do serviço utilizando os avanços tecnológicos nos faz pensar que outras formas de atuação no ambiente trabalho que não visem esse sistema computadorizado, seria uma quebra de paradigma muito grande, visto que o sujeito tornou-se totalmente dependente de uma máquina que orienta como desenvolver melhor o serviço. Conclui-se que é importante uma reflexão sobre se os nossos atos como seres humanos está nos tornando parecidos com máquinas, pois há outras formas de ser e viver que não depende somente de máquinas desenvolvidas tecnologicamente para prestar os comandos de serviço.

REFERÊNCIAS:

BROCANELLI, Cláudio Roberto. Experiência, formação humana e educação: reflexão a partir dos pensamentos de Walter Benjamin e Hans-George Gadamer. In: 3° CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇAO, 3., 2011, Parana: Uepg, 2011.

GADAMER, Hans-George. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

HARAWAY, Donna. Manifesto Ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do Séc. XX. In SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

KIM, Joon Ho. Cibernética, ciborgues e ciberespaço: Notas sobre como origens da cibernética é Sua Reinvenção cultural. Horiz. antropol. , Porto Alegre, v. 10, n. 21, p. 199-219, junho de 2004. Disponível em: < “http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832004000100009&lng=en&nrm=iso”>. Acessado em 07 de setembro de 2016

LIMA, R. L. A. Do corpo-máquina ao corpo-informação: o pós-humano como horizonte biotecnológico. Encontro anual da ANPOCS, 2005. Disponível em: < “http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=3848&Itemid=318>. Acessado em 24 de agosto de 2016.

TEXEIRA, Ivana dos Santos; FRAGA, Alex Branco. Mutatis mutandis in corporae. Movimento, Porto Alegre, v. 14, n. 02, p. 233-238, maio/agosto de 2008. . Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/Movimento/article/viewFile/5757/3366>. Acessado em 26 de agosto de 2016.

Vargas, M. A. Meyer, D. E. Corpus Ex-Machina: contatos imediatos porque mediados. In: COUTO, Edvaldo Souza; GOELLNER, Silvana Vilodre (Org.). Corpos mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais. Porto Alegre, Ed. da UFRGS, 2007, p. 123-142.

 

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Grades que nos educam

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Somos frutos do meio? Até que ponto nossas personalidades refutam as nossas escolhas?

A educação e o acesso a cultura podem desenvolver o ser? Ou já nascemos com personalidades, que independentemente das oportunidades e experiências de vida, vamos aflorando aquilo que já somos?

Ladrões, psicóticos, lideres espirituais ou pessoas de bem?

Este texto é uma reflexão, sobre o que se desenvolve naturalmente nos seres, e o que os seres se permitem desenvolver. Uma reflexão, sobre os valores que nos foram ensinados, e os valores que carregamos em nossas personalidades.

Dois irmãos gêmeos, que nasceram de uma mesma mãe, desfrutaram de uma mesma educação e acessibilidade à informação, como podem ser tão diferentes? Seria pelas oportunidades e experiências, somente?

Seria mesmo possível reinserir, um cidadão que comete atos violentos? Ou seria ele uma mente doentia incurável, que necessita eternamente de cuidados e tratamentos psiquiátricos? Até que ponto, este ser, poderia novamente reconquistar a confiança da sociedade?

O berço em que nascemos define quem somos e quem seremos?

Ou ajudaria, a encontrar sempre, novas opções, para solucionar nossos problemas?

A sua historia define quem você é? Ou a sua vida, foi resultado de tentativas, que aflorou o seu mais alto grau de instinto de sobrevivência, e deixou de lado a compaixão e atitudes humanitárias?

Reflita, quais são as grades que educam a nossa sociedade. O acesso à informação, alimentação, saneamento básico, estrutura familiar, definem as pessoas de caráter e sucesso? A ética e a moralidade, não são questões de escolhas, e sim de oportunidade?

De acordo com REIS (1999), em o Modelo Metateorico da Psicologia da saúde:

“Não há fronteirass entre o biológico, o psicológico e o social, pois eles constituem-se num todo integrado. Os pensamentos, crenças e sentimentos estão encarnados no corpo. As vivências pessoais da pessoa, o seu ambiente, os seus pensamentos, sentimentos e crenças vivem intimamente com os seus músculos, tendões, ossos, nervos, hormonas e posturas corporeas”

Assim, não há como separarmos o ser de sua estrutura física, suas características de personalidade e contexto socio-cultural. Suas escolhas de vida, são provenientes das suas experiências, de ordem física, psiquica e sociail: BIO – PSICO – SOCIAL.

Talvez, algumas grades que a sociedade busca para manter o controle social, não consiga reinserir o indivíduo ao meio, e sim, se prontifica a manter uma imposição à ordem.

Claro que a necessidade à ordem é inerente para o fortalecimento de uma sociedade. Mas a dialética de confinamento e isolamento, talvez sejam casos a serem repensados, pois muitos destes lugares não promovem à integração moral do sujeito, que por muitas vezes, são cidadãos, imersos em um contextos de violencia e negligencias, que não conseguem ser aceitos pela nossa sociedade, e se rebelam.

“As metodologias visam juntar todos os aspectos da pessoa de forma a que esta se possa experienciar como um organismo unitário, em vez de uma mistura de partes e em que todas as dimenções têm de ser conectadas ou ligadas dialecticamente para promover e facilitar o processo preventivo ou de tratamento” (KEPNER, 1987).

Se faz parte da construção da nossa estrutura psíquica, o meio em que vivemos e nos relacionamos, fica evidente aos métodos de punição e ordem, não promover a reinserção do indivíduo.

Por fim, levando-se em conta, os três modelos, BIO – PSICO – SOCIAL, percebe-se que as grades que nos educam, são resultados de vários fatores, desde o nosso nascimento, até o fim de nossos dias.

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50 tons de cinza: porque o óbvio passa despercebido

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Concorre ao OSCAR de Melhor Canção Original

Banner Série Oscar 2016

Furor entre as mulheres. Este é o principal efeito do filme 50 tons de Cinza, que estreou recentemente no Brasil, embora uma boa parte do público já soubesse o final, devido ao fato da obra ser baseada na trilogia da escritora britânica E.L. James, um romance erótico que já vendeu mais de 100 milhões de cópias no mundo, e 5 milhões somente no Brasil (VEJA, 2015a).

O filme, uma adaptação de um livro de mesmo nome, conta a história de Anastasia Steele (interpretada por Dakota Johnson), uma ingênua e desastrada estudante de literatura de 21 anos que conhece o empresário Christian Grey (interpretado por Jamie Dornan), um bilionário de 28 anos. Apesar de sua inexperiência, Ana se mostra decidida se envolver com Christian e se entregar a relação amorosa que se inicia entre os dois. A estudante se deixa seduzir por um homem que ela idealiza como perfeito. Mas a medida que a relação se desenvolve, Grey mostra que tem gostos peculiares e é adepto a práticas sexuais sádicas.

Do ponto de vista do espectador que não leu o livro, e não faz ideia de como a trilogia se desenvolve, toda a trama parece desconcertante. Em vários momentos do filme, Anastasia se mostra hesitante. Não consegue compreender porque sente tanto amor e tanta repulsa pelo mesmo homem. Seus sentimentos estão confusos. Ao lado de presentes, passeios e aparentes demonstrações de afeto, estão a indiferença, o ciúme, a possessividade e uma violência psicológica sutil. Percebe-se claramente que ele atua por meio de um esquema de reforço intermitente, onde o reforço não ocorre após a emissão de um tipo de comportamento, mas forma aleatória (Skinner, 1972). Deste modo, a jovem Anastasia não entende porque o namorado tem comportamentos tão destoantes.

No entanto, Grey percebe intuitivamente que suas ações mantém o comportamento de interesse de Ana por mais tempo e diminui os riscos de uma extinção rápida. Apesar de ser uma ferramenta muito poderosa, este tipo de reforço (Pinto & Ferreira, 2005) apresenta conseqüências perniciosas, pois Ana se mostra cada vez mais confusa e mais incapaz de perceber o que está acontecendo, ao passo que se envolve cada vez mais intensamente com o milionário, experimentando práticas sexuais envolvendo violência.

Para um espectador mais atento, esta dualidade não passa desapercebida. Trata-se de uma relação doentia e perigosa, permeada por abuso físico e emocional (Grossman, 2015). O papel agressivo cabe ao homem, enquanto a Anastasia se limita a um papel passivo e defensivo. Tudo indica que se trata de um caso de perversão, em que Grey manifesta desejos sádicos, pois o que ele “sente, é tão somente o desejo de cometer atos violentos e cruéis em pessoas do outro sexo e uma sensação de volúpia” (Krafft-Ebing, 2009, p. 2) conjunta aos atos de crueldade

Nesse ponto do filme, o espectador começa a se perguntar se Anastasia é masoquista ou se não está compreendendo os desdobramentos dos encontros com Grey, que se tornam mais violentos a medida que se repetem. Pois no masoquismo “o sujeito se faz objeto diante do parceiro transformado em atormentador do seu fantasma, e goza pela erotização da dor infligida no seu parceiro” (VALAS, 1990, p.66). E a protagonista se mostra uma mulher bonita, mas que não percebe sua própria beleza, sendo extremamente ingênua e demostrando baixa autoestima.

Para além das especulações psicológicas, é preciso atentar-se para a fórmula midiática e comercial da mocinha boba que se apaixona por um homem poderoso, já vista outras vezes no cinema, como na saga Crepúsculo (MAIA, 2013; VEJA, 2015a). No entanto, a moça pretensamente ingênua, depois de experimentar o máximo de violência que Grey se diz capaz, resolve recuar e abandonar o relacionamento. O filme termina, e as luzes se acendem. O público sabe que haverá continuação da história, porque ainda faltam dois livros. As mulheres saem do cinema num frenesi desmedido. Mas, o que passou despercebido?

A problemática das relações de gênero. Mais uma vez a mulher está num papel de submissão. Há séculos a condição biológica feminina tem sido utilizada para legitimar processos sociais (PEDRO, 2005; SCOTT, 1995), em que homens e mulheres, são categorizados de forma diferente, onde o aquele ocupa uma posição de superioridade, dominação, racionalidade, e o último o de submissão e subserviência. Para Scott (2012) a dimensão social da relação entre homens e mulheres precisa ser problematizada, porque a “anatomia das mulheres não é o seu destino” (p.335), e os papéis e comportamentos determinados pelo nascer homem ou mulher devem ser discutidos.

O que 50 tons de cinza pode significar em termos de subjetividade? Que as questões de gênero encontram-se tão arraigadas, as normas culturais sexistas e androcêntricas estão institucionalizadas, que as próprias mulheres não conseguem perceber isso, excitando-se com cenas em que o feminino é tido como submisso, frágil, inocente e desprovido de auto-estima.

Para Fraser (2006) a desvantagem social das mulheres restringe sua “voz”, impedindo sua a participação igualitária nas esferas públicas e na vida cotidiana, inclusive na formação da cultura. Apesar da história ter sido escrita e roteirizada por mulheres, os críticos consideram que ainda se constituiu numa produção machista, devido a muita nudez feminina e quase nenhuma masculina (VEJA, 2015b). Se o filme foi criado para o público feminino, é possível que “elas iam querer ver a câmera se demorando mais em Jamie Dornan” (VEJA, 2015b, p.1), o ator que interpreta Christian Grey.

A reação do público feminino, que não percebe a dominação masculina, nem quando ela é escancarada em alta definição, corrobora com as questões postas por Bourdieu (1999):

A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la. A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça (Bourdieu, 1999, p.19).

Trata-se de um círculo vicioso de subordinação cultural e econômica (FRASER, 2006), que, se não é percebido, não pode ser modificado. O que aponta que a injustiça de gênero deve ser combatida com mudanças não só na economia, como querem as mulheres de agora, mas também em outras esferas, como a política e a cultura (FRASER, 2006). Aguardamos as cenas dos próximos capítulos, ou melhor, da trilogia.

 

Referências:

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro, Bertrand do Brasil, 1999.

FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da Justiça numa era pós-socialista. Trad. Julio Assis Simões. Cadernos de campo, São Paulo, n. 14/15, p. 1-382, 2006.

Grossman, Miriam. A ‘carta de uma psiquiatra sobre 50 tons de cinza para os jovens. Trad. Marcos M. Dal Ponte. Psico On-line News, 2015. Disponível em: <http://www.psiconlinews.com/2015/02/a-carta-de-uma-psiquiatra-sobre.html>. Acessado em 25 fev. 2015.

KRAFFT-EBING, R.. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental,  São Paulo,  v. 12, n. 2, Jun.  2009.   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-47142009000200012&script=sci_arttext>.  Acessado em 27 fev. 2015.

MAIA, Ygo. Resenha: 50 tons de cinza. Mergulhando na Leitura – Blogspot, 2013. Disponível em: <http://ymaia.blogspot.com.br/2013/05/resenha-cinquenta-tons-de-cinza.html>. Acessado em 27 fev. 2015.

PEDRO, Joana Maria.Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. Revista História, São Paulo, v.24, n.1, p.77-98, 2005.

PINTO, Rodrigo Diniz; FERREIRA, Lívia Freire. Ciência do Comportamento e aprendizado através de jogos eletrônicos. Anais do I Seminário Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação – construindo novas trilhas. UNEB, Salvador – Bahia, outubro/2005. Disponível em: <http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/novastrilhas/textos/rodrigopinto.pdf>. Acessado em 28 fev. 2015.

SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul./dez. 1995, pp. 71-99.

SCOTT, Joan Wallach. Usos e Abusos do Gênero. Projeto História, São Paulo, n. 45, pp. 327-351, dez. 2012.

SKINNER, B.F. Tecnologia do Ensino. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1972.

VALAS, Patrick. Freud e a Perversão. Trad. Dulce Henrique Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

VEJA. Quem é quem em ‘Cinquenta Tons de Cinza. Cinema, fev. 2015a. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/quem-e-quem-em-cinquenta-tons-de-cinza>.  Acessado em 28 fev. 2015.

VEJA. Diálogos de ’50 Tons de Cinza’ provocam risos em Berlim. Cinema, fev. 2015b. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/dialogos-de-50-tons-de-cinza-provocam-risos-em-berlim>. Acessado em 28 fev. 2015.

Trailer:

Mais filmes indicados ao OSCAR 2016: http://encenasaudemental.com/serie-oscar-2016


FICHA TÉCNICA 

CINQUENTA TONS DE CINZA

Título Original (EUA): Fifty Shades of Grey
Direção: Sam Taylor-Johnson
Roteiro: Kelly Marcel
Baseado em: Fifty Shades of Grey de E. L. James
Música: Danny Elfman
Estúdio: Focus Features
Ano: 2015

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Comportamento: a nossa marca no mundo

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Diariamente, ao abrirmos os jornais e páginas online, nos deparamos com uma gama enorme de notícias sobre corrupção, homicídios, roubos. Nas redes sociais, a indignação e repúdio à desonestidade, ao egoísmo, ao individualismo se espalham através de milhares de compartilhamentos. Parecem todos tão engajados e dispostos a não aceitar, de maneira alguma, qualquer comportamento fora da lei e da ética, que poderíamos até pensar que o retrato do país finalmente mudará. Mas, infelizmente, não é isso o que de fato tem acontecido. As manifestações de desonestidade, desrespeito e desinteresse pelo próximo vêm ficando cada vez maior. E não precisamos da internet ou da TV para termos acesso a esses comportamentos: os presenciamos no trabalho, em shoppings, consultórios, supermercados, em todo lugar.

 

 

Mas por que isso acontece? Como pode haver uma repulsa tão grande aos escândalos noticiados e, na prática, tanta demonstração de desinteresse e desrespeito pelo outro? Seria “modismo”? Será que essa discrepância entre discurso e realidade é fruto de uma “tendência atual”, onde o “bonito” é apontar e se indignar com a injustiça, mas a atitude coerente com o que se fala é desnecessária? Acredito que, em grande parte, sim. Mas vejo também que existe uma dificuldade em perceber a ligação entre os grandes escândalos e o próprio comportamento. 

 

É fácil entender que por trás do “roubar” existe o desrespeito pelo que é do outro; é óbvio o egoísmo e desonestidade presentes em qualquer grande caso de corrupção. Mas perceber essas características nos nossos próprios comportamentos não parece ser tão simples. Quantas vezes insistimos em manter o volume do som do carro nas alturas, sem pensar no incômodo que isso pode estar gerando para os outros? E quando nos esbaldamos ao comprar em sites onde tudo é mais barato, mesmo tendo inúmeras evidências de que a mão de obra utilizada é escrava? E quando fazemos manobras indevidas no trânsito para conseguir chegar a tempo em nosso destino? Podemos até pensar que “linkar” essas manifestações comportamentais cotidianas com exemplos extremos de desrespeito e desonestidade é exagero, mas, na verdade, não é.

 

 

Os comportamentos usados como exemplos no parágrafo acima têm como elemento principal o egoísmo, o egocentrismo, a insensibilidade, a arrogância, o desrespeito e desinteresse pelo outro. Elementos esses que também estão presentes nos inúmeros casos de corrupção e desonestidade que vemos e nos indignamos cotidianamente. Então, se pensarmos em um continuum, podemos dizer que atitudes comuns, como “furar fila”, são manifestações comportamentais mais brandas quando comparadas ao roubo, à trapaça, à traição, porém, pertencentes à mesma categoria.Esta categoria é o que chamamos de personalidade, que seria então composta por uma visão de si como merecedora de direitos especiais e acima das regras de reciprocidade que dirigem a conduta social normal. Isso porque o indivíduo se vê no direito de fazer o que for preciso para atender suas vontades e/ou se livrar daquilo que lhe incomoda.Sendo assim, alguém que possua essa visão de si provavelmente não irá pensar se as pessoas que estão na fila que ele “furou” se encontram tão ou mais cansadas do que ele.

 

 

Até aqui, podemos concluir que os comportamentos emitidos pelo indivíduo estão intimamente relacionados à visão que ele tem de si e do mundo. Pessoas que se veem como superiores aos outros e merecedoras de direitos e privilégios especiais tenderão a ter atitudes egoístas. Mas por que algumas pessoas se veem como superiores aos outros? As respostas para essa pergunta estão na história de aprendizagens que o indivíduo teve ao longo de sua vida, especialmente na sua infância.

 

A importância dos pais na formação da personalidade do indivíduo

É na infância que aprendemos sobre a vida, sobre o mundo, sobre nós. A criança nasce sem saber qualquer coisa a respeito de seu ambiente e é a partir das interações entre ela e os outros (especialmente com os pais) que ela passará a entender como as coisas funcionam. Se todas as vezes que o bebê chora seus pais aparecem para ajudá-lo, ele irá aprender que sempre que estiver com dor, fome, ou qualquer outra necessidade, seus pais estarão disponíveis. Uma vez que esse tipo de interação se mantém ao longo da infância, a criança aprende que ela pode contar com seus pais em qualquer momento, o que lhe trará segurança para lidar com as demandas da vida.

 

 

As interações positivas entre pais e filhos, como essa citada acima, são muito importantes para a formação da personalidade da criança. Logo, dizer para o filho o quanto ele é amado é, sem dúvidas, essencial para o desenvolvimento da sua autoestima; reconhecer os êxitos da criança a cada tarefa realizada é fundamental para o desenvolvimento da autoconfiança. Porém, paralelamente a essas interações positivas, é extremamente necessário que os pais ensinem para as crianças que em toda situação existe um limite e que este deve ser respeitado.

Personalidades egoístas e arrogantes são formadas a partir de uma educação excessivamente flexível, onde a família não ensina para a criança a necessidade de se ter autocontrole, cooperar com os demais, ter ações de reciprocidade, respeitar os direitos alheios e submeter-se às regras que são aplicadas a todas as pessoas. Essas crianças não aprendem que a raiva, o tédio, a impaciência são sentimentos que, por mais desagradáveis que sejam, fazem parte da vida e devem ser tolerados. Ao contrário, elas aprendem que podem fazer o que for preciso para se livrar do mal estar gerado por alguma situação ou sentimento. Esses indivíduos não aprendem que, antes de emitir qualquer comportamento, deve-se pensar nas consequências que serão geradas tanto para si mesmo quanto para os outros.

Essas aprendizagens podem ser concretizadas através da falta de consequência para os comportamentos inadequados da criança. Nesse sentido, o filho se comporta de maneira indevida (Ex: empurra o coleguinha porque o mesmo não quis brincar com ele), mas os pais não fazem nada para corrigir a sua atitude. Dessa forma, a criança aprende que não há problema em agir dessa maneira, já que nenhuma consequência negativa (para si ou para o outro) é obtida.

 

 

Outra forma de aprendizagem altamente poderosa é através do exemplo. A famosa instrução “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” não é, de forma alguma, uma maneira eficaz de se ensinar. Toda criança tenderá a seguir os modelos de comportamento que ela tem em seu ambiente. Portanto, se os pais têm comportamentos, como xingar e gritar com as pessoas com as quais convivem, mentir, trapacear etc., de nada adiantará dizer para a criança que ela deve respeitar o coleguinha, que ela deve ter paciência. Esse talvez seja o maior empecilho na educação que os pais dão para seus filhos.

Todos nós, crianças, adolescentes e adultos, desejamos uma série de coisas o tempo todo. Nenhum de nós, independente da idade ou classe socioeconômica, gosta de esperar, de realizar tarefas enfadonhas e difíceis, de se submeter a regras, de sentir raiva ou impaciência. Apenas nos dispomos a fazer tudo isso por causa das consequências recebidas: não abandonamos o trabalho porque ficaríamos sem dinheiro; não falamos tudo o que queremos para os outros porque poderíamos ofendê-los. Ninguém nasce sabendo e respeitando os direitos do outro ou gostando de sacrificar suas vontades e impulsos, mas isso é algo aprendido e cabe aos pais ensinar seus filhos a se comportar de maneira respeitosa e empática.

 

 

O que os pais devem fazer para desenvolver o respeito e a empatia em seus filhos?

Conforme citado anteriormente, as interações positivas (elogios, reconhecimento, admiração) entre pais e filhos são vitais para a saúde mental da criança, mas também cabe aos pais ensinar aos seus filhos que eles devem ter responsabilidade pelos seus comportamentos e respeito pelo outro. Considerando que a tarefa de educar filhos é muito complexa e requer conhecimento, segue algumas orientações sobre como desenvolver o senso de responsabilidade e reciprocidade nas crianças:

Responsabilizar a criança por seus comportamentos: É na infância que o indivíduo irá aprender que um comportamento emitido por ele tem diversos efeitos. Os pais devem mostrar para o filho quais são as consequências de seu comportamento. Isso significa que quando a criança se comportar de forma adequada (Ex: dá um abraço carinhoso no colega) é essencial que os pais ressaltem verbalmente, de forma carinhosa e clara, o quanto ficaram felizes com ela e o quanto este comportamento deixou o seu coleguinha feliz. Comportamentos colaborativos (como abraçar, ajudar, convidar) aproximam as pessoas da criança e é muito importante que os pais evidenciem a relação do comportamento colaborativo com a consequência positiva (que nesse caso será a amizade do colega). Por outro lado, se a criança emitir um comportamento inadequado (Ex: bate no colega), cabe aos pais mostrar para o filho o quanto estão insatisfeitos com esse comportamento e que esse tipo de atitude deixa as pessoas muito chateadas, o que faz com que elas se afastem. Dessa forma, os pais estarão mostrando ao filho que comportamentos agressivos afastam as pessoas dele. Além disso, diante de um comportamento como esse, é essencial que a criança receba uma consequência desagradável para si, como ficar sem um brinquedo, não ir a algum passeio, ter que pedir desculpas para a outra criança (essa consequência não deve ser um castigo físico). Assim, ela aprenderá que quando emitir o comportamento inadequado será prejudicada, o que tenderá a diminuir a frequência desse comportamento.

 – Ensinar à criança a tolerar sentimentos desagradáveis: Um dos principais fatores que levam uma pessoa a agir de forma impulsiva, sem medir as consequências para si e para os outros, é a dificuldade de tolerar emoções desagradáveis. Esses indivíduos acreditam que emoções como a raiva, a ansiedade, o tédio, o cansaço são tão ruins que lhes dão o direito de fazer qualquer coisa que os façam sentir-se melhor. Por isso, é imprescindível que os pais ensinem para seus filhos que nem todos os sentimentos são agradáveis e que isso é normal, que acontece com todo mundo. A criança precisa entender que sentir raiva é ruim, mas não lhe dá o direito de agredir os outros. Ela precisa aprender que muitas pessoas ao seu redor também sentem raiva e impaciência, mas que nem por isso a agride. Todos nós temos o direito de experimentar qualquer sentimento, mas não temos o direito de agredir e prejudicar o outro por causa disso.

 

 

– Sensibilizar a criança para os sentimentos e direitos do outro: Conforme dito anteriormente, uma das características de uma personalidade egoísta é o déficit de empatia, que é a falta de habilidade de pensar no que o outro poderá sentir em consequência dos seus comportamentos. Para desenvolver a empatia da criança é fundamental que os pais estimulem seus filhos a pensar nas outras pessoas: “O que seu coleguinha achou disso?”, “Nossa, isso é muito bom! Deixará seu amigo muito feliz!”, “Você brigou com ele e agora ele está triste. Vamos lá pedir desculpas agora!”, “Isso não está certo! Você iria gostar que ele fizesse isso com você?”. Esses são exemplos de interações que mostram para a criança que a forma com que o outro reage às nossas atitudes é importante e deve ser levado em consideração.

 – Os pais devem ser o modelo de bom comportamento para o filho: Nada disso adiantará se os pais não demonstrarem preocupação e respeito pelos sentimentos dos outros, se não se responsabilizarem por suas atitudes. Portanto, os pais devem refletir se têm sido o exemplo daquilo que gostariam que o filho fosse. Caso haja dificuldade nesse sentido, é essencial que os pais busquem ajuda profissional. A psicologia tem muito a contribuir!

É notável a insatisfação de muitos com a sociedade que temos hoje. É evidente a tendência individualista que se estende na vida atual. E o que nós podemos fazer diante disso? Embora alguns acreditem que não há o que fazer, cada um de nós podemos contribuir de alguma forma. Enquanto indivíduos, podemos avaliar nossos comportamentos e procurar entender qual tem sido a nossa postura diante da vida e das outras pessoas. Temos olhado e lutado somente por nós e por nossos objetivos? Ou temos procurado compreender as situações como um todo, olhando para o outro e considerando suas formas de pensar e sentir? Enquanto sociedade, temos aceitado ser tratados com desrespeito por pessoas que se sentem melhores do que nós? Ou temos reivindicado nossos direitos e ensinado, na medida do possível, que os limites existem e que todos nós devemos ser respeitados? Enquanto pais, temos cuidado da nossa saúde mental e ensinado nossas crianças a olhar para o outro, a respeitá-lo e a tratá-lo com a dignidade que todos merecem? A indignação com a situação atual não muda nada. O que muda o mundo são os nossos comportamentos. Todos nós somos responsáveis pela saúde da nossa sociedade.

 


Nota:
Esse texto fará parte da próxima edição da revista:
Fale Mais Sobre Isso” (www.falemaissobreisso.com.br/).

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Análise do Comportamento aplicado ao uso de aplicativos digitais em sala de aula

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PSICOLOGIA, TECNOLOGIA & EDUCAÇÃO

A Psicologia é uma ciência que procura compreender o homem e seu comportamento. Essa, fornece subsídios para que o indivíduo saiba e/ou aprenda a lidar consigo mesmo e com as experiências da vida. Logo, ela se preocupa com o homem na sua totalidade, visto que esse indivíduo é entendido como um ser singular, único e especial, não apenas porque pensa, fala, ri, chora, cria, faz cultura, tem autoconsciência e consciência da morte, mas também porque o meio social é seu ambiente específico.

Contudo, em seu caminhar “ele deverá conviver com outros homens, numa sociedade que já encontra ao nascer, dotada de uma complexidade de valores, filosofias, religiões, línguas, tecnologia” (TELES, 1999). A Psicologia e a Tecnologia são duas esferas que se comunicam, se relacionam e se integram entre si, pois ambas são igualmente importantes para o processo de aprendizagem e desenvolvimento do sujeito.

Segundo Lima Júnior, (2007), a Tecnologia é definida como um reflexo ou extensão do modo operativo do pensar humano, capaz de elaborar abstrações dentro dos variados contextos encontrados transformando a si mesmo e o mundo ao seu redor. Ou seja, a relação entre o homem e a tecnologia é de um processo indissociável no qual o homem usa recursos materiais e imateriais para conviver em “harmonia”, ele cria, atua e se (auto)transforma. Vive em simbiose com este ser e estar no mundo tecnologizado numa busca constante por inovações e renovações cotidianas.

Aqui, tecnologia refere-se à forma específica da relação entre o ser humano e a matéria, no processo de trabalho que envolve o uso de meios de produção para agir sobre a matéria com base em energia, conhecimento e informação (OLIVEIRA, 2001). Assim, este é um texto de mão dupla, o homem em busca de criação e aprendizado, produto e produtor deste processo.  Logo, Psicologia e Tecnologia se dão em uma intersecção que se faz necessária na vida do homem.

Na Educação, a primeira função que psicólogos desempenharam no âmbito escolar foi a de medir habilidades e classificar as crianças quanto a sua capacidade de aprender. Era uma atividade extremamente segregadora, pois categorizaram e excluíram os alunos da possibilidade de vivenciar o processo educacional regular, propondo a elas métodos especiais de educação a fim de ajustá-los aos padrões de normalidade.

 

 

Ao longo dos anos atribuíram-se os problemas de aprendizagem no aluno e a sua incapacidade, ao invés de considerar os diversos fatores sociais que influenciam o ensino. A partir da década de 1980, essa visão começou a mudar, sendo que os aspectos históricos, econômicos, políticos e sociais passaram a ser vistos como constituintes de problemas de aprendizagem (LIMA, 2005). No entanto, ainda prevalece a medicalização do fracasso escolar, ou seja, o discurso em qual atribuem dificuldades do aluno a aspectos da saúde individual e não à educação (LIMA, 2005).

Segundo Martins (2003), o psicólogo escolar traduz metodologias e resultados em ação nas escolas, fornecendo condições de aprendizagem para que a escola possa tomar as melhores decisões enquanto programas educacionais. Em suma, pode-se dizer que o psicólogo escolar age como facilitador do processo de ensino-aprendizagem.

Para auxiliar na aprendizagem, vários autores defendem o uso de tecnologias como apoio pedagógico na escola. Aparatos tecnológicos tornam a experiência da aprendizagem mais prazerosa pelo contexto de diversão e o fato que a tecnologia faz parte do dia-a-dia do aluno. Os professores, que não cresceram neste contexto, enfrentam com isso um grande desafio ao se adaptar a essa realidade. Muitos não se adaptam e excluem a tecnologia da sala de aula por desconhecimento da utilização da mesma. Além disso, os aspectos pedagógicos não são bem conhecidos pelos educadores e, muitas vezes, ignorados.

Dentro do leque amplo de tecnologias disponíveis, há as Tecnologias da Informação e Comunicação Móveis e Sem Fio (TIMS). Entre as TIMS, temos o celular, um aparelho popular, com aplicativos que podem vir a ser utilizados em sala de aula como recurso pedagógico (BENTO; CAVALCANTE, 2013).

Existem várias formas de utilizar um celular em sala de aula, seja um celular simples ou um mais moderno. Com um celular simples pode utilizar a calculadora, o conversor de moeda, de comprimento, de peso, de volume, de área, e de temperatura, tem também. E os mais modernos possuem, além disso, diversos aplicativos, gravador de voz, câmera e a internet. Mas para que o uso de dispositivos móveis se torne um hábito comum em sala de aula, os professores necessitam de um treinamento para adquirir conhecimento sobre as mudanças que vêm acontecendo na era da tecnologia, e assim aproveitar melhor o celular como uma forma de educação e não só para comunicação (BENTO; CAVALCANTE, 2013).

Segundo Saccol, Schlemmer e Barbosa (2011),

 

se adotarmos uma concepção epistemológica de que o conhecimento é fruto de construção do indivíduo feita em colaboração com professores e colegas, devemos selecionar tecnologias que permitam interação intensiva entre as pessoas, por exemplo, por meio de ambientes virtuais que disponibilizem fóruns, chats, espaços para compartilhamento de projetos, arquivos de interesse comum (p.31).

 Assim, perseguimos como objetivo descrever os benefícios do uso de aplicativos digitais em sala de aula, a partir de conceitos e metodologias da Análise do Comportamento.

 

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E APRENDIZAGEM

 

 

O comportamento e os processos que influenciam o comportamento são o objeto de estudo da Análise do Comportamento. Skinner, que fundou o ramo Behaviorismo Radical, que gerou a Análise do Comportamento, enfatiza as consequências do comportamento que influenciam a frequência do mesmo e compreende o surgimento de comportamentos apenas em termos da interação do organismo com o ambiente (RANGÉ, 1995).  Esse comportamento, em qual o organismo age ou opera sobre o ambiente chama-se de comportamento operante.

A unidade de análise para este tipo de comportamento são as contingências tríplices, que mostram as relações funcionais, ou relações de dependência, entre o operante e o ambiente com o qual o organismo interage, utilizando dos termos evento antecedentes, comportamento ou resposta e evento consequente. Segundo Moreira e Medeiros (2007) os operantes (andar, pensar e etc.) geram consequências no ambiente e são influenciados por essas consequências. Em outras palavras, os efeitos do comportamento retroagem sobre o organismo.

Para Skinner, todo comportamento pode ser aprendido, e entende aprendizagem como “qualquer mudança relativamente duradoura do comportamento induzida pela experiência” (DAVIDOFF, 1983, p.158). Esse processo de aprendizagem ou condicionamento implica que a frequência de um comportamento é aumentada ou diminuída pela influência das consequências deste comportamento (DAVIDOFF, 1983). Por exemplo, o comportamento de estudar gera a consequência de obter notas boas, o que aumentará a frequência do estudo.

Para melhor entendimento do condicionamento operante, é preciso compreender as noções de reforço e punição. Reforço, de acordo com Davidoff (1983), é aquilo que aumenta a probabilidade de um comportamento ser apresentado novamente em situações semelhantes. Alguns reforçadores implicam a apresentação de estímulos, sendo reforços ou reforçadores positivos. Por exemplo, uma criança que limpou seu quarto e consequentemente recebeu uma balinha, é mais provável a limpar o quarto novamente no futuro. Outros consistem na supressão ou remoção de estímulos, sendo denominados reforços negativos.

 

 

Existem dois tipos de reforço negativo, sendo fuga e esquiva. Fuga ocorre quando o aumento da frequência de um comportamento acaba ou elimina uma consequência desagradável. Por exemplo, tampar os ouvidos para não escutar mais o barulho alto. Esquiva, por outro lado, implica que o aumento da frequência do comportamento evita a apresentação de uma consequência desagradável. Tomar injeção, por exemplo, para evitar uma doença.

Contudo, tanto reforços positivos quanto negativos irão aumentar a probabilidade da apresentação do comportamento ou resposta (SKINNER, 1953). Certamente há diferenças entre indivíduos quanto às consequências que são reforçadores. O que serve de reforço para um, não necessariamente é vantajoso para o outro. Por isso, quando se tenta entender o motivo de um comportamento, é preciso fazer este levantamento de contingências. Não pode simplesmente perguntar para a pessoa o que serve de reforço para ela, pois muitas vezes a relação entre a resposta e a consequência não é percebida por ela.

Outro conceito que está intimamente relacionado com reforço é punição. É exatamente o contrário do reforço, ou seja, é aquilo que diminui a probabilidade de um comportamento ser apresentado novamente em situações semelhantes. Novamente existem duas formas, sendo punição positiva e negativa. Fala-se de punição positiva quando a apresentação de uma consequência aversiva diminui a probabilidade de o comportamento ocorrer de novo. Por exemplo, passar mal por causa de uma comida e, portanto, não comer este prato no futuro. Punição negativa ocorre quando a remoção de uma consequência reforçadora diminui a probabilidade da resposta. Por exemplo, uma pessoa que dirigiu rápido demais, cuja carteira de habilitação foi prendida, pode não dirigir com alta velocidade mais no futuro (DAVIDOFF, 1983).

Resumido, à medida que o comportamento muda, pode-se dizer que se está aprendendo alguma coisa. Na Análise do Comportamento, estudar a aprendizagem é estudar o comportamento modificado e como as diversas variáveis afetam esse comportamento.

 

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E O USO DE APLICATIVOS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO

 

Fracasso na aprendizagem geralmente é fruto do procedimento e não de características intrínsecas a pessoa ou do meio. Para uma educação eficaz, precisa-se considerar alguns aspectos ou procedimentos. Em primeiro lugar, para uma aprendizagem eficaz, é necessário especificar o que se deseja ensinar. Os softwares dos aplicativos desenvolvidos com fins pedagógicos, já são baseados em certos objetivos (aumentar conhecimento de história, língua portuguesa). Os dispositivos que não servem apenas para fins educativos necessitam de um estudo prévio pelo professor, para que ele entenda as possibilidades do aparelho e possa construir um planejamento incluindo o uso do mesmo.

O uso de tecnologia não pode significar uma desculpa para não planejar a aula ou para simplesmente não dar aula, o aparelho serve apenas como auxilio no ensino. Ou seja, o recurso tecnológico nunca substituirá o professor (MOUSQUER; ROLIM, [s.d.]).

Em seguida, o aluno deve receber um reforço imediatamente após de apresentar o comportamento desejado. Aplicativos proporcionam a consequência (erro ou acerto) logo depois da ação do aluno, estabelecendo assim uma contingência de reforço ou punição. Enquanto o aluno, muitas vezes, não recebe o feedback necessário, ou o recebe muito tempo depois de executar a tarefa (correção de prova, atividade), diminuindo a efetividade do retorno.

Ao apresentar feedback, é importante reforçar apenas aqueles comportamentos efetivamente apresentados e não comportamentos parecidos. Por exemplo, elogiar o aluno apenas quando conseguiu completar a tarefa desejada. Reforçando comportamentos que não são os comportamentos-objetivos, aumenta a probabilidade de o aluno apresentar os mesmos novamente em futuras situações semelhantes, e não conseguir emitir as respostas realmente desejadas. Nesse sentindo, os softwares dos dispositivos móveis oferecem uma resposta imediata confirmando, ou não, o êxito da tarefa.

Além disso, é importante evitar situações que levem o aluno ao erro, pois podem se tornar estímulos aversivos e diminuir a adesão à tarefa. Como a maioria dos aplicativos funcionam em torno de um jogo, o aluno estará brincando e não se sente tão pressionado ao errar.

 

 

 

Outro ponto imprescindível é que pessoas aprendem mais facilmente quando o conteúdo é apresentado em pequenos módulos, recebendo um feedback imediato de acordo com o sucesso na realização da tarefa. Os softwares nesse processo podem facilitar a aprendizagem por proporcionarem um processo de progressão gradual, em qual o aluno somente avança para o próximo estágio quando domina o conteúdo anterior. Dessa forma, cada aluno progride no seu próprio ritmo: quem aprende a tarefa de forma mais rápido, avança mais rapidamente para o estágio seguinte. Ainda mais, devido ao fato de funcionar a partir da progressão gradual, o aluno acerta as questões com mais facilidade, já que o grau de dificuldade é menor.

Portanto, neste processo de uso de aplicativos é importante escolher cuidadosamente as situações antecedentes de ensino-aprendizagem, ou seja, o conteúdo, elementos e objetivos do aplicativo, já que, de acordo com Skinner (1953), para planejar uma consequência que almejamos, precisamos definir os estímulos ambientais que levarão ao comportamento desejado.

Por fim, ao utilizar os aplicativos, as respostas dos usuários serão registradas e fornecem ao programador muitas informações para realizar mudanças que possam melhorar o aplicativo. Então, ao mesmo tempo que os alunos aprendem com os aplicativos, também exercem uma influência e ajudam a definir novos conteúdos, metodologias etc.

 

PARA UMA REFLEXÃO AMPLA

 

Diante de tudo que foi exposto, é possível entender a importância de utilizar o máximo de recursos possíveis em prol da melhoria da aprendizagem e do desenvolvimento. É preciso compreender este processo para poder mudar o modelo educacional e só então avançar com ações de fato – o uso dos aplicativos digitais em sala de aula.

Alunos e professores precisam ser preparados para essa nova realidade, e então se concebe a aprendizagem não como uma ação individual, mas como uma atividade coletiva. Logo, com o trabalho de aquisições e cooperatividade de ambos é possível lidar melhor com a autonomia e com o respeito sabendo dos direitos e dos deveres de cada um.

Nessa relação da Psicologia com a Tecnologia, o educador passa a ter um papel fundamental de mestre que conduz seu aprendiz neste processo de vida, de construção e experimentação, produtos e produtores de relações, fornecendo ao aluno as condições ou estímulos necessários para que ele consiga construir o conhecimento.

 

 

 Referências:

AGUIAR, I.; PASSOS, E., A Tecnologia como Caminho para uma Educação Cidadã, [s.d.].

BENTO, M.C.M.; CAVALCANTE, R.S., Tecnologias móveis em Educação: o uso do celular na sala de aula, ECCOM, vol. 4, n. 7, [s.l.], 2013.

DAVIDOFF, L. Introdução à Psicologia. São Paulo: Mc GrawHill, 1983.

LIMA, A.O.M.N., Breve Histórico da Psicologia Escolar no Brasil. Psicologia Argumento, vol. 23, n. 42, Curitiba, 2005, p. 17-23.

LIMA JÙNIOR, A. S., A escola no contexto das tecnologias de comunicação e informação: do dialético ao virtual. Salvador: Eduneb, 2007.

MARTINS, J.B., A atuação do psicólogo escolar: multirreferencialidade, implicação e escuta clínica. Psicologia em Estudo, vol. 8, n. 2, Maringá, 2003, p. 39-45

MOREIRA, M.B.; MEDEIROS, C.A. Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007.

MOUSQUER, T.; ROLIM, C.O., A utilização de dispositivos móveis como ferramenta pedagógica colaborativa na educação infantil. URI, Santo Angelo (RS), [s.d.].

OLIVEIRA, M. Rita N. Sales. Do mito da tecnologia ao paradigma tecnológico: a mediação tecnológica nas práticas didático-pedagógicas. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, n.18, Set/Dez 2001, p.101-107.

RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva. Campinas, São Paulo: Editorial Psy, 1995.

SACCOL A.; SCHLEMMER E.; BARBOSA J. m-learming e u-learning– novas perspectivas da aprendizagem móvel e ubíqua. São Paulo: Pearson, 2011.

SKINNER, B.F. Ciência e Comportamento Humano. 10.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1953.

TELES, Maria Luiza Silveira. O que é Psicologia. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 1999.

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Trapaça: as pessoas acreditam no que querem acreditar

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Com dez indicações ao Oscar:

Melhor Filme, Melhor Diretor (David O. Russell), Melhor Ator (Christian Bale), Melhor Atriz (Amy Adams), Melhor Ator Coadjuvante (Bradley Cooper), Melhor Atriz Coadjuvante (Jennifer Lawrence), Melhor Roteiro Original (Eric Warren Singer and David O. Russell), Melhor Edição (Jay Cassidy e Crispin Struthers), Melhor Figurino e Melhor Direção de Arte.

 

Quando você era jovem e seu coração era um livro aberto
Você costumava dizer “viva e deixe viver”
Mas se este mundo de constantes mudanças no qual vivemos
Faz você se entregar e chorar…
Diga “viva e deixe morrer”.
(Live and Let Die, Paul McCartney)

Em American Hustle (Trapaça), o mundo é cinza, logo seus personagens não podem ser enquadrados em uma determinada categoria moral, eles estão quase sempre flutuando entre um ponto e outro, movidos por paixões, poder, dinheiro e, especialmente, pela vaidade.

A história é vagamente baseada em fatos reais, mais especificamente no caso ABSCAM, que abalou (como sempre) os Estados Unidos em meados de 1978. De uma forma bem sucinta, essa história tem relação com uma operação do FBI, que juntamente com alguns vigaristas condenados, utilizou um falso sheik árabe para trazer à tona uma série de subornos no congresso americano.

 

 

A trama do filme se inicia no momento dessa operação e é conduzida (por um tempo) em flashbacka partir do ponto de vista de Irving Rosenfeld (Christian Bale) e Sydney Prosser (Amy Adams), uma dupla sofisticada de trapaceiros, que para evitar uma condenação aceita colaborar com Richie DiMaso (Bradley Cooper), um ambicioso agente do FBI.

Um dos aspectos que vem à tona no filme e que, de certa forma, direciona a maioria das personagens é a questão da “motivação”. Há um excesso de vontade, de desejo, de ímpeto em cada indivíduo dessa história, seja na resolução de uma dada questão e em se fazer notar dentro de um determinado ambiente ou no sonho de ter sucesso pessoal e profissional.

A motivação é encarada como uma espécie de força interna que emerge, regula e sustenta todas as nossas ações mais importantes. (Vernon, 1973, p.11).

… a motivação é o conjunto de mecanismos biológicos e psicológicos que possibilitam o desencadear da ação, da orientação (para uma meta ou, ao contrário, para se afastar dela) e, enfim, da intensidade e da persistência: quanto mais motivada a pessoa está, mais persistente e maior é a atividade. (Lieury & Fenouillet, 2000, p. 9).

Mas o problema está justamente no excesso, ainda que sejamos propensos a acreditar que a motivação como forma de atingir um objetivo nunca é demais. A condução das personagens no filme nos mostra que esse excesso pode ter um efeito contrário. E isso, longe de ser um paradoxo, é um fato que podemos observar em diversas trajetórias reais de “sucesso” e “declínio”, como é o caso do ex-ciclista americano Lance Armstrong, e do lobo de Wall Street, Jordan Belfort.

 

 

Christian Bale, novamente em uma atuação brilhante, mostra-nos de forma intensa a personalidade complexa de Rosenfeld. O homem que passa horas tentando organizar os fios dos cabelos para disfarçar a careca, não tem problema em expor seu corpo notadamente acima do peso. Rosenfeld entendeu, ainda criança, o papel que deveria desempenhar na vida e moveu-se no sentido de construir a pessoa que queria ser.

Fiquei diferente do meu pai. Virei um trapaceiro, de verdade. Da cabeça aos pés. Eu sobreviveria a qualquer custo. Pelo que sei, as pessoas se trapaceiam para conseguir o que querem. Até trapaceamos a nós mesmos. Nós nos convencemos do que nem precisamos ou queremos. Nós nos disfarçamos. Deixamos os riscos de lado, a verdade inconveniente.

 

Ao seu lado está Sydney Prosser (Amy Adams, que equilibra de forma notável alguns aspectos da personagem: sensualidade, inteligência e romantismo), e a impressão que temos é que, de certa forma, essas duas pessoas (Rosenfeld e Sydney) são extremamente similares. Notamos isso tanto na forma como eles constroem suas próprias figuras e as apresenta ao mundo, quanto na crença que possuem no amor que os une ou na capacidade de usar a inteligência a partir da sensibilidade de entender o contexto em que estão inseridos.

 

“Nós trapaceamos de um jeito ou de outro só para suportar a vida.” (Irving Rosenfeld)

 

De acordo com o crítico Steven Rea [1], American Hustle é um filme construído sobre a pedra fundamental do sonho americano: a reinvenção. Se você não está feliz com quem você é, ou em como as pessoas pensam que você é, então vá em frente e torna-se outra pessoa. Vale qualquer coisa para sobreviver e prosperar.

Se considerarmos isso, Richie DiMaso (o agente do FBI) é quem mais almeja tal intuito. A princípio, pensamos que seu objetivo é colocar os “bandidos” atrás das grades, mas, rapidamente, percebemos que sua motivação maior não é a justiça, é a fama que pode vir agregada a isso. Essa fama lhe salvará de uma vida medíocre, de um casamento circunstancial, das garras de uma mãe autoritária e da sombra de uma existência patética.

 

 

Tudo em DiMaso é forjado para tal fim, desde os cachos em seu cabelos (que é naturalmente liso), até as tentativas de mostrar-se mais inteligente do que os trapaceiros que estão sob o seu comando. Sua insegurança é demostrada na frase que ele insistentemente repete a Rosenfeld: “Você está trabalhando para mim agora“.  A necessidade em apoderar-se de algumas características daqueles que persegue confundiu até seus sentimentos, por isso deixou-se seduzir por Sydney.

O desejo sem controle provoca uma ilusão de poder. Assim, DiMaso inicia um movimento perigoso no qual começa a justificar qualquer atitude, por mais bizarra que seja, em prol da satisfação de sua vontade. Ele acredita até o fim que “tudo está sob controle” e é isso que provoca sua ruína.

 

“Você não é nada para mim até que seja tudo.” (Sydney Posser)

 

Já em Sydney Posser percebemos um tipo diferente de desejo, ainda que este seja tão intenso quanto o vivenciado por DiMaso. Depois de ser presa, de ter que criar um plano mirabolante para colocar um político (querido por todos) na cadeia e ter seu sonho de viver com a pessoa que ama desmoronar pela relação que este tem com uma esposa a beira de um ataque de nervos, ela precisa criar artifícios para reinventar-se. Nesse novo mundo que ela cria, não há espaço para mentiras, nem para meio termos. Parece que o mundo cinza, enfim, precisa de cor, pois o efêmero pode ser angustiante, às vezes.

 

 

A esposa de Rosenfeld, Rosalyn (interpretada de forma exemplar por Jennifer Lawrence) é uma explosão emocional, oscila entre a depressão e a euforia. Não tem muito controle sobre suas ações, prova disso é que está constantemente provocando incêndios domésticos. Mas, em contrapartida, sabe muito bem que tipo de pessoa é. De certa forma, ao falar sobre seu gosto excêntrico pelo cheiro de uma base de unha, que é algo entre o “doce e o azedo”, entre o “podre e o irresistível”, está falando sobre si mesma e sobre o mundo que a cerca.

 

 

Sydney pensava que Rosalyn era mais uma maluca egoísta que usava o filho para manter seu casamento fracassado. Mas o embate entre as duas faz com que ela entenda que há muitas camadas escondidas na personalidade daquela jovem mulher. Novamente, tem-se “o cinza” mostrando-nos ironicamente que a percepção que temos do mundo dos outros nem sempre reflete de fato aquilo que o outro é. Talvez o inferno não seja os outros (desculpe-me Sartre), ao menos nesse momento estou mais propensa a concordar com Melville em MobyDick: “o inferno foi uma ideia nascida em consequência de uma indigesta maçã”.

 

 

American Hustle é um espetáculo visual e sonoro. A reconstituição da década de 1970 é fantástica, assim como a forma que corajosamente David O. Russell usa a câmera lenta em alguns momentos para construir a ideia de que as ações que realizamos em nossa linha de tempo (tão transitória) são, em certos aspectos, cruciais para os rumos que tomamos em nossa vida, ou seja, podem resultar em consequências não apenas encadeadas, mas também duradouras.

 

REFERÊNCIAS:

[1] http://www.philly.com/philly/entertainment/movies/20131220_A_marvelous_trip_in_the_way-back_machine.html

LIEURY, A. & FENOUILLET, F. (2000). Motivação e aproveitamento escolar. Tradução de Y. M. C. T. Silva. São Paulo: Loyola. (trabalho originalmente publicado em 1996).

VERNON, M. D. (1973). Motivação humana. Tradução de L. C. Lucchetti. Petrópolis: Vozes. (trabalho original publicado em 1969).

 

FICHA TÉCNICA:

TRAPAÇA

Título Original: American Hustle
Direção: David O. Russell
Roteiro: Eric Warren Singer and David O. Russell
Elenco Principal: Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Jeremy Renner
Ano: 2013

Alguns Prêmios:

Golden Globe 2014: Melhor Filme, Melhor Atriz (Amy Adams), Melhor Atriz Coadjuvante (Jennifer Lawrence)
Screen Actors Guild Award: Melhor Elenco
New York Film Critics Circle: Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante (Jennifer Lawrence), Melhor Roteiro (Eric Warren Singer and David O. Russell)
Hollywood Film Festival: Melhor Figurino, Melhor Design de Produção

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Ciência e Comportamento Humano de B. F. Skinner

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O livro Ciência e Comportamento Humano (com a primeira edição brasileira feita em 1979 pela EDART e posteriormente, em 1981, pela editora Martins Fontes, de São Paulo) teve a tradução feita por João Cláudio Todorov e Ricardo Azzi. Esse livro, escrito por Skinner, é um dos mais importantes de sua carreira acadêmica, onde são expostos conceitos e premissas do Behaviorismo Radical de maneira muito clara e detalhada, fazendo correlações entre o comportamento humano e a maneira como ele pode ser estudado e entendido cientificamente.

A obra descreve o que a filosofia da ciência do comportamento entende como comportamento humano, como ele se forma, as diferentes topografias em que ele aparece, seja em paradigmas respondentes ou operantes. Além disso, Skinner aborda temas concernentes ao comportamento como as emoções, pensamento, dando exemplos cotidianos e também expondo estudos laboratoriais. Também traz à baila as concepções de controle que são exercidas sobre o comportamento humano, contemplando desde o ambiente, num modo mais amplo, até agências controladoras do comportamento (religião, psicoterapia, família etc) e a cultura em que o sujeito que está inserido se comporta.

O Ciência e Comportamento Humano possui com XXIX capítulos, divididos em seis seções pertinentes aos assuntos tratados por Skinner, que são ligados de forma temática. Por exemplo, a primeira seção trata de capítulos que abordam a possibilidade de uma ciência do comportamento, a segunda seção já abrange temas concernentes à própria Análise do Comportamento. A terceira e quarta seções contemplam o indivíduo visto como um todo e o comportamento dos indivíduos quando inseridos em grupos, respectivamente. A quinta e a sexta seções já tratam das agências controladoras do comportamento e da cultura que o homem está inserido e como elas refletem na maneira como ele se comporta. Todas as seções e capítulos estão nas 489 páginas que compõem a obra.

Skinner, logo na primeira seção do livro, faz reflexões do que é uma ciência, como ela pode ser usada, suas práticas, suas principais características, além de fazer inferências de como o comportamento humano pode ser estudado por uma ciência, apontando que o homem é, de fato, um ser passível de ser estudado de uma maneira mais científica do que proposta por outras linhas teórico-filosóficas da Psicologia. Para se fazer compreensível tal ponto de vista, o autor explana como o homem se comporta e quais são as possíveis causas de seu comportamento.

No decorrer do livro, o autor explica princípios básicos do Behaviorismo (num paradigma Estímulo-Resposta) e de sua teoria, o Behaviorismo Radical, como comportamentos respondente e operante, modelagem e manutenção de um novo comportamento, discriminação operante, dando exemplos até de como o ser humano consegue desenhar, cantar (e emitir outros comportamentos) a partir de um campo discriminativo; o controle do comportamento pelo ambiente em que o sujeito está inserido, ou seja, como se dá a seleção do comportamento através das consequências obtidas e produzidas no meio, as quais afetam o comportamento de quem as produziu. Também fala dos princípios de privação e saciação como operações estabelecedoras para a ocorrência de comportamentos.

Outro ponto importante que Skinner destaca são as emoções e seus papéis como um comportamento, bem como a relação entre aversão e os comportamentos de esquiva e fuga. A punição também é outro tema em que um só capítulo é dedicado, devido à sua importância. Nesse capítulo, Skinner indaga se a punição realmente funciona, quais os efeitos que ela causa enquanto consequenciação de comportamentos ditos indesejáveis ou desadaptativos, além de apontar os efeitos “colaterais” dessa operação e também as alternativas a essa prática, o que é muito marcado em toda a obra skinneriana, uma vez que o autor não gosta do controle aversivo do comportamento.

Quando Skinner começa a escrever a terceira seção de seu livro, abordando o homem como um todo, explana sobre temas que, para leigos, o Behaviorismo Radical negligencia. Entre eles estão o autocontrole, o pensamento e eventos privados numa ciência natural, vistos como comportamentos assim como eventos abertos, além de dar uma interpretação singular do que é entendido como “o eu” para o comportamentalismo.

Após isso, Skinner analisa o comportamento dos indivíduos que vivem em grupo, abordando o comportamento social, o controle pessoal e o controle do grupo, já puxando para assuntos pertinentes ao tema como agências controladoras do comportamento, onde se encaixam análises do controle exercido pela religião, família, educação, economia e até mesmo a psicoterapia, abordando também as formas de controle que essas instituições utilizam e as maneiras evidentes de contracontrole decorrentes das práticas dessas agências. Ao fim do livro, Skinner continua a falar do controle, porém relacionando este conceito às práticas culturais de uma sociedade, dando especial atenção ao modo como sobrevive uma cultura e como ela pode ser mudada, falando do problema que o controle excessivo causa, de modo a inferir maneiras como o homem pode viver melhor em seu ambiente.

Essa obra é extremamente rica e traz uma compreensão melhor acerca do comportamento humano enquanto passível de estudo científico, em todos os seus âmbitos: seja aberto, seja encoberto, isto é, seja em comportamentos diretamente observáveis ou em comportamentos que ocorrem “dentro da pele”, como as emoções, os sentimentos e os pensamentos. Skinner, nesse livro, de maneira direta, consegue responder muitas críticas feitas por outros teóricos da Psicologia, mesmo que o principal objetivo do livro talvez não tenha sido esse. Isso é de grande valia para aqueles que se interessam por estudar o Behaviorismo Skinneriano e se iludem com críticas feitas por teóricos que não se preocupam em entender o que Skinner realmente diz em sua obra.

O Ciência e Comportamento Humano poderia ser considerado um livro “básico”, com algumas ressalvas, por ser um livro denso para quem começa a se interessar por Análise do Comportamento ou pela filosofia do Behaviorismo Radical. E o seria por abordar de maneira clara (o que não deixa de demandar uma atenção especial por parte do leitor) conceitos simples (porém descritos com completude inigualável) e complexos da teoria comportamentalista radical. Estudantes de Psicologia, a partir do 2º ano de graduação, já podem se debruçar sobre a leitura desse livro que é um dos mais importantes para se compreender não só a obra, mas toda a teoria Skinneriana.

B. F. Skinner foi um psicólogo americano, nascido em 1904, que, influenciado por outros autores como o fisiólogo russo Ivan P. Pavlov, Edward L. Thorndike e o psicólogo e fundador do movimento behaviorista, John B. Watson, deu início a uma nova visão de homem para a Psicologia: a visão do Behaviorismo Radical, sendo considerado um revolucionário entre os teóricos que propõem uma nova visão de homem, mais compreensível e cientificamente válida de comportamento (em todos os seus âmbitos). Entre suas principais obras, além desta resenhada, encontram-se O Comportamento Verbal (Ed. Cultrix e Editora da Universidade de São Paulo), Sobre o Behaviorismo (Ed. Cultrix) e O Mito da Liberdade (Summus Editorial). Além das obras mais técnico-científicas, Skinner escreve uma novela utópica, baseada nos princípios da ciência do comportamento, chamada Walden II: uma sociedade do futuro (Editora Pedagógica e Universitária). B. F. Skinner manteve-se academicamente ativo até a sua morte, ocorrida em 18 de agosto de 1990, decorrente de leucemia.

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O Comportamento Verbal de B. F. Skinner

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O livro O Comportamento Verbal (Editora Cultrix com a colaboração da Editora da Universidade de São Paulo, 1978, 557 p.) de B. F. Skinner é um dos livros mais complexos e valiosos do autor, sendo considerado pelo próprio o mais importante de sua carreira; nesta obra, é apresentada uma análise funcional de um dos comportamentos mais fascinantes do homem: o comportamento verbal.

A obra descreve pormenorizadamente o que é comportamento verbal, quais são os tipos de comportamento verbal, como esse comportamento se forma e se mantém no repertório comportamental de um homem, bem como suas formas de controle e como ele opera no meio, em diversas áreas, como no modo do homem se portar diante de outros homens como também na literatura etc.; a obra é dividida em cinco partes, distribuídas em 19 capítulos, dois epílogos pessoais do autor e um apêndice.

Skinner começa O Comportamento Verbal falando que é possível ser feita uma análise funcional do comportamento verbal, pois este é considerado um comportamento operante como qualquer outro, com a única diferença de ter a necessidade de ter uma mediação social, ou seja, é necessária a presença de um ouvinte para que o comportamento verbal seja produzido pelo falante. Todavia, este ouvinte é tanto um ouvinte literalmente como um leitor ou espectador e por falante também há referência àquele que fala e àquele que escreve. Deste modo, o autor ainda questiona certas concepções feitas pelos linguistas ou teóricos da linguagem que são tradicionalistas e ainda define alguns tipos de operantes verbais que servem como um modo de classificação e como unidades de análise do comportamento verbal. São eles: o mando, o comportamento ecoico, o comportamento textual, o comportamento intraverbal e o tato, sendo eles explanados pormenorizadamente pelo autor, cada um com sua definição, características e tipos.

É óbvio que o ouvinte tem um papel muito importante no comportamento verbal, sendo ele uma das variáveis ambientais que causam, mantém e controlam esse tipo de comportamento. Partindo disso, Skinner define vários papéis do ouvinte enquanto ouvinte, enquanto leitor, enquanto espectador e também define os conceitos de auditório, que também serve como uma unidade de análise do comportamento verbal como os outros operantes verbais citados posteriormente.

Skinner dá uma importância muito grande no que ele chama de causação múltipla do comportamento verbal, enfatizando ainda mais que o comportamento verbal, assim como qualquer outro comportamento operante, possui causações ambientais e não internas, isto é, causações que partam de alguma possível entidade mental do homem. Portanto, o autor também fala de estimulações suplementares para o comportamento verbal, sempre dando a atenção devida à mediação social feita pelo ouvinte para o falante.

Outros pontos que devem ser destacados é a definição que o autor faz do comportamento autoclítico, que é um comportamento verbal que depende de ou se fundamenta em outro comportamento verbal e que prepara o ouvinte para o que o falante vai dizer após a emissão de um autoclítico. Assim como os outros operantes verbais, Skinner trata de sua definição, características e tipos, servindo também como uma unidade de análise do comportamento verbal do homem. Além disso, há também as alusões que o autor faz referindo-se à punição e à extinção do comportamento verbal, à correção e autocorreção do comportamento verbal etc.

Por fim, é interessante salientar que Skinner não se preocupa somente em explicar o comportamento verbal enquanto um falante interagindo “diretamente” com um ouvinte, mas também faz alusões do comportamento verbal na literatura e do comportamento verbal lógico e científico; nos últimos momentos do livro, sendo os dois epílogos pessoais e o apêndice, o autor faz alusões do seu próprio comportamento verbal no livro, apresenta motivos pelos quais dá a devida importância a esse conspícuo comportamento e fala um pouco mais sobre a comunidade verbal que cerca o falante que emite o comportamento verbal.

Como foi dito anteriormente, o próprio Skinner considera essa obra a mais importante de sua carreira. E isso não é de se espantar. Ele foi um dos poucos autores que promoveu uma análise tão bem feita do comportamento verbal do homem, um dos comportamentos mais importantes de serem compreendidos, por razões óbvias. O livro possui uma linguagem técnica, o que requer uma atenção especial por parte do leitor, por ser uma linguagem um tanto quanto densa. Todavia, este livro em particular, não deve ser lido às pressas ou de forma “crua”, diga-se de passagem. Como o próprio Skinner recomenda, deve ser feita a leitura prévia do livro Ciência e Comportamento Humano (do mesmo autor) para melhor compreensão do O Comportamento Verbal.

Esta obra é recomendada para estudantes de Psicologia a partir do 3º ano de graduação ou que, pelo menos, já possuam um bom conhecimento da teoria behaviorista de Skinner e para psicólogos behavioristas/ analistas do comportamento. Também é interessante para estudantes de letras e para linguistas que porventura se interessem por uma análise do comportamento verbal de um ponto de vista diferente do tradicional, sendo não mentalista, com ênfase no ambiente em que o sujeito está inserido.

B. F. Skinner foi um psicólogo americano, nascido em 1904, que, influenciado por outros autores como Ivan P. Pavlov, Edward L. Thorndike e John B. Watson, deu início a uma nova visão de homem para a Psicologia: a visão do Behaviorismo Radical. Entre suas principais obras, além desta resenhada, encontram-se Ciência e Comportamento Humano (Ed. Martins Fontes), Sobre o Behaviorismo (Ed. Cultrix) e O Mito da Liberdade (Summus Editorial). Além de obras técnicas, o autor também escreveu uma novela baseada nos princípios da ciência comportamental, o Walden II: uma sociedade do futuro (Editora Pedagógica e Universitária). Skinner manteve-se academicamente ativo até a sua morte, ocorrida em 18 de agosto de 1990, decorrente de leucemia.

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linguagem das emoções

A Linguagem das Emoções

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O que são emoções? Elas são universais ou variam entre culturas? Quais são os papéis das emoções? Podemos controlar o que sentimos? Podemos identificar as emoções dos outros, mesmo quando estão tentando camuflá-las? Essas e outras perguntas são respondidas pelo psicólogo Paul Ekman (2011) em seu livro A Linguagem das Emoções. Com a proposta de atingir um público amplo, seu trabalho alterna entre dados científicos e situações da vida diária. Ao longo do livro, o pesquisador traz ideias, novas e recicladas, que podem modificar a forma como leigos, clínicos e cientistas encaram o comportamento emocional.

Inicialmente, Ekman define as emoções como processos, produzidos pelas histórias da espécie e individual, que preparam o organismo para lidar com eventos importantes. Quando deflagradas, as emoções alteram a atividade do cérebro, do sistema nervoso autônomo e dos músculos. As expressões emocionais figuram como recursos úteis para a comunicação. Quando presenciamos — pela face, postura e voz — uma expressão emocional, temos um indício do que a pessoa emocionada pode fazer ou do que a fez sentir uma emoção. Mas podemos, como frequentemente acontece, estarmos redondamente enganados. Se o choro e o medo podem resultar da culpa pelo que fizemos, podem também ser fruto de uma acusação indefensável e injusta. Nem sempre sabemos o que motiva uma emoção, e Ekman alerta-nos sobre o perigo de cometermos o “erro de Otelo”.

Desdêmona, injustamente acusada de uma traição, temia pela morte. Otelo, cego pelo ciúme, interpretou seu temor como prova de sua culpa.

As respostas emocionais — de medo, raiva, aversão e entusiasmo, por exemplo — são rápidas e começam sem nossa consciência, e Ekman acredita que elas sejam implementadas pormecanismos automáticos de avaliação, ou autoavaliadores. Esses mecanismos rastreariam continuamente o mundo ao nosso redor, e nos permitiriam responder rapidamente em circunstâncias relevantes. Se um leão pular na nossa frente, não decidimos nos espantar; não pedimos ao cérebro que envie hormônios para a corrente sanguínea, que o coração acelere e que o sangue se concentre na musculatura dos membros inferiores. Se perdemos um ente querido, não podemos optar entre nos entristecer ou seguir a vida como se nada tivesse acontecido. A seleção natural forjou mecanismos que trabalham rápida e automaticamente, isto é, independentemente do que queremos ou decidimos. Se não fosse assim, nossos ancestrais caçadores-coletores não teriam sobrevivido.

Para abordar a questão dos aspectos filogenéticos das respostas emocionais, Ekman pesquisou o povo fore, que vive em aldeias esparsas em Papua-Nova Guiné. Os fore não têm (ou não tinham, em 1967) acesso a meios de comunicação como tevê e rádio, e foram raras as vezes em que uns poucos deles entraram em contato com pessoas de regiões urbanizadas. Utilizando histórias, vídeos e fotografias, ele verificou que seus voluntários identificam e expressamfacialmente a raiva, a satisfação, a aversão e a tristeza como o fazem estudantes universitários dos Estados Unidos. Embora surpresa e medo não tenham sido claramente distinguidos pelos fore, Ekman concluiu que algumas emoções são universais, mesmo que a cultura influencie o modo como as controlamos. Ao longo dos capítulos sobre tristeza e angústia, raiva, surpresa e medo, aversão e desprezo e emoções agradáveis, Ekman traz exercícios e fotografias faciais para nos ensinar a detectar os sinais emocionais típicos.

Tim Roth, do seriado Lie to Me, exibindo microexpressões típicas de algumas emoções tristeza (sadness), desprezo (contempt), surpresa (surprise), raiva (anger), aversão (disgust) e medo (fear).

Além dos aspectos topográficos das respostas emocionais, Ekman dedicou um bom espaço para discorrer sobre quando nos emocionamos. O termo gatilho é utilizado para dizer da situação que controla ou induz uma resposta emocional. Quando um rato se depara com um gato, a aparição do último é um gatilho para o medo. Se o gatilho para uma emoção não precisa passar por aprendizagem, trata-se de um tema emocional. A perda de um ente querido seria um tema para a tristeza, e a aparição de um gato seria, para um rato, um tema para o medo. A partir dos temas com que nascemos, ou do banco de dados emocional que herdamos dos nossos ancestrais, vamos gradualmente aprendendo a nos emocionar diante de novas situações. Quanto mais próxima uma situação estiver de um tema herdado, mais fácil seria a aprendizagem. Se, por exemplo, aprendemos a ficar atentos e a nos desviar facilmente de um carro que invade a pista em que trafegamos, isso deve ocorrer por termos nascido com a predisposição para nos assustar e nos esquivar de objetos que se aproximam rapidamente de nós. É mais fácil aprender a ter medo de animais do que de cogumelos e flores, e isso poderia ser explicado pela história da nossa espécie.

Contra os efeitos adversos dos comportamentos emocionais, Ekman propõe alguns exercícios e passos a ser seguidos. As emoções influenciam o que pensamos e fazemos, e isso pode, em inúmeros contextos, gerar graves problemas. Se ficamos com raiva fácil e frequentemente, e se essa raiva nos leva a dizer e a fazer coisas de que nos arrependemos depois, temos bons motivos para querer controlá-la. Para tanto, devemos saber em que situações nos sentimos raivosos, aprender a identificar os estágios iniciais dessa emoção e lembrar que, quando emocionados, podemos avaliar ou interpretar os eventos de forma equivocada. Com esse conhecimento em mãos, passamos prever o que sentiremos em certas ocasiões, a ser mais atenciosos acerca do que sentimos e a flexibilizar o que pensamos e fazemos. Se um gatilho emocional for difícil de ser modificado, Ekman sugere que procuremos a terapia comportamental e, como exercício complementar, a meditação.

Num dos últimos capítulos do livro, o pesquisador trata de um problema intrigante: como podemos saber se alguém está mentindo ou escondendo informações que nos interessam. A hesitação ao ser indagado sobre um assunto, a oscilação topográfica da voz, a duração e a assimetria das expressões faciais, a congruência do que se diz com o que se expressa facialmente e as microexpressões do rosto, dificilmente captadas por quem não é treinado no assunto, podem colocar em questão a veracidade do que está sendo dito. Mesmo com tantos sinais a serem observados, Ekman ressalta que a detecção de mentiras é um trabalho árduo e que não há uma fórmula mágica e fiel para identificarmos um mentiroso. Como dito anteriormente, um mesmo sinal pode ser gerado por diferentes situações e pode ter diferentes significados.

Paul Ekman lança mão de termos úteis para tratar do problema das emoções, como “gatilho”, “tema” e “autoavaliadores”, mas há momentos em que suas definições parecem se confundir ou são pouco claras. Sobre os autoavaliadores, o autor supõe que esses mecanismos automáticos atuam de forma ativa, buscando ou procurando por eventos que podem ter algum valor conforme um banco de dados emocionais. O mais provável de ocorrer, entretanto, é que esses mecanismos respondam a certas situações a que um indivíduo é exposto, e que o ato de avaliar compreenda ou envolva as emoções. Afinal, como um mecanismo pode “julgar” que uma situação é boa ou favorável à sobrevivência sem levar em conta um aspecto emocional? A literatura atual mostra que valoramos as situações a partir das emoções (por exemplo, Damásio, 2011); portanto, não haveria uma avaliação prévia e independente que, posteriormente, desencadearia emoções: estas parecem fazer parte de uma avaliação. No mais, Ekman poderia ter dedicado mais caracteres para falar dos processos envolvidos na aquisição dos gatilhos emocionais. O autor descreve de forma razoável a maneira como nos emocionamos, mas diz pouco sobre como aprendemos, ao longo da vida, a nos emocionar.

A Linguagem das Emoções é um livro que pode, de inúmeras maneiras, ser útil para o grande público — de clínicos e leigos a agentes secretos. Paul Ekman consegue, com clareza e estilo, lançar luz sobre um dos temas mais elementares do campo das ciências humanas. O referido livro é indispensável para os teóricos das emoções e, ao mesmo tempo, para quem quer aprimorar suas habilidades de identificação e controle emocionais.

Nota: originalmente publicado em: http://danielgontijo.blogspot.com.br/2012/01/linguagem-das-emocoes-uma-resenha.html#more

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