(En)Cena entrevista Esequias Caetano de Almeida Neto

Foto: Arquivo Pessoal

Esequias é Psicólogo (CRP 04/ 35023), especializando em Psicologia Clínica com enfoque em Análise do Comportamento pelo ITCR – Campinas. É sócio-proprietário no Instituto Crescer: Desenvolvimento Humano e Organizacional, em Patos de Minas – MG, onde realiza atendimento clínico e consultoria em Recursos Humanos em diversas empresas da região. É coordenador Pedagógico e Professor de Psicologia Comportamental no InPA – Instituto de Psicologia Aplicada, de Brasília – DF. Como Psicólogo Clínico, possui experiência no atendimento a adultos, casais, famílias, crianças/ orientação de pais e grupos terapêuticos.

Como Psicólogo Organizacional, possui experiência em recrutamento e seleção; organização e condução de cursos, palestras e workshops para empresas de diversos setores; Planejamento e Desenvolvimento de Carreira; Orientação Profissional e outras atividades. É organizador do livro “Terapia Analítico Comportamental: dos pressupostos teóricos às possibilidades de aplicação”, lançado em Agosto de 2012, na cidade de Curitiba – PR. É sócio da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental desde a graduação. Presidente do site Comporte-se: Psicologia Científica, principal site de Análise do Comportamento do país, onde escreve para estudantes e profissionais de Psicologia sobre temas relacionados à Clínica, Psicopatologia, Conceitos Básicos e Avançados da Análise do Comportamento e Habilidades Sociais. É editor do blog Comportamento e Saúde, no Jornal Patos Hoje, onde escreve para a comunidade sobre assuntos ligados a comportamento humano e saúde em geral. É membro instalador da Liga Patense de Neurociências e Membro Colaborador da Liga Uberlandense de Análise do Comportamento.

EnCena – Como se iniciou na psicologia, qual seu primeiro momento com a profissão?

Esequias Neto – Meu primeiro contato com a profissão ocorreu no terceiro ano do Ensino Médio. Eu procurava livros de Filosofia na biblioteca do colégio, quando, acidentalmente, encontrei algumas obras de Freud. Levei para casa, comecei a ler e gostei muito do que vi ali. Com isso, comecei a me interessar por outras leituras relacionadas e retomei um livro antigo que minha mãe tinha em casa, chamado “Porque tenho medo de lhe dizer quem sou”, do Psicólogo Stephen Paul Adler. A leitura desse livro me chamou ainda mais a atenção para a profissão, pois oferecia explicações bastante interessantes sobre uma série de coisas que me despertavam curiosidade: depressão, pânico, esquizofrenia, entre outras.

A partir destas primeiras leituras, comecei a revirar a internet em busca de mais material, conversei com alguns Psicólogos da cidade para me informar sobre a área, li sobre os campos de atuação profissional, entre outras coisas. A esta altura já havia me decidido pela Psicologia, e faltava apenas chegar a época do vestibular.

É claro que existem outros elementos em minha história que também influenciaram bastante e inclusive me fizeram pensar na possibilidade bem antes do terceiro ano, mas não foram tão decisivos.

EnCena – E o trabalho com o  Portal Comporte-se, ele aconteceu e em que momento e por quê?

Esequias Neto – Iniciei o curso querendo estudar Freud. Meu interesse era quase exclusivamente conhecer a Psicanálise e dominar aqueles conceitos de ID, Ego, Superego, e tantos outros que me atraíram antes de começar o curso. Mas, por ironia do destino, só tive uma disciplina claramente psicanalítica, acho que no terceiro ou quarto período da faculdade. Nesse meio tempo, estudava Análise do Comportamento com uma excelente professora, a Simone Santos, e fazia diversos cursos de extensão com a equipe do Grupo Atitude. Nestes cursos eu aprendia sobre a aplicação da Terapia Analítico-Comportamental no tratamento daqueles transtornos mentais anteriormente mencionados, que eu tanto queria compreender. Continuava a ler Freud por conta própria, mas aos poucos, comecei a ver na Terapia Analítico-Comportamental uma alternativa mais promissora do que a Psicanálise.

O site nasceu principalmente com o objetivo de criar contexto para estimular meus estudos (tinha que estudar para escrever bem) e contribuir para a interação com profissionais e estudantes de Análise do Comportamento de outras partes do país. É importante mencionar, sobre este último aspecto, que em minha cidade não existia nenhum Analista do Comportamento, e na faculdade, a única disciplina relacionada era AEC. Eu gostava muito de falar a respeito, não tinha com quem falar aqui por perto, então me inseri no mundo virtual.

EnCena – Como funciona o projeto?

Esequias Neto –  O Comporte-se começou como um blog pessoal. Apenas em fevereiro de 2011 ele começou a tomar os contornos de um site de divulgação, quando comecei a atualizá-lo com mais frequência, e o número de visitas começou a aumentar. Na época, recebia em torno de 2.800 visitantes únicos por mês, o que corresponde a aproximadamente metade do que recebemos hoje por dia, atualmente.

Em 7 de fevereiro de 2011 publiquei uma entrevista com o Prof. Dr. Roberto Banaco, que foi um verdadeiro sucesso e me motivou a investir ainda mais no blog. Abri um processo seletivo para a entrada de novos colunistas, e no mesmo mês, passaram a compor a equipe a Aline Couto, nossa atual Diretora de Marketing Interno, o Marcelo Souza e o Rodrigo Oliveira, atuais colunistas. Entrou para o grupo o Daniel Gontijo, também, mas logo se afastou, em função das atividades do mestrado.

Com a entrada destas pessoas, começamos a fazer parcerias com eventos em todo o Brasil e a publicar com mais frequência, o que aumentou ainda mais o número de acessos no site. Com isso, convidei novos membros – Natalie Brito, Maria Ester Rodrigues e Renata Pinheiro –, que ajudaram a estruturar o site da forma como é hoje.  Nós convidamos vários colunistas para escreverem sobre temas específicos, relacionados às suas pesquisas de mestrado e doutorado, e compomos um grupo de revisores que avalia todos os nossos artigos antes de serem publicados. Estes revisores são mestres e doutores em áreas específicas da Análise do Comportamento.

EnCena – Como você relaciona sua profissão e o trabalho que você desenvolve no Portal?

Esequias Neto – Como o Comporte-se é um portal de Análise do Comportamento, fica bem fácil. Continuo utilizando como contingência para estudar e para manter contato com outros profissionais e estudantes de Análise do Comportamento. Graças ao site, tenho a oportunidade de viajar para cobrir eventos em diversas partes do país, participando de inúmeras atividades acadêmicas, cursos, palestras, congressos, entre outras coisas. O mesmo acontece com outros membros do Comporte-se.

EnCena – A questão comportamental é hoje um tema que ganha cada vez mais espaço, é discutida a partir do âmbito profissional, de relacionamentos, da educação. Vivemos um momento de supercontrole do comportamento?

Esequias Neto – “Comportamento” é um termo genérico que pode ser interpretado de diversas formas, a depender da abordagem da Psicologia à partir da qual se pretende interpretá-lo. Por exemplo, a Terapia Cognitivo-Comportamental entende que “comportamento” é apenas aquilo que é observável publicamente, o que corresponde apenas a nossos movimentos e ações mecânicas, como levantar o braço, girar a cabeça para um lado ou outro, pegar um copo, etc. Já a Análise do Comportamento/ Behaviorismo Radical, entende que “comportamento” é toda e qualquer relação entre organismo e ambiente, o que corresponde não apenas às ações mecânicas e observáveis, mas também aos pensamentos e sentimentos que compõe o que se chama de Subjetividade. Sim, a subjetividade é comportamento. O conceito de “comportamento” para esta abordagem é bem mais amplo do que para as demais, o que causa estranhamento naqueles que desconhecem esta amplitude quando ouvem que o Analista do Comportamento trabalha apenas com “comportamentos”.

A expressão “controle” é muito comum nessa abordagem, e com frequência, causa estranhamento e aversão nos desavisados. Porém, conforme já foi comentado, “controlar” não significa nada mais que “influenciar o comportamento”, que é o que qualquer Psicólogo busca fazer. Apenas para tentar tornar mais claro, darei alguns exemplos. Quando um Gestalt Terapeuta faz perguntas que contribuem para o cliente chegar à Awereness, ele não está fazendo nada mais do que controlar o comportamento de “tomar consciência” desse cliente. Quando um Cognitivista Comportamental utiliza a técnica do Questionamento Socrático para desconstruir uma “crença disfuncional”, ele está, em termos comportamentais, fazendo com que o cliente deixe de se comportar sob controle de uma regra e passe a se comportar sob controle das contingências.

EnCena – Esclarecido isto, ainda fica a questão: vivemos um momento de supercontrole do comportamento?

Esequias Neto – Acredito que não.  O homem sempre buscou formas de controlar as outras pessoas. Um exemplo bem recente, muito próximo a nós, é a ditadura militar. Vários políticos, artistas e pessoas comuns foram severamente punidos pelo simples fato de discordar dos governantes, e a maioria dos que aparentemente “concordavam”, o faziam simplesmente para evitar a punição. Na história temos vários outros exemplos, como o nazismo, facismo e outros regimes totalitários. Na atualidade ainda existem sociedades assim, mas são bem menos comuns do que há algumas décadas atrás.

Observe que todos os exemplos citados nos remetem a formas de controle bastante diferentes do simples “influenciar” que defendi anteriormente. Isso porque, como eu disse, o homem sempre buscou formas de controlar o comportamento das outras pessoas, e com o tempo, estas formas apenas vão mudando. Os regimes totalitários e o controle coercitivo estão dando espaço a estratégias mais inteligentes de influenciar o comportamento e objetivos mais nobres. A loteria federal é uma delas.

Milhares de brasileiros apostam na loteria todos os dias, concorrendo a prêmios milionários! Mas, por mais altos que sejam estes prêmios, eles correspondem a apenas 46% do valor total arrecadado pelas apostas. Uma parcela do montante é utilizada para cobrir as despesas do concurso, e o restante, revertido em arrecadação para o governo. Quem quiser se informar melhor sobre como funciona a distribuição desse dinheiro, pode acessar esta reportagem do G1:http://migre.me/aWfIn

Através da loteria o governo faz com que as pessoas contribuam com o orçamento da união sem que seja necessário instalar qualquer taxa, juro ou imposto a mais, o que, certamente, causaria desagrado.  As pessoas contribuem felizes, sem se sentirem controladas.

Se pesquisarmos encontraremos diversos outros exemplos de situações nas quais isso acontece: as pessoas tem seu comportamento controlado sem que percebam. Apenas a titulo de exemplo, cito a “Faixa reversível” implantada na cidade de São Paulo como forma de incentivo aos motoristas darem carona. Apesar de mal planejada, expressa uma forma de controle semelhante. Quem desejar conhecer melhor o projeto, clique aqui [http://migre.me/aWUqi].

Isso acontece por um motivo bem simples. O controle é percebido apenas quando exercido de forma autoritária ou imposta, com o emprego de meios coercitivos para influenciar o comportamento. Em outras palavras, percebemos o controle e nos incomodamos com ele apenas quando nos comportamos para evitar que algo aconteça ou para nos livrarmos de algo que está acontecendo. Quando nos comportamos para obter algo bom, algum benefício, prazer ou algo similar, nos sentimos livres e dizemos que tomamos a decisão pelo “livre arbítrio”. Isso ocorre especialmente quando este “algo bom” é ameno, não traz prejuízos em outros campos da vida e não demanda esforço atípico.

EnCena – Existe uma relação normalidade-loucura no tema do comportamento?

Esequias Neto – O comportamento enquanto tema pode ser discutido a partir de diversas abordagens da psicologia, uma vez que o termo é bastante genérico e é utilizado até mesmo no senso comum. E em cada abordagem na Psicologia, encontraremos uma concepção bastante diferente sobre a ideia de comportamento, assim como da concepção acerca da normalidade-loucura. Falarei, aqui, a partir de minha abordagem de formação e estudo, que é a Análise do Comportamento/ Behaviorismo Radical.

A ideia de “normalidade-loucura” não existe na Análise do Comportamento. Falar em “normal” e “louco” implica em julgar o sujeito a partir de uma regra ou parâmetro pré-concebido, geralmente cultural e estatístico sobre como as pessoas devem se comportar. Aquele que foge a esta regra ou parâmetro é considerado louco, e aquele que se adequa a ela, é considerado normal. Esse tipo de julgamento é incompatível com a proposta Behaviorista Radical/ Analítico Comportamental, que compreende cada pessoa como um ser único e incomparável, que deve ser acolhido, compreendido e ajudado segundo suas particularidades. Os próprios manuais diagnósticos (DSM e CID) são inúteis na prática clínica do Analista do Comportamento enquanto identificadores de patologias, embora possam usados como descritores de comportamento e como meio de comunicação entre profissionais da área. Também são utilizados  nas situações de pesquisa que visam estudar a efetividade das intervenções analítico-comportamentais para casos específicos.

EnCena – Quais os principais desafios encontrados ao discutir os temas da psicologia hoje ?

Esequias Neto – Depende. Se a discussão for entre profissionais de uma mesma abordagem e campo de atuação, teremos um conjunto X de desafios. Se for entre profissionais de mesmo campo de atuação e abordagens diferentes, teremos um conjunto Y. Se for entre profissionais de campos de atuação diferentes e mesma abordagem, teremos um conjunto W. Se for entre Psicólogos e outros profissionais, teremos ainda um conjunto Z e assim por diante, ad infinitum.

EnCena – Na sua opinião, a discussões da psicologia ainda estão distantes do grande público?

Esequias Neto – Em certa medida, sim, mas não sei se isso é errado. Creio que discussões filosóficas, epistemológicas, e, de certa forma, metodológicas, não dizem respeito ao grande público. O grande público se interessa pelos resultados que somos capazes de produzir, belos benefícios que o conhecimento gerado na Psicologia é capaz de oferecer. Em outras palavras, o grande público se interessa em saber para que somos úteis, ou por qual motivo deve procurar um Psicólogo, e é nesse ponto que deixamos a desejar.

O Psicólogo tem dificuldades para mostrar sua utilidade. As pessoas desconfiam muito de seu trabalho. Nas palavras de um ex-professor de matemática, “o psicólogo é muito bom no discurso, mas não é capaz de ir muito além disso…”. Neste sentido, precisamos nos preocupar mais com a efetividade de nossa atuação, com a produção de claras melhorias na qualidade de vida das pessoas, e claro, com a divulgação de nosso trabalho ao público externo à Psicologia.

Divulgar nosso trabalho envolve outra questão muito importante: nossa linguagem. Precisamos nos lembrar que o público leigo em Psicologia não conhece os jargões e termos técnicos que utilizamos, e nós é quem precisamos nos fazer compreender.